Entrevista: “Os aeroportos não estão a controlar suficientemente a situação sanitária”
Numa altura em que as ligações aéreas estão a retomar ao país, o presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) alerta para “o controlo insuficiente” nos aeroportos, o que não contribui para a confiança dos turistas.

Carina Monteiro
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Se existir uma vacina até à Primavera de 2021, Raul Martins acredita que o próximo ano será de retoma da hotelaria e, em 2022, o regresso aos números de 2019. Apesar de esta crise ser mais profunda, o presidente da AHP acredita que a recuperação será mais rápida. Raul Martins fala ainda do peso do turismo no PIB em Portugal. Diz que isso aconteceu, porque os outros setores não se desenvolveram e recusa a ideia que o turismo retirou espaço a outras atividade. “Não precisamos que outros sejam menos para nós sermos mais. Queremos é que os outros setores nos acompanhem e cresçam tanto como nós”.
A AHP prevê para este ano uma perda de 46,6 milhões de dormidas e 3,6 mil milhões de receitas. Como é que se pode mitigar os efeitos destas perdas?
Há coisas que não estão ao nosso alcance. Por exemplo, um inquérito feito nos EUA para saber quando é que os americanos estão disponíveis para viajar para a Europa aponta que só 10% está disponível para viajar e 45% só depois de uma vacina. Portanto, a primeira questão é termos a vacina. Como não temos a certeza quando a teremos, neste momento o que podemos fazer é incentivar a retoma de ligações e a vinda de turistas. Para incentivarmos a vinda de turistas temos tido um bom resultado a nível sanitário, no quadro da Europa.
À partida temos vantagem em relação a outros e esperamos que isso se possa refletir. Por outro lado, também adotámos medidas de segurança sanitária nos hotéis. Entretanto, nestas novas medidas do Governo [Plano de Estabilização Económica e Social] aparece finalmente o apoio e incentivo às companhias aéreas. Esses incentivos quanto maiores forem, mais gente trarão. Ou seja, há uma questão de segurança sanitária que está relacionada com os aeroportos, aviões, hotéis. A nossa parte [hotéis] foi feita.
Na parte da aviação, tem sido explicado que a filtragem do ar nos aviões está feita de modo a 90% das bactérias não se transmitirem. Em relação aos aeroportos, penso que as medidas de controlo são insuficientes. O controlo de temperatura só assinala 30% dos casos. É insuficiente. Não digo que tenhamos uma quarentena como em Inglaterra. Temos é que dar segurança às pessoas que vêm. Porque não pedir aos turistas que tenham o teste realizado nas últimas 72 horas? É uma coisa que nos confrange não existir nos aeroportos mais controlo. Nem há o controlo sanitário, nem há uma referência à origem.
Que hotéis terão condições para sobreviver a este cenário de grandes perdas?
Os turistas de uma forma geral preferem hotéis mais pequenos, porque têm menos aglomeração. Vai haver uma preferência por hotéis mais pequenos e em algumas situações, nomeadamente nas férias de verão, vai haver preferência por casas, mais do que por hotéis. Os hotéis nesta opção de escolha vão sofrer mais do que o
alojamento local ou do que o turismo rural. Os hotéis grandes terão mais problemas.
Antevê um cenário de fecho de hotéis?
Vamos pôr as coisas ao contrário, quais são os hotéis que correm risco de fechar? São aqueles hotéis que não tenham conseguido aceder aos empréstimos da Linha de Apoio à Economia. Só cerca de 40% das empresas recorreu. Não recorreram mais, porque muitas têm situações não regularizadas com as Finanças ou com a Segurança Social e não sabem por falta de informação da Segurança Social. Temos em Portugal, lamentavelmente, um sistema judicial muito moroso, porque temos leis complicadas. Essas empresas se tiverem empréstimos bancários que não os consigam adiar vão à falência. Criou-se agora no PEES um novo instrumento gerido pela Turismo Fundos para adquirir imóveis até um valor de cinco milhões de euros. Mas provavelmente para as empresas se candidatarem não podem ter irregularidades junto da Segurança Social e, às vezes, as empresas não sabem, porque não tem informação suficiente e rápida. Os hotéis que estão em risco são os que estavam numa situação de incumprimento de alguma destas situações e que não puderam aceder [às medidas].
Em abril o Governo aprovou a criação de um regime de exceção que permite o reagendamento da estada num hotel ou a emissão de um voucher. Qual é o balanço que se pode fazer desta medida?
O balanço é preocupante, porque o paradigma da União Europeia (UE) é defender os consumidores. Se o paradigma da UE não se alterar para defender os postos de trabalho, vamos continuar com a mesma situação. Como houve uma alteração de circunstâncias, as plataformas de reservas online têm como regra devolver o valor aos clientes, e fizeram- no sem ter solicitado aos hotéis que devolvessem o dinheiro. Quando os hotéis falaram diretamente com o cliente, de uma forma geral, conseguiram que os clientes aceitassem o adiamento. O diferendo surge porque as plataformas tomaram de iniciativa própria essa situação. E agora querem que os hotéis os reembolsem. Como corolário desta situação, não aceitam aquilo que Portugal legislou, porque dizem que o contrato rege-se pela lei holandesa. Quando lhes interessa referem a Comissão Europeia, quando não lhes interessa invocam a lei holandesa. Penso que há uma falta de espírito comercial, porque, no fundo, as plataformas rapidamente vão recuperar as reservas que fizeram. O que é que propusemos? Uma conta corrente: quando houver novas reservas, as plataformas não pagam, porque já lá está o dinheiro. Estamos à espera da resposta de uma dessas plataformas.
Em todo o caso, há disponibilidade para que esse pagamento seja atrasado para 90 dias. Mas penso que é uma tempestade num copo de água, na medida em que quando a situação evoluir e houver mais reservas, os hotéis passam a receber e a devolver. Na prática penso que é isso que vai acontecer, pouco a pouco.
Plano de Estabilização Económica e Social
As novas medidas que substituem o lay off simplificado a partir de agosto servem às empresas hoteleiras?
Parte do pressuposto que a hotelaria vai ter uma ocupação de 30%. Hoje não temos a certeza se, em agosto, vamos ter essa ocupação. Provavelmente, nas zonas balneares haverá essa ocupação, mas nas zonas urbanas pensamos que será difícil haver.
No fundo é uma substituição do layoff simplificado que só existe para as empresas que retomarem a atividade. Não achamos mal. Mas vamos ver qual a ocupação que conseguiremos. O número de rotas aéreas que estão confirmadas pela ANA é de cerca de 50% do que estava planeado antes da pandemia, mas as ocupações dos aviões estão nos 50%, 60%. O que quer dizer que 60% de 50% são 30%. Portanto, não teremos mais do que 30% da ocupação. Pensamos que a solução está correta, daí até conseguirmos uma ocupação de 30%, vamos ver, depende do número de turistas que tivermos.
Qual a sua avaliação à atuação do Governo na gestão desta crise?
Penso que é boa, de zero a 10, dou 7. O que é que podíamos melhorar? Termos mais controlo nesta segunda fase. Esta segunda fase está a ser penalizadora. Tenho conhecimento de alemães que deixaram de vir para a região de Lisboa por terem aumentado os casos na região. A região de Lisboa vai sofrer com esta situação. Já está a sofrer.
As medidas de carácter económico têm sido positivas. Ao princípio foram muito incipientes e tive oportunidade de chamar a atenção para isso. Felizmente foi corrigida. No aspeto económico achamos que tem sido muito positivo. O que às vezes não vemos são respostas mais rápidas no sentido do futuro. Ou seja, estamos a ver as coisas e o Governo só vê mais tarde.
Como por exemplo?
No apoio às companhias aéreas. As companhias precisam de saber antecipadamente disso. Falámos há um mês desta situação. É quase mais importante haver incentivos ao transporte aéreo do que haver promoção.
E o que é que urgente assegurar nesta fase de retoma da atividade?
Precisamos de ter o máximo de confiança para que os turistas venham, e não é só os hotéis. Estamos no fim da linha e fizemos o nosso papel. Os aeroportos em Portugal não controlam suficientemente a situação sanitária. Isso retira confiança. Aquilo que os turistas receiam é ficarem doentes e retidos no país para onde viajam, por melhor que as condições sejam. Depois para que os turistas venham, além do incentivo ao transporte aéreo, poderia haver outros incentivos. Por que não deixar de pagar a passagem nos itinerários complementares ou na via do Infante? Se temos os espanhóis que a 1 de julho podem atravessar a fronteira, era bom que não se pagasse. Até pelo incómodo de pagar. Fala-se tanto da transição digital e não há nenhuma aplicação que se possa pagar o acesso às auto-estradas? É uma coisa assim tão difícil? A vantagem de não pagar é um incentivo para as pessoas circularem de carro. Os italianos deram dinheiro para as pessoas gastarem no turismo. Nós não precisamos disso, bastava que as estradas, que são ótimas em Portugal, até ao final do ano não se pagassem, se os utilizadores tivessem, por exemplo, uma reserva num hotel.
A associação já expressou a sua preocupação com o controlo nos aeroportos?
Já. Junto da ANA – Aeroportos de Portugal. Temos um país sui generis, onde não são permitidos ajuntamentos de 10 pessoas e depois há manifestações de milhares de pessoas.
Quando é que os hotéis poderão voltar a faturações ao nível de 2019?
Penso que se tivermos uma vacina até à Primavera do ano que vem, 2021 vai ser de muito boa recuperação e, em 2022, penso que estaremos a fazer o que fizemos em 2019. Vejo que a recuperação é tardia, mas vai ser mais rápida que as nossas expectativas. Porque os turistas, se tiverem boas condições, segurança, e vacina, estão
ansiosos por viajar.
É uma recuperação mais rápida do que a crise de 2008?
Sim, a crise é mais profunda, mas a retoma é mais rápida.
Leia a entrevista completa aqui.