Pagar para ver… e ouvir!
Leia a opinião de Ana Jacinta, Secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).
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E se agora lhe dissessem que, se quer ver um filme na sua televisão colocada no seu restaurante, hotel ou alojamento local, vai ter de pagar…
E se agora lhe dissessem que, se quer ouvir uma música no seu rádio ou na sua televisão, vai ter de pagar…
E se agora lhe dissessem que, se quer tudo isto vai ter de pagar, não a uma, não a duas, mas a três entidades diferentes?
Pois é… nada disto lhe faz sentido, não é? Mas é exatamente isso que se passa hoje quando um qualquer estabelecimento dispõe de televisores ou de rádios.
Sempre que tal acontece estes estabelecimentos são abordados pelas entidades denominadas “Entidades de Gestão Coletiva de Direito de Autor e Conexos” para que detenham, de cada uma delas, uma autorização, obtida através de um licenciamento, e que não podia, obviamente, deixar de dar lugar a um pagamento, por vezes bem “chorudo”.
Basicamente, estas entidades, sempre em nome dos autores e dos titulares de direitos conexos (sim, porque não é só o autor que recebe, mas também os conexos a ele como os produtores cinematográficos e audiovisuais, os artistas, os intérpretes, os executantes, e por aí fora…), cobram, gerem e distribuem (?) as receitas provenientes da exploração dos direitos que lhes foram confiados pelos respetivos titulares, e estão legalmente enquadradas e respaldadas, nomeadamente ao nível comunitário.
Obviamente que entendo que não será justo usar uma obra, viver à custa dela, e nada se pagar. Obviamente que admito que há casos que possam ser sujeitos a um pagamento, que deve ser justo – e esta é uma outra questão que nos levava longe – quando a utilização que é feita é absolutamente essencial para o estabelecimento, como é o caso, por exemplo, da música que é utilizada numa discoteca ou em espaços idênticos, e que, sem a mesma, esses nem sequer existiriam. Coisa diametralmente diferente é uma televisão num restaurante, que na maioria dos casos nem som tem. Alguém no seu perfeito juízo acha que o restaurante é mais frequentado por ter uma televisão?
Estas entidades, porque lhes convém, parecem ter parado há muitas décadas atrás, em que “as gentes” se reuniam nos cafés para verem a “caixinha que mudou o mundo”. Na generalidade e felizmente, hoje já não é assim e todos nós temos (várias) televisões nas nossas casas. Aliás, a geração Z (pessoas nascidas entre 1997 e 2010), verdadeiros “nativos digitais”, já nem compreendem este conceito, privilegiando a internet ou os conteúdos on demand, de acordo com os seus próprios timings e preferências.
Para não falar dos que nasceram depois de 2010, a chamada geração alfa, a primeira 100% digital, e para os quais o mundo analógico é um passado distante e a tecnologia é uma extensão da sua forma de conhecer o mundo.
A “ajudar à festa”, está a pouca clareza da lei, que já deu azo a várias decisões de tribunais sobre se o pagamento nestes casos é ou não devido, com tribunais a dizer que não tem de pagar, e outros a dizer exatamente o seu contrário. Por sua vez, os estabelecimentos, perante a incerteza e a possibilidade de se verem “a braços” com uma ação judicial, optam por pagar o que lhes é exigido.
E em toda esta equação, nunca é sequer tido em consideração o importante, diria mesmo fundamental, papel que os estabelecimentos têm enquanto veículos de promoção e difusão das diversas obras.
Mas no final é isto que temos… uma tempestade perfeita para que as “Entidades de Gestão Coletiva de Direito de Autor e Conexos” continuem a reclamar pagamentos, que podem não ser devidos.
Mesmo com Ministra (Cultura) reconduzida, espera-se nova abordagem e novo tratamento desta matéria… ”esperar para ver sim”, “pagar para ver” NÃO!!!
*Por Ana Jacinta, Secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP)