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Opinião

O direito à redução do preço do package segundo os juízes europeus

Os consumidores cuja viagem organizada foi afetada pelas medidas estatais de luta contra a pandemia têm direito a uma redução do preço do package.  O tribunal europeu entende que a Diretiva 2015/2302 contempla, no nº 1 do art.º 14º, uma responsabilidade sem culpa (objetiva) do organizador, uma decisão com significativo impacto nos Estados-membros.

Opinião

O direito à redução do preço do package segundo os juízes europeus

Os consumidores cuja viagem organizada foi afetada pelas medidas estatais de luta contra a pandemia têm direito a uma redução do preço do package.  O tribunal europeu entende que a Diretiva 2015/2302 contempla, no nº 1 do art.º 14º, uma responsabilidade sem culpa (objetiva) do organizador, uma decisão com significativo impacto nos Estados-membros.

Carlos Torres
Sobre o autor
Carlos Torres
  1. Introdução

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) desempenha um importante papel na interpretação da legislação europeia em geral, e particularmente no direito do turismo. Ao longo dos anos os apports têm sido inúmeros, alguns dos quais muito significativos, desde o campo dos direitos dos passageiros aéreos até ao das viagens organizadas em que os juízes europeus não se limitaram a clarificar o trabalho do legislador europeu, indo por vezes muito além, encontrando sentidos interpretativos assaz inesperados e originais. Esta é seguramente uma das decisões mais impactantes do tribunal sedeado no Luxemburgo.

Numa decisão recente – 12 de Janeiro – o TJUE considerou que os adquirentes de uma viagem organizada afetados pelas medidas de combate à pandemia, impostas pelos Estados-membros, podem beneficiar de uma redução do preço da viagem. Mesmo que tais medidas de combate à pandemia, que afetaram fortemente o destino de férias, também vigorassem no local da sua residência e o organizador não tenha qualquer responsabilidade na perturbação das férias.

No essencial, a interpretação vinculante do TJUE recaiu sobre o nº 1 art.º 14º da Diretiva 2015/2302 que disciplina a matéria da redução do preço, estatuindo que o viajante tem “direito a uma redução adequada do preço durante todo o período em que se verifique a falta de conformidade, salvo se o organizador provar que essa falta de conformidade é imputável ao viajante.”.

  1. Os factos

Dois viajantes adquiriram a um operador turístico alemão (FTI Touristik GmbH) uma viagem organizada, com a duração de duas semanas, para Gran Canária,  no período de 13 a 27 de março de 2020. Uma vez chegados ao destino, sofreram um conjunto de restrições: recolher obrigatório, encerramento de praias, proibição de acesso à piscina e às esperguiçadeiras, cancelamento do programa de animação do hotel, ficando confinados ao quarto, só saindo para se alimentarem. Em 18 de  março foram avisados que a qualquer momento teriam de abandonar a  ilha, tendo o regresso antecipado ocorrido dois dias depois.  Solicitaram, então, ao operador turístico uma redução do preço do package em 70%. Sucede que o operador não aceitou tal redução, acreditando que não poderia ser responsabilizado por aquilo que constituía um “risco geral da vida”, na sequência de uma decisão do supremo tribunal alemão estatuindo que a garantia contratual em matéria de viagens pode ser limitada em dois casos: a) circunstâncias que se enquadram unicamente na esfera pessoal do viajante; b) ocorrência de riscos que o viajante tem igualmente de suportar no seu dia a dia.

  1. O entendimento do tribunal europeu

Dada a falta de acordo, a questão seguiu a via judicial, tendo o tribunal de recurso alemão enviado a questão para o TJUE (reenvio prejudicial) suscitando a interpretação do nº 1 do art.º 14º, indagando se as restrições aos serviços impostos pela pandemia na Gran Canária, idênticas às que se verificaram na Alemanha e por esse mundo fora, legitimavam a redução do preço.

De harmonia com o tribunal do Luxemburgo a causa do incumprimento dos serviços de viagem e, nomeadamente, a sua imputabilidade ao organizador é irrelevante, uma vez que a Directiva 2015/2302  prevê, no que tange ao direito à redução do preço, a responsabilidade sem culpa do organizador, uma responsabilidade objectiva na linha do consagrado no nº 1 do art.º 13º. Só quando a falta de conformidade é imputável ao viajante é que não haverá lugar à  redução do preço, sendo irrelevante a circunstância de nesse período, que corresponde ao início do confinamentos, os demais Estados Membros terem imposto medidas dessa natureza.

O TJUE acrescenta que, para ser adequada, a redução do preço deve ser apreciada relativamente aos serviços incluídos no pacote em causa e corresponder ao valor dos serviços cujo incumprimento – falta de conformidade – se verificou.

Deste modo, caberá ao juiz alemão apreciar, com base nos serviços que o organizador teve de prestar de harmonia com o contrato, se, designadamente, o encerramento das piscinas, a inexistência de um programa de animação no hotel ou mesmo a impossibilidade de aceder às praias de Gran Canária e visitar a ilha na sequência da adoção das medidas tomadas pelas autoridades espanholas, pode constituir incumprimento ou má execução deste contrato pelo organizador.

Feita esta avaliação, a redução do preço do referido pacote deverá corresponder ao valor dos serviços de viagem não conformes. A solução encontrada pelos juízes europeus, na sequência do parecer da advogada-geral Laila Medina (intervém noutro processo com interesse, envolvendo a TAP em matéria de direitos dos passageiros aéreos) vincula o tribunal alemão destinatário à interpretação dada. Mas vincula também os outros órgãos jurisdicionais nacionais a que seja submetido uma questão idêntica.

Será o caso de uma viagem para as Caraíbas em que o furacão impediu os consumidores de saírem do interior do hotel e desfrutarem da piscina, praia e golfe ou de um ato terrorista que por razões de segurança e investigação impede a saída do hotel. Os factos não são imputáveis ao organizador mas este responde sem culpa segundo o entendimento dos juízes europeus.

Note-se que a Diretiva 2015/2302 não se aplica apenas ao tradicional operador turístico mas a qualquer prestador de serviços turísticos – hotéis, companhias de aviação, animação, rent a car, etc. – que combinem os seus serviços com outros, designadamente voo e hotel, fly drive, package de golfe, alojamento e spa, entre tantas outras combinações. Também aqui se fará sentir o sentido do elevado nível de proteção do consumidor (art.º 1º) expressamente invocado pelos juízes europeus.

Estando em curso a revisão do quadro europeu, poderá o legislador intervir, designadamente aplicando ao  nº 1 do art.º 14º as alíneas b) e c) do nº 3, ou seja, a imputabilidade a terceiro e, sobretudo, as circunstâncias inevitáveis e excecionais.

Sobre o autorCarlos Torres

Carlos Torres

Jurista e professor na ESHTE
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