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“Hub” e turismo: quem dá mais?

“To hub or not to hub?”. Sejamos mais conscientes sobre o que verdadeiramente significa e sejamos mais exigentes com quem o diz e manipula o conceito

“Hub” e turismo: quem dá mais?

“To hub or not to hub?”. Sejamos mais conscientes sobre o que verdadeiramente significa e sejamos mais exigentes com quem o diz e manipula o conceito

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

“Já estiveste em Frankfurt? Sim, mas só no aeroporto para trocar de avião”. Raras serão as pessoas que traduzirão a sua passagem por Frankfurt num passeio turístico pelas margens do Meno, numa degustação de vinhos locais e nem sequer numa ida romântica à vizinha Heidelberg. Concretizando: dos 7.8 milhões de passageiros transportados pela Lufthansa entre a Alemanha e os EUA/Canadá em 2019, 81% estavam em trânsito…ou seja: 8 em cada 10. Um “hub” é isso mesmo: um aeroporto maioritariamente utilizado por passageiros apressados entre dois voos de uma ou mais companhias aéreas (as chamadas “alianças”) de forma a chegarem ao seu destino final. Nestas circunstâncias, um passageiro embarca na cidade A, faz escala no “hub” onde troca de avião para chegar a B, C, D, etc. É neste contexto que se entenderá a resposta: “já estive “n” vezes em Frankfurt, mas nunca saí do aeroporto”. O que seria Frankfurt sem o seu “hub”? Existe, de fato, toda uma economia empresarial construída em torno desse conceito.

Em contraste com esta realidade está Berlim, a cidade mais turística da Alemanha – inclusivamente com o dobro de turistas do que Lisboa. Apesar do seu aeroporto novo, Berlim não é “hub” de ninguém nem para ninguém; e a Lufthansa, companhia de “bandeira” (usando um termo antigo), dali apenas voa para Frankfurt e Munique. A lista de “hubs” que não lideram na mesma proporcionalidade os rankings de turismo das suas cidades ou regiões é longa: desde logo Atlanta, um dos aeroportos mais movimentados do mundo; Guangzhou, Addis Abeba, Cidade do México ou São Paulo. Na Europa, dos mais de 300 aeroportos comerciais existentes, conta-se numa mão os “hubs” mundiais e noutra os “hubs” regionais do Continente. Para além de Berlim, Roma não é “hub”, Praga não é “hub” e Barcelona também não é “hub”. A esmagadora maioria dos aeroportos mundiais não é “hub”. E não é por isso que deixam de ser relevantes nem de desempenhar o seu papel económico fundamental.

O tema do “hub” de Lisboa e da sua importância tem sido várias vezes referido e protegido em várias conferências nacionais da nossa indústria do turismo, em particular durante este mês de Novembro. Sem contraditório. Tentemos, por isso, esclarecer conceitos, benefícios e inconvenientes e, com isso, permitir refletir com maior conhecimento de causa sobre a questão do “hub”.

Nos últimos anos, a TAP tem aprofundado este conceito, alicerçado não propriamente na posição geográfica do país, mas sobretudo numa questão de tarifa. Os casos paradigmáticos de destinos como Conakry, Dakar, Banjul, Abidjan, Lomé, Accra, Bamako, Agadir, Fuerteventura ou Chicago são tentativas de desviar tráfego de/para essas cidades para outros pontos do estrangeiro passando por Lisboa em vez de o fazerem por Casablanca ou Madrid. Exemplificando: os voos diários da TAP entre Dakar e Lisboa transportam todos os dias 400 passageiros ida e volta, sendo que 99.9% continuam ou têm origem noutro destino fora de Portugal. São quase 150 mil passageiros anuais com nenhuma (ou muito pouca) expressão económica para o nosso País. Estes voos da TAP estão de tal forma desconetados das necessidades do mercado Português que o operador Solférias anunciou uma série de mais de 15 “charters” para o Senegal no Verão de 2022. A grande maioria dos destinos intercontinentais da TAP é comercializada e tarifada exclusivamente com o objetivo comercial interno de transportar 7 em cada 10 passageiros para outro destino fora de Portugal. Obviamente que o “hub” da TAP em Lisboa cria e inclusivamente inflaciona os empregos no Turismo, tal como decorre da categorização profissional utilizada pelo Banco de Portugal que inclui os funcionários de companhias aéreas. Mas qual é o seu verdadeiro contributo para a economia do Turismo, isto é, para aquela que se desenvolve fora do ambiente aeroportuário? Entre um voo TAP de Chicago para Lisboa com 90% de passageiros em trânsito para outros destinos Europeus devido aos preços baixos oferecidos pela companhia ou um voo United fazendo exatamente a mesma rota mas com 100% dos seus passageiros com destino a Portugal, qual aquele que mais beneficiaria o nosso Turismo?

Não existem números oficiais sobre o número exato de passageiros em trânsito na Portela. Estimo que esse valor tenha rondado os 10 milhões de passageiros em 2019, cerca de um terço do valor total. O equivalente à população portuguesa. “Turistas” que não o são porque, na verdade, estão apenas a mudar de um avião para outro rumo a outro destino fora do nosso país. Estes 10 milhões de passageiros ocupam espaço e “slots”, pesam na infraestrutura, no ambiente, impedem e dificultam outros aeroportos nacionais de crescerem e … contribuíram com o quê exatamente para o nosso turismo? Com sorte, terão tomado um café inflacionado no aeroporto de Lisboa entre dois voos.

Num aeroporto dito saturado e com lista de espera de companhias interessadas em servir o destino e o País, é correto que o único investimento público de envergadura no setor tenha como objetivo salvar o “hub” … em nome do turismo? É correto que hoteleiros, presidentes de associações de turismo e profissionais defendam esse investimento e essa continuidade em conferências e entrevistas…em nome do turismo? Serão outros interesses bem distintos os que defendem com as posições públicas que tomam usando da sua influência e o seu ascendente…mas o interesse do turismo não é de certeza.

O “hub” da Portela é totalmente financiado pelo dinheiro público e tem como único efeito prático de permitir conexões transatlânticas de baixo custo entre dois países estrangeiros via Lisboa com um contributo marginal para a economia e turismo do país…do estilo: “já estiveste em Lisboa? Sim, mas só no aeroporto para trocar de avião porque era mais barato”.  Sem esse financiamento artificial do “hub” o contribuinte, o ecologista, o profissional do turismo e próprio turista encontrariam um compromisso que beneficiaria todos. Reduziríamos a quantidade de passageiros, mas não a quantidade de turistas porque, nesta matéria, Lisboa está na categoria de cidades como Roma, Barcelona, Praga ou Berlim – não é certamente pelo “hub” que nos visitarão.

Assim, da próxima vez que ouvirmos a palavra “hub” não nos deixemos enganar. Sejamos mais conscientes sobre o que verdadeiramente significa e sejamos mais exigentes com quem o diz e manipula o conceito.

“To hub or not to hub?” Somos livres de fazer a nossa escolha, mas seremos prisioneiros das suas consequências.

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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