A próxima legislação europeia sobre viagens organizadas: uma oportunidade para excluir a responsabilidade do retalhista e proteger adequadamente o consumidor
Leia o artigo de opinião de Carlos Torres, advogado, professor ESHTE/ISCAD/ULHT.

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Artigo publicado na edição 1304 do Publituris, de 30 de Outubro
Envio este artigo para publicação, escassas horas antes da apreciação pelo Parlamento Europeu da recomendação para segunda leitura, referente à posição do Conselho de adopção da Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagens conexos, que altera o Regulamento (CE) n.º 2006/2004 e a Directiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, revogando a Directiva 90/314/CEE.
A Directiva 90/314/CEE, vulgarmente conhecida por directiva dos pacotes turísticos ou viagens organizadas, foi transposta, em 1993, para a lei das agências de viagens (Decreto-Lei nº 198/93 de 13 de Agosto – LAVT 1993), figurando nos artigos 15º/2 e 18º a 36º da actual LAVT.
1) A responsabilidade do retalhista constitui uma opção do legislador português e não uma imposição da Directiva 90/314/CEE
A responsabilidade da agência retalhista deve-se exclusivamente a uma opção do legislador português e não a uma imposição da legislação comunitária, como muitas vezes se afirma.
Com efeito, o nº 1 do art.º 5º estatui que os “Estados-membros tomarão as medidas necessárias para que o operador e/ou a agência que sejam partes no contrato sejam responsáveis perante o consumidor pela correcta execução das obrigações decorrentes do contrato, quer essas obrigações devam ser executadas por eles próprios ou por outros prestadores de serviços.”.
A possibilidade do legislador nacional escolher o operador, a agência ou ambos era igualmente referida no 18º considerando: “os operadores e/ou as agências devem ser responsáveis perante o consumidor pela boa execução das obrigações decorrentes do contrato; …”
A opção do legislador português no art.º 18º da LAVT de 1993, que operou a transposição da Directiva 90/314/CEE, foi maximalista, responsabilizando não apenas o operador que elabora o package holiday mas também a agência que o comercializa.
A LAVT de 1997 (Decreto-Lei nº 209/97, 13 de Agosto), apesar de reconhecer no seu preâmbulo que a sua antecessora ”foi além do que era exigido pela Directiva nº 90/314/CEE, com sérios prejuízos para as agências de viagens portuguesas. Assim aconteceu com o alargamento do conceito de viagem organizada, que levou à sujeição de inúmeras viagens a tal regime, as quais, de acordo com a directiva, estariam excluídas, e, principalmente, com a não limitação da responsabilidade das agências quando esteja em causa a prestação de serviços por terceiros, cuja responsabilidade é limitada por convenções internacionais” não corrigiu este relevante aspecto, continuando a responsabilizar a agência retalhista.
O regime de responsabilidade previsto no art.º 39º LAVT de 1997, para além da limitação decorrente de convenções internacionais, consagrou diferentes graus de responsabilidade para as categorias das viagens turísticas e por medida, bem como para a mera intermediação, atenuações que desaparecem na futura legislação e que já tinham sido postas em causa pelo Tribunal de Justiça da União Europeia num dos seus mais destacados casos, curiosamente relativo a uma agência e a um consumidor português (processo C-400/00).
A actual lei das agências de viagens, no art.º 29º, reproduz o conteúdo daquela disposição da LAVT de 1997.
2) A nova directiva clarifica que a responsabilidade pela correcta execução da viagem será do organizador e a responsabilidade do retalhista só se manterá por decisão do legislador português
A posição do legislador europeu é, de forma cristalina, reflectida no considerando 23, afirmando que a Directiva 90/314/CEE “atribuiu aos Estados-Membros poder discricionário para estabelecerem se os retalhistas, os organizadores ou ambos devem ser responsáveis pela correta execução da viagem organizada. Em alguns Estados-Membros, esta flexibilidade deu origem a dúvidas sobre a questão de saber qual é o operador responsável pela execução dos serviços de viagem pertinentes. Por conseguinte, a presente diretiva deverá deixar claro que os organizadores são responsáveis pela execução dos serviços de viagem incluídos no contrato de viagem organizada, salvo se o direito nacional previr a responsabilidade de ambos (organizador e retalhista)”.
Apesar da futura legislação europeia prever uma uniformidade semelhante à que resultaria de um regulamento, isto é, dando muito pouca margem de manobra aos Estados-membros aquando da sua transposição, neste aspecto existe uma excepção, porquanto o nº 1 do art.º 13º estatui:
“Os Estados-Membros asseguram que o organizador seja responsável pela execução dos serviços de viagem incluídos no contrato de viagem organizada, independentemente de esses serviços serem executados pelo próprio organizador ou por outros prestadores de serviços de viagem.
Os Estados-Membros podem manter ou introduzir disposições no direito nacional segundo as quais o retalhista também seja responsável pela execução da viagem organizada.”.
Se o legislador português não aproveitar esta oportunidade, as disposições do artigo 7.º (teor do contrato de viagem organizada e documentos a fornecer antes do início da viagem), dos capítulos III (alterações ao contrato antes do início da viagem), IV (execução da viagem organizada) e sobretudo do V (protecção em caso de insolvência) que incidem sobre o organizador serão também aplicáveis, mutatis mutandis, ao retalhista.
Penso que haverá alguma justiça em, no próximo quadro legislativo, libertar estas empresas que, durante mais de duas décadas, partilharam responsabilidades e suportaram custos que deveriam ter sido atribuídos por inteiro às grandes organizações que elaboram os pacotes turísticos.
Como é sabido, no sistema da caução e sobretudo no fundo de garantia os pagamentos das empresas não são proporcionais à sua facturação, sendo que as PMEs contribuíram proporcionalmente muito mais que os grandes grupos nos quais se concentra a oferta de viagens organizadas. Mesmo que estas empresas não possam ser responsabilizadas, porque não organizam nem comercializam pacotes turísticos, já contribuíram e podem ser chamadas a contribuições adicionais quando o fundo baixar de um milhão de euros (art.º 32º/5).
O actual sistema português comporta, assim, uma dupla iniquidade relativamente às agências retalhistas.
Desde há mais de 20 anos, a LAVT torna-as responsáveis, apesar de a legislação europeia não o impor, sendo que o fundo de garantia que alimentaram numa proporção bem superior à das grandes empresas não protege os consumidores, para além de um milhão de euros, aquando da falência de um tour operator (art.º 31º/2).
Deste modo, os demais consumidores lesados terão de accionar os retalhistas pela diferença, que pode ascender a vários milhões de euros, provocando sérios prejuízos ou mesmo um conjunto de falências em cascata nestas empresas.
Ou seja, um grande desequilíbrio na protecção dos consumidores e das pequenas e médias empresas, em lugar de um eficaz sistema de protecção na insolvência dos operadores que garanta os reembolsos pelas viagens não realizadas, através uma adequada percentagem do volume de vendas em contribuições para o fundo.
* Artigo de opinião de Carlos Torres, advogado, professor ESHTE/ISCAD/ULHT