Animação turística luta pela sobrevivência. Inverno é prova de fogo
A viver a pior crise de sempre, o setor da animação turística está apreensivo quanto ao inverno, que pode trazer despedimentos e encerramentos. Para evitar o pior cenário, são necessárias mais medidas porque o regresso à normalidade ainda estará longe.
Inês de Matos
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A viver a pior crise de sempre, o setor da animação turística está apreensivo quanto ao inverno, que pode trazer despedimentos e encerramentos. Para evitar o pior cenário, são necessárias mais medidas porque o regresso à normalidade ainda estará longe.
Ao contrário da expetativa inicial, o verão não permitiu compensar as quebras ditadas pela COVID-19 no setor da animação turística. As restrições às viagens, o medo da doença e o facto de Portugal ter sido colocado fora dos corredores turísticos de mercados importantes, como o Reino Unido, afastaram os turistas internacionais e levaram a que a recuperação que se esperava para a principal época turística fosse apenas residual. “No setor da animação turística, o verão permitiu algum encaixe embora muito longe da faturação habitual (abaixo dos 40% de faturação comparativamente ao mesmo período do ano anterior)”, diz ao Publituris António Marques Vidal, presidente da APECATE – Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos, que não hesita em declarar que esta “é a pior crise que o setor já teve de enfrentar”.
Por parte das empresas, o feedback é idêntico. Como lembra Francisco Sá Nogueira, representante da Lisbon Helicopters, que se dedica aos passeios turísticos em helicópteros na capital e não só, “a animação turística foi dos últimos segmentos da oferta turística a ser autorizado a retomar a sua atividade”, atraso que contribuiu para que a recuperação tenha sido mais lenta. Nesta empresa, as vendas só atingiram um pico em agosto, que se manteve em setembro, mas, refere o responsável, é preciso ter em atenção que agosto representou “uma quebra de vendas superior a 60% face ao mesmo período de 2019”.
Carlos Batista, administrador da Picos de Aventura, que oferece atividades em contacto com a natureza nos Açores, também não teve razões para sorrir este verão, já que a procura registada foi “praticamente inexistente tendo em conta o volume de clientes que escolhiam a Picos de Aventura para as suas férias em São Miguel e Terceira”. Ainda assim, a empresa notou que, ao longo do verão, o número de clientes “cresceu gradualmente”, em resultado da “retoma da confiança nas viagens e adaptação também a esta nova normalidade”.
Idêntico balanço faz a empresa de cruzeiros fluviais Tomaz do Douro, onde a operação “começou muito lentamente” e que, apesar do maior volume de procura em agosto, registou um “enorme” decréscimo em número de pessoas e valor relativamente a 2019, segundo Célia Lima, diretora comercial e de marketing da empresa.
Já a Tridente Boat Trips, que realiza passeios de barco no Algarve, apresentou “uma procura expressiva” no verão, muito por culpa dos portugueses e espanhóis, ainda que o início da época tenha sido “extremamente complicado”, pela incerteza e arranque tardio da operação. “Em julho, quando finalmente tivemos luz verde, fizemos um esforço enorme de adaptação e formação para conseguir garantir a segurança e tranquilizar colaboradores e clientes. O negócio era analisado dia-a-dia, e numa empresa maioritariamente sazonal, isto foi extremamente complicado”, diz Rui Martins, CEO da empresa, revelando que a Tridente Boat Trips conseguiu “ter uma época economicamente viável contra todas as expetativas”.
Inverno
As quebras do verão chegaram a níveis preocupantes, mas, alerta o presidente da APECATE, os próximos meses podem ser ainda piores, já que se prevê que o número de despedimentos e encerramentos de empresas venha a disparar. “As empresas estão a lutar pela sobrevivência, algumas já se reestruturaram, outras estão agora a fazê-lo”, admite António Marques Vidal, prevendo que, até dezembro, 30% das empresas de animação turística nacionais venha a fechar portas. “Lamentavelmente acreditamos que nem todas as empresas vão conseguir ultrapassar esta fase. Preveem-se cerca de 30% de encerramentos até dezembro, existindo ainda um estudo com perspetivas mais negativas”, destaca.
Na Lisbon Helicopters, a previsão é que o próximo inverno seja “longo e duro”, uma vez que, diz Francisco Sá Nogueira, a empresa não vai poder contar com “grupos nacionais nem estrangeiros com a intensidade registada em anos anteriores”, enquanto a “retoma das viagens de negócios e do segmento de grupos e incentivos inserido neste segmento é ainda incerta”. “Pese embora a adesão do mercado nacional e a procura de novas experiências e sensações neste contexto de ‘ausência’ de alternativa de destinos internacionais, vamos ter de enfrentar um inverno longo e duro”, resume.
