‘A Soltrópico foi implodida através de medidas completamente erradas’
Neste momento, Armando Ferreira sente-se traído pelos seus sócios maioritários (Augusto e Eduardo Machado, empresários do grupo Auferma) detentores de 60% da Soltrópico. Em entrevista, o profissional fala do que […]

Liliana Cunha
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Neste momento, Armando Ferreira sente-se traído pelos seus sócios maioritários (Augusto e Eduardo Machado, empresários do grupo Auferma) detentores de 60% da Soltrópico. Em entrevista, o profissional fala do que está a acontecer ao operador, elogia a equipa que o acompanhou durante anos e que agora apresenta a sua demissão, antecipa o seu futuro, avançando que irá alienar a sua quota de 35% (mais 5% se contarmos com a que pertence a um familiar seu) e participar numa campanha de divulgação sobre Cabo Verde.
Como e quando teve conhecimento de todas estas alterações no seio da Soltrópico?
Tive conhecimento da entrada do Miguel Fonseca em Julho de 2009 mas, entretanto, soube pelos meus sócios que as conversações começaram há mais de um ano, tendo como objectivo dar “sangue novo” à Soltrópico.
Numa reunião de Julho conheci, oficialmente, Miguel Fonseca e o seu sócio e familiar Tiago Raiano. Na ocasião, o discurso deles foi bastante vago, não precisaram o programa que pretendiam desenvolver, referindo apenas que iriam melhorar a Soltrópico, pois apesar da pouca idade têm experiência e conhecimento.
Nesta altura, a entrada deles seria sob um cenário de conjugação de esforço, mas dado que não me deram nenhuma resposta concreta relativamente ao programa previsto fiquei convencido que a entrada deles não era uma opção e disse-o aos meus sócios. Estes não retiveram as minhas observações e desenvolveram novos esforços para colocar essa pessoa à frente da equipa da Soltrópico, afastando-me do cargo. Ou seja, já não seria uma colaboração mas um afastamento meu.
Refira-se, contudo, que a Soltrópico já tinha um programa de negócios a três anos, perfeitamente estabelecido e detalhado. Com a entrada deles, podiam fazer-se alterações, harmonizar-se os dois programas ou, simplesmente, optar-se pelo deles caso se adequasse.
Previa-se algum investimento dos novos colaboradores?
Não, também não estava previsto qualquer investimento da parte deles.
No dia 22 de Outubro houve uma segunda reunião, aliás, uma assembleia geral da Soltrópico embora sem convocatória.
Admito que fui para essa reunião com alguma esperança em compatibilizar alguma coisa mas, no final, nada me pareceu positivo. Quando insisti sobre o suposto programa de Miguel Fonseca a resposta foi sobre a alteração da imagem da Soltrópico, o que me surpreendeu bastante porque nos inquéritos aos clientes o top da satisfação é mesmo a imagem da empresa. Disse-lhe isso mesmo e ele acabou por responder que iria, contudo, contratar uma agência para fazer a transformação da imagem. Esta foi, para mim, a prova mais clara que este senhor não trazia nada de positivo para a empresa.
Perante o cenário e as reacções que foram surgindo no mercado, escrevi uma apresentação dando a entender que a entrada dos colaboradores não era oportuna e não iria trazer nada de benéfico ao operador.
Na altura, a equipa directiva estava a sentir-se secundarizada e estamos a falar de pessoas cuja média de presença no operador ronda os 10 anos, a começar pelo Nuno Mateus que está lá desde o início, terminando no Tiago Rodrigues que está há sete.
E transmitiu novamente a sua ideia aos seus sócios?
Sim, mas o que eu disse não fez lei. Os sócios, sendo maioritários, avançaram com reuniões com o pessoal onde foram anunciando a minha saída e a entrada de Miguel Fonseca para administrador executivo.
