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Opinião

Lisboa-Astúrias: à terceira é de vez?

O sucesso duma rota depende também das companhias que a operam e isso não está relacionado com a “marca” da empresa em si, mas sobretudo com a sua estratégia comercial, a distribuição, o alcance, a flexibilidade tarifária, as frequências e adequação dos horários propostos.

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Lisboa-Astúrias: à terceira é de vez?

O sucesso duma rota depende também das companhias que a operam e isso não está relacionado com a “marca” da empresa em si, mas sobretudo com a sua estratégia comercial, a distribuição, o alcance, a flexibilidade tarifária, as frequências e adequação dos horários propostos.

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

O regresso dos voos entre Lisboa e Astúrias previsto para 31 de março levou a SkyExpert, empresa de consultoria especializada em transporte aéreo, aeroportos e turismo, numa viagem aos 10 anos de história atribulada desta rota que, numa década, abriu e fechou pelas asas de 2 outras companhias. Será que à terceira é de vez?

A 12 de outubro, a Volotea colocou os seus novos voos Lisboa-Astúrias à venda. Começarão a 31 de março de 2023 e acontecerão três vezes por semana, às quartas-feiras, sextas-feiras e domingos durante o Verão, reduzindo para dois voos por semana a partir de novembro.

A Volotea é uma empresa espanhola com sede em Espanha, criada pelos ex-fundadores da Vueling, tendo iniciado as suas operações há 10 anos a partir de Veneza, a sua primeira base. A Volotea concilia vários conceitos numa só companhia aérea: aviação regional ligando cidades secundárias entre si utilizando para isso aviões com capacidade até 156 passageiros em vez dos chamados “aviões regionais” (como os ATR, os Embraer ou os Canadair, tipicamente entre 50 e 120 lugares); para além disso, a Volotea adotou, desde o início, a estratégia de vender a tarifa aérea separada de todos os outros serviços adicionais, como seleção de lugar, bagagem, comida e bebida a bordo, etc. A Volotea desenvolve as suas operações através de 19 bases em quatro países, voando sobretudo de/para Itália, Espanha, Grécia e França. A presença da companhia em Portugal foi sempre muito discreta com alguns voos sazonais para o Funchal no Verão de 2018 e, mais recentemente, entre Faro e 4 destinos franceses e entre Porto e Bilbao. Astúrias será a rota de estreia para a companhia em Lisboa.

Análise histórica da rota Lisboa-Astúrias
Na última década, duas companhias bem distintas e bem implemantadas no mercado tentaram operar esta rota: a easyJet, entre 2012 e 2014, e a TAP, entre 2014 e 2018. Nesses seis anos de voos diretos foram transportados 152.357 passageiros distribuidos por pouco mais de 3.000 voos efetuados, com uma média de 50 passageiros por voo. A 18 de abril de 2012, a easyJet inaugurava a rota com os seus Airbus A319 de 156 lugares, quatro vezes por semana, com tarifas que começavam nos 26,99 euros (só ida). Os voos saíam de Lisboa às 13h35 e regressavam às 17h00 operados às segundas-feiras, quartas-feiras, sextas-feiras e domingos.

Em outubro desse mesmo ano, a easyJet reduziu para três frequências semanais, quartas-feiras, sextas-feiras e domingos e, em abril de 2013, já só sobravam as ligações às sextas-feiras e domingos. Alegando que a rota não tinha tido sucesso do lado português, apesar das ajudas recebidas do turismo espanhol para aumentar o interesse luso pelo destino, a easyJet anunciou o fim da rota, mantendo dois voos semanais até a 28 de março de 2014, o último dia da sua operação.

Em 2014, a easyJet transportou 5.794 passageiros (média de 120 passageiros por voo, ou seja, uma ocupação de 77%, o que para a easyJet é muito baixo). Os voos da TAP iniciaram poucos meses depois, a 1 de julho de 2014, inicialmente com o ATR42 com capacidade para apenas 46 passageiros, seis dias por semana (partidas 12h00 e regressos às 15h) e com preços promocionais de 165 euros ida e volta. Estes voos terminaram a 28 de outubro de 2018 tendo a TAP alegado motivos operacionais que coincidiram igualmente com o fim dos voos da companhia para a Galiza (Vigo e A Coruña). Esses motivos incluiam o congestionamento do aeroporto de Lisboa, ainda que as faixas horárias usadas para os horários e a época de Inverno menos congestionada não acompanhavam essa justificação.

Nesse último semestre a TAP operou um voo diário com o turbohélice ATR72 de 70 lugares com saída de Lisboa às 17h40, regresso perto das 22h00 e com preços a partir dos 92 euros (ida). A TAP transportou 94.297 passageiros durante esse período, o que significou uma taxa de ocupação de 70%. A TAP prometeu voltar em março de 2019, mas tal nunca chegou a acontecer.

Este gráfico ilustra uma quase-continuidade na operação desta rota entre 2012 e 2018. No entanto, em 2014 muda o operador e, após uma breve pausa, passa da easyJet para a TAP sem grande alteração da capacidade total semanal de lugares. Foram necessários quase três anos para a TAP chegar ao volume de passageiros da easyJet.