Sem grande otimismo para este inverno está também a Picos de Aventura, com Carlos Baptista a sublinhar que “existe um conjunto de fatores externos (como uma segunda vaga da pandemia, a vacina, a evolução da pandemia e restrições fronteiriças) que não permite criar grandes expetativas”. Apesar da incerteza, a Picos de Aventura está, no entanto, a criar “produto e experiências” para a época de inverno e que visam combater a sazonalidade. “Este já era um projeto da Picos de Aventura que, após o verão que tivemos, ganha ainda mais preponderância na empresa e para os Açores em geral”, destaca o administrador da empresa.
Marítimo-turístico
As dúvidas quanto às dificuldades que o próximo inverno vai colocar às empresas de animação turística parecem ser poucas, ainda que, tal como no verão, exista a convicção de que algumas regiões e alguns tipos de empresas venham a sofrer mais do que outras.
Como lembra António Marques Vidal, no verão, a “crise foi maior nas grandes cidades destino como Lisboa e Porto” e nem um maior número de turistas portugueses atenuou as perdas, já que, aponta o presidente da APECATE, “houve zonas em que aumentou a procura do destino, mas isso não se refletiu num aumento de procura dos programas de animação turística”, o que leva o responsável a lamentar que os consumidores portugueses, principais responsáveis pela pouca retoma registada no verão, não tenham “conseguido dar esse passo”.
Se os resultados do verão não foram iguais em todas as regiões, também não o foram em todas as empresas, já que, segundo António Marques Vidal, houve subsetores da animação turística que sofreram maiores quebras, como o marítimo-turístico. “Este sector específico, vai ser afetado como todos os outros, o verão não conseguiu colmatar as perdas e, neste momento, o sentido é reestruturar e aguentar até à próxima época”, acrescenta, sublinhando, no entanto, que mesmo na atividade marítimo-turística houve áreas com melhor desempenho, como o surf ou o mergulho, o que leva a que “a próxima época se afigure menos negativa”.
Quem concorda com o presidente da APECATE são as empresas que se dedicam à atividade marítimo-turística ouvidas pelo Publituris. “Prevemos o próximo inverno muito difícil e muito desafiante”, aponta Célia Lima, considerando que o “Governo deve implementar mais medidas de apoio ao setor, nomeadamente no que concerne a manutenção dos postos de trabalho”, mas também para a “aquisição de materiais e equipamentos de combate à COVID-19 de forma a minorar os custos acrescidos” para as empresas e que são mais um entrave à recuperação.
Na Tridente Boat Trip, Rui Martins também se mostra preocupado com a próxima época baixa. “Este inverno vai ser decisivo. Muitas operadoras já fecharam portas ou brevemente irão fechar. O Algarve está a atingir níveis históricos de desemprego e infelizmente pensamos que esta será uma crise nunca vista na região”, lamenta o responsável, revelando que, desde final de agosto, verifica-se “uma quebra abrupta na procura”. “Habitualmente setembro e outubro seriam meses de procura por parte da comunidade estrangeira residente ou turistas de uma faixa etária mais elevada, que devido a isso mesmo, tiveram de se isolar ou tiveram receio de viajar”, explica o CEO da empresa, sublinhando que, de uma “procura acima do expectável”, a Tridente Boat Trips passou “repentinamente para uma procura praticamente inexistente novamente”. “Enquanto na época passada nos mantivemos em atividade até inícios de novembro, este ano provavelmente iremos terminar a época nos primeiros dias de outubro”, queixa-se o responsável.
Medidas
Nas últimas semanas, o governo reconheceu que, quando as medidas de apoio à retoma foram formuladas, estava à espera que a procura fosse mais efetiva, o que não veio a suceder. Por esse motivo, no final de setembro, foram anunciadas mais medidas para apoiar o setor do turismo, num passo que é aplaudido pelas empresas de animação turística, mas em relação ao qual a APECATE se mostra relutante. “O governo anunciou um novo pacote de medidas, das quais ainda não temos conhecimento específico, pelo que não poderemos dizer se vão ou não ser positivas. Muitas vezes, as medidas anunciadas não vêm a ter aplicabilidade ou resultado para este sector”, diz António Marques Vidal, considerando, no entanto, que os primeiros apoios lançados foram “muito, muito importantes para as empresas do setor, que com os mesmos chegaram até setembro”. Apesar disso, estas medidas podem revelar-se “insuficientes” face à incerteza que paira sobre a animação turística.