Soube que houve, entretanto, um almoço no dia 11 de Dezembro entre um dos meus sócios maioritários, Eduardo Machado, e vários directores. Neste almoço insistiu-se novamente sobre o plano que estaria previsto mas, mais uma vez, não houve respostas concretas.
Outro dado determinante foi quando se perguntou a Miguel Fonseca se estaria sempre presente na Soltrópico e ele respondeu que seria representado por Tiago Raiano, em quem deposita toda a confiança. Com isto, toda a equipa conclui que deixa de haver hipóteses de subir dentro da empresa, porque esses lugares ficam assegurados por duas pessoas exteriores.
Foi então que o director comercial, Nuno Mateus, se demitiu.
QUOTA ALIENADA
Seguindo-se outras demissões…
Sim. Houve um descrédito por parte de outros elementos responsáveis da empresa e as demissões foram-se sucedendo. Inclusivamente, fui chamado pelos meus sócios para ajudar a resolver a questão das demissões, quando aquilo que sempre defendi não era nada disto, mas, pelo contrário, dar a importância devida às pessoas que já lá estavam, reconhecendo o trabalho que têm vindo a desenvolver há vários anos. Na verdade, os recursos humanos eram o segredo do negócio da Soltrópico.
Agora acredito que vão precisar de tempo para criar uma nova equipa, com uma filosofia tão bem estruturada quanto esta. No entanto, admito que podem surgir surpresas ou exista uma carta na manga que eu desconheça.
Quantas pessoas já saíram da Soltrópico a esta altura?
Ao todo, 10 elementos, dos quais, três directores e três gestores. (Nuno Mateus, director comercial; Sónia Regateiro, directora de operações e Bruno Pereira, director de promoção; além dos gestores de destinos Cláudia Martins, Jaime Lopes e Sérgio Oliveira).
Acredita que vão haver mais demissões?
Acredito que sim. É óbvio que as pessoas dão importância àquilo que ganham mas quando a dignidade é posta em causa não há nada a fazer.
Ainda está na Soltrópico? Até quando?
Como sou administrador ainda estou na Soltrópico. Não sendo a minha saída por vontade própria, convocou-se uma assembleia geral para finais de Janeiro. Nessa convocatória, os meus sócios têm um ponto que indica a destituição de Armando Ferreira e a nomeação de Miguel Fonseca.
E o que vai acontecer à sua quota de 35%?
Como se deve imaginar, a minha alma já não está neste “novo projecto” e o meu interesse pela quota já não é vital, pelo que se puder aliená-la, fá-lo-ei.
Tentando ver de fora, como encara esta situação?
Foi uma situação imposta a toda a equipa da Soltrópico por sócios maioritários que têm o poder e as sociedades são mesmo assim.
Era um projecto que estava em crescendo e com planos muito interessantes para o mercado até 2012. De repente vê-se implodida através de medidas que considero completamente erradas e que resultam na desmotivação das pessoas.
Uma empresa de operação turística é e deve ser uma empresa criativa e isso depende, obviamente, das pessoas que lá estavam mas que deixaram porque já não acreditam no projecto.
De facto, o que se impõe dizer agora e que pretendo sublinhar, é a competência, atitude e qualidade que este grupo de trabalho atingiu. Quis evitar esta guerra a todo o esforço, passei meses a tentar demover e prevenir os meus sócios, porque considerei que seria fatal para a empresa. Conheço muito bem a equipa e sabia o que pensariam se fossem tratados assim, pois esta actuação não se coaduna com a ética e dinâmica das pessoas com quem trabalhei. Mas isto foi uma imposição que não deu espaço à discussão ou partilha de ideias, até porque a realização de reuniões nunca foi um estilo que agradasse aos meus sócios.
Acredita que o novo projecto tenha futuro?
Com certeza que os sócios não querem fazer mal à sua própria empresa e que a intenção não era má. Lamento é que todos os procedimentos tenham levado a este desfecho.