O sucesso duma rota depende também das companhias que a operam e isso não está relacionado com a “marca” da empresa em si, mas sobretudo com a sua estratégia comercial, a distribuição, o alcance, a flexibilidade tarifária, as frequências e adequação dos horários propostos. No caso da easyJet, o fócus é sempre o passageiro que viaja simplesmente entre duas cidades, não existindo uma estratégia comercial declarada para encorajar a utilização da companhia para voos de conexão – a existir, a companhia não os promove em termos tarifários e implicam sempre a compra de dois bilhetes separados, sem qualquer desconto e sem garantias de conetividade assegurada. Já a TAP define-se como uma companhia de rede que pretende angariar passageiros de ligação, em particular para os seus voos de longo curso. No entanto, nalguns aeroportos espanhóis secundários com poucos voos para a Europa como era o das Astúrias, a estratégia da TAP incluia também competir com Madrid nas ligações para destinos europeus que têm um valor tarifário menor.

A nova esperança chama-se Volotea
A Volotea serve alguns destinos domésticos espanhóis à partida das Astúrias, incluindo destinos populares sazonais nas ilhas espanholas. Milão (Bergamo) e Lisboa serão os seus primeiros voos internacionais à partida daquele aeroporto. A Volotea é uma companhia focada no tráfego ponto-a-ponto, ou seja, não tem uma estratégia programada para passageiros de ligação a outros destinos. A companhia encontra-se pouco implementada em Portugal e tem trabalhado o mercado português sobretudo na ótica de “destino” e não como “ponto de origem”. É, por assim dizer, uma ilustre desconhecida do público B2B e B2C em Portugal e, nesse sentido, ter iniciado as vendas seis meses antes do voo inaugural pode ajudar. Para além disso, existe um desconhecimento enorme dos portugueses sobre esta região e o que nela se pode fazer. Conhece-se os Príncipes das Astúrias um pouco como se conhece os Príncipes de Gales, mas não se tem um conhecimento sobre os atrativos turísticos e as razões que justificam uma visita à região.

A TAP e a easyJet levavam alguma vantagem neste aspeto porque ao estarem bem estabelecidas no mercado português tinham a capacidade de criar “modas” e atraír facilmente clientes para novos destinos. Este será, provavelmente, o maior desafio da Volotea: como atraír o mercado português para uma das regiões espanholas mais desconhecidas? Porque deverá um português escolher este destino em vez dos 13 outros destinos espanhóis, muitos dos quais servidos por vários voos diários?

Do lado das Astúrias, obviamente a capital portuguesa é muito conhecida e cobiçada como destino e a única coisa que faltava era torná-la de novo mais próxima: um voo de 70 minutos com tarifas a começar nos 33 euros cumpre com esse objetivo. Acresce que Lisboa será uma de apenas nove rotas internacionais diretas. Nenhuma delas é servida com voos diários e os horários para escapadelas de fim de semana em Lisboa são ideiais com partidas e regressos às 6as e domingos à noite.

É natural que do lado espanhol o interesse seja grande e o produto está posicionado de forma muito competitiva. É por isso importante perceber que, tal como no passado, as vendas serão sobretudo do lado espanhol. Com o tempo, é necessário que a rota se torne bidirecional para obter as taxas de ocupação que este tipo de operação regional exige. É preciso montar uma estratégia e uma estrutura de distribuição para o mercado português e é necessário realizar atividades de promoção e capacitação sobre o destino para evitar novamente que a rota se resuma a dois voos semanais às sextas-feiras e Domingos com ocupações demasiado unidirecionais que, forçosamente, levarão a Volotea a colocar este avião noutra rota mais rentável.

Enquadramento jurídico-comercial da rota
Confrontada com uma posição geográfica afastada dos grandes aeroportos e sem qualquer voo direto internacional, o Principado das Astúrias utilizou a pausa da pandemia para se reposicionar. Perante o mercado doméstico, a Covid 19 trouxe as pessoas para este paraíso verde do Norte de Espanha, com muita oferta de turismo rural, afastamento natural e paisagens simultaneamente deslumbrantes e desconhecidas.

Confiantes que era possível exportar este conceito para os turistas estrangeiros mais experimentados, as autoridades projetaram e lançaram, em 2021, um concurso público internacional gerido pela empresa pública Recrea para assegurar a ligação entre o aeroporto da região e os principais mercados identificados como potenciais emissores durante todo o ano: Londres, Bruxelas, Milão, Dusseldorf e Lisboa. As Astúrias comprometem-se a apoiar estas rotas com um total de 9,3 milhões de euros até 2025, no sentido da promoção turística e cultural para todo ano.

Ante o sucesso deste concurso, em junho de 2022 decidiu-se acrescentar mais cinco cidades: Roma, Paris, Amesterdão, Dublin e um segundo aeroporto londrino. Foram criados lotes diferentes e foram selecionadas três companhias aéreas diferentes para cada lote: Vueling, Ryanair e Volotea. No caso de Lisboa pedia-se um mínimo de 2 frequências semanais, a frequência que a Volotea terá durante o Inverno.

Em 2018, as Astúrias haviam tentado um concurso público semelhante que ficou deserto por duas vezes. Procurava-se, então, em plena época de escassez de aviões e de alta da procura, ligar a região às cidades de Londres, Paris e Frankfurt com um apoio garantido de 1,6 milhões de euros (para dois a três voos semanais), 1,2 milhões (para um a dois voos semanais) e 1,2 milhões (para um a dois voos semanais), respetivamente durante 24 meses.

Curiosamente, e em todo este processo, nunca esteve em cima da mesa a criar uma companhia estatal das Astúrias para assegurar as ligações aéreas consideradas essenciais para o desenvolvimento económico da região.

Resta-nos agora desejar boa sorte à Volotea e às Astúrias!

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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