Tribunal de Haia valida a proibição de publicidade sobre atividades com consumo de energia fóssil: transporte aéreo, cruzeiros e automóveis incluindo os híbridos
No âmbito de um processo sumário, o juiz do Tribunal Distrital de Haia, julgou improcedentes todos os argumentos conducentes a deitar por terra a proibição de publicidade fóssil decretada pelo município de Haia afetando viagens aéreas e cruzeiros. Dada a importância da temática surgirão inevitavelmente desenvolvimentos num futuro próximo.

Depois do tabaco e do álcool a proibição de publicidade a viagens aéreas e cruzeiros
A proibição de publicidade fóssil poderá exceder largamente o impacto da Loi Évin, a célebre lei francesa que restringe fortemente a publicidade do vinho e outras bebidas alcoólicas, condicionando exposições culturais e publicações sobre vinhos e gastronomia, pois durante um tempo, falar de vinhos de maneira “elogiosa” em revistas poderia ser interpretado como “publicidade irregular”. As últimas iniciativas da Irlanda neste domínio também são significativas.
Em 5 de Junho de 2024, o Secretário-Geral da ONU António Guterres, havia declarado que “muitos restringiram ou proibiram a publicidade de produtos que prejudicam a saúde humana como o tabaco” propondo logo de seguida que “Urge restringir ou proibir a publicidade de empresas de energias fósseis. E é urgente que os media e empresas tecnológicas parem de fazer publicidade a energias fósseis”.
Âmbito da proibição de publicidade fóssil decretada em Haia
O município de Haia, através de um regulamento, introduziu, em 12 de setembro de 2024, uma proibição de publicidade fóssil definida como a publicidade aos produtos e serviços com “combustíveis fósseis, férias aéreas, bilhetes de avião, contratos de eletricidade de origem não renovável, contratos de gás, viagens de cruzeiro ou automóveis com motor fóssil ou híbrido” em espaços públicos. Com esta proibição de publicidade, que decorre de uma proposta do Partido dos Animais, o município visa proteger a saúde dos seus residentes, reduzir as consequências negativas das alterações climáticas e melhorar o ambiente.
ANRV e TUI intentam num tribunal comum ação sumária contra o município
A associação de agências de viagens holandesa (ANRV) e a TUI Holanda intentaram contra o município de Haia um processo sumário, visando primacialmente suspender essa proibição de publicidade em espaços públicos, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2025, sendo que até 1 de Maio seria um período de tolerância com uma simples advertência, sendo efetivamente aplicada a partir dessa data.
No essencial, os membros da ANVR, incluindo a TUI, querem continuar a anunciar as viagens que organizam e ou comercializam, incluindo viagens aéreas e cruzeiros, e, portanto, têm interesse em que a proibição de publicidade fóssil seja tornada inoperante, ou pelo menos que não seja implementada.
Alegaram os autores que o município não comprovou que a saúde pública dos residentes e visitantes de Haia melhorará concreta e efetivamente como resultado da proibição de publicidade e, portanto, não é plausível que aquela possa servir a um interesse público dentro dos limites municipais. Argumento que não foi acolhido pelo juiz, segundo o qual o conselho municipal pode adotar os regulamentos que considere necessários no interesse do município, regular todos os assuntos que afetem suficientemente o interesse público, ter em conta todos os interesses que tenham impacto no espaço público.
A proibição de publicidade é uma das competências do município que tem um grande grau de liberdade (política) para tomar medidas em benefício de seus cidadãos. As decisões democráticas tomadas pelo município neste contexto são objeto de debate no seio do órgão, no qual se confrontam todos os elementos e interesses em jogo. O tribunal só pode intervir nos casos de escolhas incorretas ou ilegais e não foi capaz de chegar razoavelmente à sua política, não em espaços de apreciação política reservado às diferentes forças políticas que se debatem no interior do órgão deliberativo.
Outro argumento avançado pela ANRV e a TUI, frequentemente utilizado neste tipo de ações – nada se muda, não tem impacto, não serve para nada – é o não existir conexão entre a proibição de publicidade e o interesse pretendido do município em reduzir as consequências negativas das mudanças climáticas em Haia, não se comprovou que a saúde pública dos residentes e visitantes de Haia melhorará concreta efetivamente como resultado da proibição de publicidade. Ou seja, voar menos não tem um impacto direto na qualidade do ar nos limites de Haia.
No entanto, para o juiz é claro que uma diminuição nas emissões de CO2 através da redução dos movimentos de voo, em combinação com outras medidas ambientais tomadas pelo município, pode contribuir para melhorar a qualidade de vida, da qual os residentes de Haia (também) beneficiarão. O simples fato de a contribuição do município ser pequena ao nível nacional e globalmente não altera isso. O município salientou, com razão segundo o juiz, que cada pequena ação ajuda e quer fazer a sua parte.
Foi também invocada a violação da Lei Fundamental neerlandesa, mais especificamente a liberdade de expressão porquanto de harmonia com o nº 1 do art.º 7º ”Ninguém necessita de autorização prévia para publicar pensamentos ou sentimentos através da imprensa, sem prejuízo da responsabilidade de cada um perante a lei”. O juiz entendeu, porém, que não de trata aqui de qualquer publicidade ideológica, mas comercial – as autoras pretendem tão somente comercializar as suas viagens – a qual é expressamente excluída pelo nº 4, ou seja, o regulamento que contém a proibição de publicidade fóssil enquadra-se perfeitamente na exceção constitucional.
Outros argumentos avançados pelas autoras foram igualmente afastados pelo juiz, como o relativo à Diretiva 2005/29/CE sobre práticas comerciais desleais, entendendo que a mesma não afeta a capacidade dos Estados-Membros estabelecerem regras sobre práticas comerciais com o objetivo da saúde, segurança ou proteção ambiental. O mesmo sucedeu quanto à invocação do art.º 34º TFEU que proíbe restrições quantitativas às importações, tendo o juiz referido que não se demonstrou que os fornecedores estrangeiros sejam mais afetados pela proibição de publicidade fóssil do que as partes do mercado doméstico.
A liberdade de expressão foi de novo invocada, agora à luz do art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e do art.º 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sem sucesso, não estando a proibição de publicidade abrangida pelas normas. A liberdade de empresa consagrada no art 16º da referida Carta, também não se projecta sobre a proibição de publicidade.
Precludidos pelo juiz foram também os argumentos relativos aos princípios gerais de boa administração, da proporcionalidade, igualdade, diligência e ao dever de fundamentação, pelo que não tendo sido acolhido qualquer dos fundamentos invocados pela ANVR e pela TUI as mesmas foram condenadas no pagamento das custas.