Quanto ao futuro da empresa, espero que esta seja qualquer coisa de muito importante no futuro e que justifique todo o mal que fez às pessoas neste momento.
Sai com a sensação de dever cumprido?
Absolutamente. E vou cumprir até ao fim, tal como todos os elementos que estão de saída da empresa, pois continuam presentes na empresa e cumpridores das suas funções. Tenho orgulho nisso.
Sente-se traído?
Sim, porque se põe na Soltrópico alguém que não mostra ter qualquer ideia para dinamizar o operador.
Pessoalmente, sinto-me defraudado e despojado de algo que fez parte de mim durante anos.
Sendo Miguel Fonseca cabeça de uma das listas nas eleições da APAVT e tendo estas decorrido em Dezembro, altura em que tudo o que estava a acontecer na Soltrópico veio à baila, pergunto: foi votar?
Tentei mas fui precedido pelos meus sócios que mandaram um procurador votar.
MERCADO VAI APROVEITAR CABO VERDE
Fazendo um pouco de futurismo, e conhecendo a dinâmica do mercado, qual o cenário que antevê?
Muito sinceramente, não sei porque não estou minimamente informado sobre isso.
Para já, é a desilusão em ver o que está acontecer ao projecto que lancei há 20 anos e que foi bem sucedido, mesmo que na altura tenham havido vozes discordantes, pois consideravam-no um projecto outsider. Na verdade, este projecto só foi conseguido pelas equipas que foram formadas, e esta que agora se desmoronou funciona há mais de 10 anos.
E em relação a Cabo Verde?
Cabo Verde é um destino muito apetecido pelos operadores do mercado e isso não é segredo. O que pode, obviamente, acontecer é haver esse aproveitamento, até porque as pessoas responsáveis por esse destino na Soltrópico estão de saída.
Os turistas vão continuar a viajar para Cabo Verde e até acredito que o fluxo aumente. Agora, através de quem?
Quem vai dominar o destino? Não faço ideia. Até agora foi claro, estávamos absolutamente em primeiro lugar. A partir de agora é imprevisível.
Em termos construtivos, o que pode o mercado retirar desta lição?
Prefiro falar de uma forma mais abstracta e faço um paralelo com a crise mundial, pois o mundo avança e a criatividade tem de motivar esse avanço. Assim, penso que tal como a crise que se instalou em 2008, continuou em 2009 e se manterá em 2010 (oxalá não seja por tempo demasiado) e pela história que diz que só os mais fortes se manterão erguidos, espero por uma nova realidade.
Nesse sentido e em relação ao turismo, tenho algumas ideias que ainda hoje não foram possíveis de aplicar. Uma delas prende-se com a distribuição e com o número de agências que continuam a aumentar excessivamente. Penso que é necessário encontrar uma fórmula que assente a distribuição na especialização por aconselhamento. No futuro acredito que haverá uma concentração geográfica de espaços que funcionarão como agência e que tenham produto e tudo o que tenha a ver com os destinos que vendem, como o artesanato, as malas de viagem, a própria gastronomia, flores e sabores, mas também financiamento para viagens e seguros, etc.
Embora tenha 65 anos não me sinto velho e isso soa-me atractivo, tal como outros o acharão.
Já os operadores devem seguir um caminho também de especialização e conhecimento do produto que apresentam tal como o fazia a Soltrópico.
Qual vai ser o futuro de Armando Ferreira depois de Janeiro?
Estou em idade de reforma, o que para mim é confortável, mas mesmo que o faça, não vou parar. Cabo Verde vai continuar a ser um apelo para mim e vou colaborar num projecto de campanha de promoção do destino para Portugal, Espanha e França.
A vantagem é que não me vou sentir tão pressionado como é natural quando se está numa empresa como a Soltrópico que tinha parâmetros mais restritos em termos de actuação.
Ou seja, este foi um problema que, tal como tudo na vida, deve ser encarado como uma oportunidade futura.