Desafios de toda a África em debate
A Africa’s Travel Indaba, uma das maiores feiras de turismo da África do Sul, levou a debate alguns dos principais desafios que impedem o crescimento turístico do país e de todo o continente africano: os vistos turísticos e a reduzida oferta de voos. No final, ficou a certeza de que é preciso fazer mais para resolver problemas antigos, que tardam em conhecer solução.
Inês de Matos
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No cargo de ministra do Turismo da África do Sul desde março, foi com uma conversa com Patricia De Lille que Richard Quest, o conhecido jornalista da CNN, abriu o debate sobre o futuro do turismo africano, na última edição da Africa’s Travel Indaba, uma das maiores feiras de turismo da África do Sul, que decorreu em Durban.
Por isso, ninguém se admirou que o debate tenha começado pelos problemas que dizem respeito ao turismo sul-africano, aos quais Patricia De Lille garante estar a dar resposta, começando por mudar os protagonistas mas também a estratégia que tem guiado o turismo do país. “Aceitei ser ministra do turismo porque é uma oportunidade para limpar o turismo sul-africano. E isso é exatamente o que está a ser feito”, garantiu a governante, que chegou ao cargo depois de um escândalo que envolvia o investimento por parte do Turismo da África do Sul de muitos milhões de dólares no patrocínio de um clube de futebol inglês, num negócio que enraiveceu o país, ainda a braços com a recuperação pós-Covid e que cronicamente se queixa da falta de verbas para promoção.
Depois de anos a ganhar credibilidade como autarca da Cidade do Cabo, Patricia De Lille foi escolhida para pôr ordem na casa e levar o turismo sul-africano a um patamar superior. Para isso, pede a colaboração do setor privado e garante que está a trabalhar para resolver alguns dos seus problemas, como a atribuição de licenças. “Há muitos operadores turísticos que precisam de licenças para operar mas o governo demora uma eternidade para lhes conceder essas licenças. Isso é algo que já desbloqueámos”, garantiu.
Este é um país lindo, é um continente lindo, mas o mundo não sabe nada sobre nós, somos nós que temos de ir lá fora vender este país e este continente”, Patricia De Lille, ministra do Turismo da África do Sul
Por enquanto, Patricia De Lille diz estar concentrada na recuperação económica e turística da África do Sul, país que foi fortemente afetado pela COVID-19, mas mostra-se ambiciosa e diz que pretende “elevar o perfil” do turismo sul-africano, assim como o seu orçamento. “Este é um país lindo, é um continente lindo, mas o mundo não sabe nada sobre nós, somos nós que temos de ir lá fora vender este país e este continente”, acrescentou, defendendo a necessidade de “aumentar o reconhecimento da marca” turística sul-africana.
Vistos continuam a ser problema
O aumento de notoriedade da marca turística da África do Sul é, por isso, uma das prioridades da ministra, mas não é a única, uma vez que, segundo a governante, o presidente sul-africano também traçou a agilização de vistos turísticos como uma das prioridades para o mandato de Patricia De Lille. “Muitos países já estão cobertos pelo e-visa, em que o turista pode pedir o visto desde o conforto da sua casa. Estou a instar todos os países africanos para que cheguem a uma visão homogénea no regime dos vistos para que os africanos se possam movimentar livremente por todo o continente”, explicou a governante, revelando que está a trabalhar com todo o governo sul-africano e com 20 outros países africanos para tornar realidade esta intenção. “Acredito que se as pessoas se puderem candidatar online, tudo vai ser mais rápido”, afirmou Patricia De Lille, defendendo ainda o reforço dos recursos humanos para processar os pedidos, uma vez que, atualmente, “essa verificação demora demasiado”.
A questão dos vistos é, aliás, um problema comum a praticamente todo o continente africano, como ficou patente no debate que se gerou de seguida e que contou também com a participação de George Mothema, CEO of the Board of Airlines Representatives of Southern Africa; Blacky Komani, Chair of the Tourism Council of South Africa; e Elcia Grandcourt, Regional Director da Organização Mundial do Turismo (OMT).