Para a APECATE, às medidas já anunciadas deveriam juntar-se mais algumas, como a descida do IVA para o patamar da restauração, a suspensão do agravamento (por apresentação de resultados negativos) da contribuição em sede de IRC durante a pandemia, o alargamento do prazo de recuperação dos prejuízos de exercícios anteriores em sede de IRC até 12 anos a contar do fim da pandemia, a majoração das amortizações de novos investimentos em 100% em sede de IRC ou o encurtamento dos prazos de devolução do IVA com caráter vinculativo. Além destas, a associação quer ainda a “suspensão ‘sine die’ do PEC e PPC”.
No terreno, as empresas também clamam por mais apoios, ainda que, como refere Rui Martins, “para começar, seria de extrema importância que as linhas de apoio realmente chegassem às empresas”. O responsável da Tridente Boat Trips entende que seria também desejável que o Algarve viesse a contar com “um plano específico”, uma vez que, “devido às suas características particulares (dependência do turismo e sazonalidade)”, o Algarve é uma região que “não pode ser tratada como o restante território”.
Já Francisco Sá Nogueira diz que é preciso “criar medidas de apoio à capitalização das empresas, incluindo apoios a fundo perdido” e “repor o lay-off simplificado para o turismo e flexibilizá-lo enquanto a situação de mobilidade internacional não normalizar”, defendendo ainda, a médio e longo prazo, uma transformação da Administração Pública, que, critica, “é o maior custo de contexto da economia e em particular do turismo e da animação turística”.
A estas medidas, Célia Lima acrescenta o lançamento de uma nova “campanha de promoção internacional do destino, mantendo igualmente uma campanha de turismo interno”, enquanto
Carlos Baptista considera que “todas as medidas que apoiem a sustentabilidade das empresas são vitais” e destaca o trabalho do Governo Regional dos Açores no apoio às empresas açorianas, com o lançamento de medidas especiais, ainda que também tenha dúvidas que esses apoios sejam “suficientes para manter todo o tecido empresarial. O tempo para a retoma será determinante nesta avaliação”, conclui.
Futuro
Como diz Carlos Baptista, o tempo para a retoma será determinante, o problema é que ninguém sabe quando chega essa retoma. Por isso mesmo, o administrador da Picos de Aventura alerta que os empresários devem estar atentos ao evoluir da pandemia e “antecipar de forma responsável” os cenários possíveis para conseguirem dar resposta à procura quando a retoma chegar. No caso da Picos de Aventura, acrescenta o responsável, há uma vantagem, uma vez que o cenário em que a empresa opera permite “que haja sempre distanciamento social”, o que em conjunto com as regras de higiene e segurança adotadas, leva a que as atividades decorram de forma segura. “Sentimos-mos, por isso, preparados para receber turistas hoje, amanhã e sempre, com ou sem pandemia, com a expetativa de que possamos voltar à normalidade o mais breve possível”, afirma.
Mais pessimistas quanto ao tempo que pode decorrer até à normalização estão as restantes empresas ouvidas pelo Publituris, que falam em alguns anos até que o setor volte a apresentar resultados ao nível dos últimos anos. Francisco Sá Nogueira aponta 2023 “no melhor dos cenários”, enquanto Célia Lima não prevê que o regresso à normalidade ocorra em menos de “três ou quatro anos”. “A recuperação do sector irá ser lenta e acreditamos que serão necessários três a quatro anos para voltar à ‘normalidade’ e para podermos trabalhar com mais perspetivas de futuro”, estima a responsável da Tomaz do Douro. Já Rui Martins prevê que a normalidade não regresse “nunca em menos de cinco anos”.
Na APECATE, António Marques Vidal prefere nem arriscar. “Não sei se queremos arriscar fazer previsões num cenário tão inesperado e crítico como o que a pandemia está a revelar”, admite, falando também nas “incoerências” que ainda existem e que afetam negativamente o setor, nomeadamente ao nível da legislação, como o facto de existirem restrições quanto ao número de clientes que as embarcações de turismo podem transportar, mas que não se aplicam noutros setores, ou a proibição de gaivotas nas praias. Além destas restrições, a associação critica também o discurso do medo que algumas instituições nacionais têm promovido, assim como a falta de comunicação da Direção Geral da Saúde (DGS).
Ainda assim, o presidente da associação que representa muitas das empresas de animação turística portuguesas mostra-se confiante na resiliência dos empresários que, diz, “é grande, muito grande”. “Foi um sector que passou os últimos anos a lutar para exercer a sua atividade e não será diferente perante uma pandemia”, conclui.
*Artigo publicado na edição do Publituris de 9 de outubro.