Depois das respostas de Patricia De Lille, Richard Quest quis saber porque não adota a África do Sul, assim como o continente africano, um sistema que facilite a atribuição de vistos a quem já possua outros tipos de vistos, como o ESTA, nos EUA, ou o visto não Shengen, na União Europeia, aproveitando o facto da verificação de segurança já ter sido realizada para acelerar o processo. “Tenho de concordar consigo, se quem já tem esses vistos já foi verificado, porque precisa de outro visto para vir à África do Sul?”, questionou Blacky Komani, que acredita, no entanto, que a ministra sul-africana vai ser capaz de levar o processo a bom-porto.
Opinião idêntica manifestou George Mothema, que defendeu que esta é uma das principais razões que levam as companhias aéreas a hesitar em voar para África. “As companhias não querem voar para cá por isso. Poderiam ter muito mais passageiros mas não têm porque as pessoas não têm acesso aos vistos”, denunciou, concordando que o principal travão ao avanço da medida continua a residir nas preocupações de segurança dos vários países, num ponto que foi ainda reforçado por Elcia Grandcourt, que sugere, no entanto, que os países mais atrasados olhem para o que os outros estão a fazer. “Há países que não exigem visto e, por isso, se olharmos para o que está a ser feito em todo o continente, podemos ter uma ideia do que está a funcionar ou não. Não precisamos de inventar novamente a roda, mas temos de avançar e facilitar, envolvendo os diferentes ministérios e partes interessadas”, afirmou.
As companhias não querem voar para cá por isso. Poderiam ter muito mais passageiros mas não têm porque as pessoas não têm acesso aos vistos”, George Mothema, Board of Airlines Representatives of Southern Africa
Voos e o sonho adiado do mercado único africano
Apesar da demora na atribuição de vistos ser um problema que continua a atrasar o desenvolvimento turístico da África do Sul e do continente africano, este debate mostrou que este está longe de ser o único, já que África continua a ser uma das regiões do mundo com menor oferta de voos e onde o mercado único de aviação continua a ser uma miragem.
“Continuamos a falar da criação de um mercado africano único de aviação, mas precisamos avançar nessa questão, que data de 1998 ou 1999”, denunciou George Mothema.
De acordo com o responsável, há muito que as companhias aéreas africanas colaboram com a ICAO – Organização Internacional da Aviação Civil nesta questão, o que tem dado poucos mas alguns frutos. “África está a dar passos rumo a esse caminho, ainda ontem o ministro de Moçambique disse que o país já avançou para os vistos online. Portanto, lentamente, estamos a ver que os países começam a perceber a importância de se abrirem e de facilitarem a entrada de visitantes, é isso que ajuda ao desenvolvimento do turismo”, lembrou, explicando que também a OMT “está a tomar as rédeas desta questão e a liderar os passos necessários para implementar esse mercado único em África”.
Richard Quest lembrou também que tem sido essa falta de colaboração entre os vários países africanos que tem impedido a criação de um céu aberto em África e de uma companhia aérea pan-africana, capaz de voar para todo o continente, numa opinião partilhada por George Mothema, que defende que é necessário “continuar a trabalhar afincadamente para abrir os céus em África”, até porque, acrescentou Patricia De Lille, não é fácil lidar com a fragmentação que ainda existe. “Temos de lidar com a fragmentação, até na África do Sul temos províncias a fazer coisas diferentes”, lamentou a governante, que acredita, no entanto, no potencial do continente africano. “África é um mercado em crescimento e uma companhia aérea olha para o crescimento antes de decidir começar a voar para um destino”, lembrou, defendendo que é preciso “convencer as companhias a voar” para os países africanos.
Temos de olhar de forma diferente para cada país, porque cada um tem diferentes níveis de desenvolvimento. Não podemos comparar a África do Sul com países que ainda estão no início do seu desenvolvimento turístico”, Elcia Grandcourt, OMT
E o protecionismo? Para Richard Quest este é um dos problemas que levam a que as companhias hesitem em voar para África, uma vez que a “primeira coisa em que os países pensam é em proteger o seu próprio mercado”. “Tem razão, por isso concordei consigo quando disse que não estamos a dar um tiro no pé, estamos a dar tiros nos dois pés. Precisamos de olhar para estes problemas que infligimos a nós próprios e corrigi-los para nos podermos mostrar ao resto do mundo”, admitiu a ministra.
Mais critico mostrou-se George Mothema, para quem o protecionismo que existem em África “limita o número de companhias aéreas e dita preços mais altos”. “Essa é uma das razões pelas quais defendemos a abertura dos céus em África, também para garantir que existe uma competição saudável e que mais companhias entram no mercado, o que vai criar preços mais convidativos”, explicou, defendendo que “o céu aberto deve ser uma realidade porque vai permitir que as companhias aéreas entrem e participem no mercado africano”.
Richard Quest quis, depois, saber se os participantes concordariam com a criação de um mercado único africano semelhante ao europeu, em que as companhias aéreas podem realizar voos entre os vários países, numa ideia com a qual George Mothema, enquanto representante das companhias aéreas que operam na África do Sul, disse estar “totalmente de acordo”.
Já Blacky Komani preferiu abordar a perspetiva dos consumidores, defendendo que é preciso encontrar um modelo que sirva as necessidades dos consumidores, o que, segundo Richard Quest, não serve de desculpa, uma vez que, se as decisões tivessem em conta as necessidades dos consumidores, a questão do mercado único africano já teria sido resolvida.
Como resolver a discórdia que existe?
Os problemas são muitos e variados, mas há atores que têm força para impulsionar a sua resolução, a exemplo da OMT. Por isso, o moderador deste debate perguntou, de seguida, a Elcia Grandcourt que papel pode este órgão das Nações Unidas desempenhar para que se encontrem soluções. “O nosso papel enquanto OMT é pressionar e encorajar a sua resolução, mas, ao mesmo tempo, continuamos a ver que é necessário trabalhar com estes países nas suas estratégias, este é o tipo de apoio que podemos trazer”, explicou a responsável, defendendo ainda o envolvimento da União Africana como forma de acelerar a resolução destas questões, apesar de considerar que o grande problema se encontra no facto de os países africanos estarem em diferentes níveis de desenvolvimento turístico. “Temos de olhar de forma diferente para cada país, porque cada um tem diferentes níveis de desenvolvimento. Não podemos comparar a África do Sul com países que ainda estão no início do seu desenvolvimento turístico”, lembrou Elcia Grandcourt.
Se quem já tem esses vistos [ESTA ou não Schengen] já foi verificado, porque precisa de outro visto para vir à África do Sul?”, Blacky Komani, Tourism Council of South Africa
Certo, mas também não é preciso seguir o ritmo do mais lento, acrescentou Richard Quest, num comentário que mereceu a concordância do painel, a exemplo de George Mothema, que pediu liberdade para que as “companhias aéreas possam chegar a um determinado destino e realizar conexões para outros destinos”.
Já Patricia De Lille lembrou que apesar de lentos, a África do Sul tem feito progressos na atração das companhias aéreas, como prova a operação da United Airlines que permitiu levar diretamente Richard Quest dos EUA até à Africa do Sul. “Precisamos reconhecer o progresso que já fizemos. O Richard pôde voar para a África do Sul diretamente dos EUA, com a United Airlines. Isso é progresso que alcançámos nos últimos 20 anos. Atualmente, é possível voar desde 50 destinos diretamente para a África do Sul, para a Cidade do Cabo e Joanesburgo. Nos últimos cinco anos, temos voos diretos, portanto, temos progresso e isso permite que os passageiros tenham ligações mais convenientes”, explicou, considerando, por isso, que “há uma melhoria” na oferta.
Mas a governante diz também ser “a primeira a reconhecer que é preciso fazer mais para crescer” e, por isso, comprometeu-se a continuar a trabalhar para que, na próxima Africa’s Travel Indaba seja possível apresentar boas notícias. “Quando voltarmos para a próxima Indaba, é importante mostrar o que alcançámos e os problemas que conseguimos resolver”, disse, considerando que o país tem “negligenciado o setor do turismo” mas que isso está a mudar, uma vez que este setor traz oportunidades não apenas para as grandes cidades, mas também para as pequenas localidades e regiões mais desconhecidas da África do Sul. “Há muitas oportunidades para o mercado doméstico mas também para o internacional. Temos destinos e alojamentos fantásticos mas que continuam à espera da chegada dos turistas”, concluiu.