Opinião

Guia de montanha peruano na origem de um dos mais importantes casos de justiça climática

O pagamento dos danos decorrentes das alterações climáticas de harmonia com a quota-parte de responsabilidade da empresa nas emissões globais foi pioneiramente estabelecido pelo tribunal alemão. Trata-se de uma responsabilidade global mercê da na natureza global das alterações climáticas, pelo que a distância de milhares de quilómetros entre o dano efetivo ou potencial no Peru e a atividade da empresa alemã não a isenta de responsabilidade. O passado das grandes empresas poluidoras também é tomado em consideração.

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Guia de montanha peruano na origem de um dos mais importantes casos de justiça climática

O pagamento dos danos decorrentes das alterações climáticas de harmonia com a quota-parte de responsabilidade da empresa nas emissões globais foi pioneiramente estabelecido pelo tribunal alemão. Trata-se de uma responsabilidade global mercê da na natureza global das alterações climáticas, pelo que a distância de milhares de quilómetros entre o dano efetivo ou potencial no Peru e a atividade da empresa alemã não a isenta de responsabilidade. O passado das grandes empresas poluidoras também é tomado em consideração.

Carlos Torres
Sobre o autor
Carlos Torres

Foi ontem [28 de maio] proferida no Tribunal Regional Superior de Hamm a decisão final, insuscetível de recurso, no caso Saul Liuya contra a RWE, uma decisão deveras importante no contexto do atual debate sobre as alterações climáticas, em que os tribunais assumem um papel de crescente destaque.

A relevância da decisão do tribunal alemão em matéria de indemnização cível decorrente de danos sofridos por cidadãos, ainda que residentes num país longínquo, em consequência das alterações climáticas e a sua imputação a uma determinada empresa poluidora assenta num método simples: a respetiva percentagem nas emissões globais.

Em 2015, Saúl Luciano Lliuya, agricultor peruano e guia de montanha de Huaraz, interpôs na Alemanha uma ação judicial contra a RWE, a maior produtora germânica de eletricidade. Alegou que as emissões substanciais de gases com efeito de estufa da RWE contribuíram para o degelo dos glaciares sobre a sua cidade natal, aumentando o risco de um transbordamento do Lago Palcacocha, o qual se revelaria catastrófico. Lliuya solicitou aproximadamente 17.000 euros de indemnização, representando a contribuição estimada da RWE de 0,47% para as emissões globais, para financiar medidas de proteção contra potenciais inundações.

Os 17.000 euros peticionados por Lliuya à empresa alemã RWE foram calculados com base na contribuição proporcional da empresa para as emissões globais de gases de efeito estufa e no custo estimado das medidas de proteção (barragens e sistemas de alarme) necessárias para evitar um desastre climático na sua cidade natal, Huaraz, no Peru. Ou seja, 0,47% das emissões globais da RWE perante aproximadamente 3,6 milhões de euros que corresponde ao valor estimado das obras de segurança, apuram-se os 17.000 euros peticionados.

O objetivo não era uma compensação pessoal, mas responsabilização simbólica e concreta da empresa por sua contribuição histórica no aquecimento global, uma aplicação prática do princípio do poluidor-pagador, ainda pouco testado em tribunais internacionais.

Na primeira instância, o tribunal de Essen não acolheu o pedido do peruano face à dificuldade de estabelecer um nexo de causalidade entre as emissões da RWE e a ameaça específica à propriedade do peruano. Em 2017, opera-se uma reviravolta quando o Tribunal Regional de Hamm admite que o caso prossiga.

Após uma intensa recolha de provas, que incluiu uma visita de vários dias ao Peru em maio de 2022 e uma audiência de dois dias com peritos em Hamm em março de 2025, o tribunal apesar de rejeitar o recurso do autor – o risco estimado de inundações de 1% nos próximos 30 anos era insuficiente para justificar uma indemnização – proferiu uma sentença de enorme importância que irá certamente construir uma referência nos anos vindouros.

Na sua exposição oral de fundamentos da sentença, o juiz presidente, Dr. Rolf Meyer, afirmou que o autor poderia ter uma ação contra o réu nos termos do § 1004 do Código Civil Alemão. Com efeito, se houver danos, o poluidor das emissões de CO2 pode ser obrigado a tomar medidas para os prevenir. Caso se recuse a fazê-lo, já é possível estabelecer, antes de serem conhecidos os custos reais, que deve pagá-los de harmonia com a sua quota-parte de emissões, conforme exigido pelo autor.

Ao afirmar que os grandes emissores podem ser responsabilizados pelos danos climáticos de harmonia com o Código Civil alemão, o tribunal abriu caminho para futuras ações judiciais, especialmente para aqueles que podem demonstrar um perigo concreto e iminente para a sua propriedade devido aos impactos das alterações climáticas.

A decisão valida a estratégia legal de países do Sul que processam grandes empresas emissoras do Norte e fornece uma base legal para procurar reparação e impulsionar a responsabilidade corporativa pelas emissões históricas e contínuas. A controvérsia em torno da avaliação de risco e a necessidade de incorporar fatores climáticos nas avaliações científicas estarão certamente presentes em casos futuros.

Sobre o autorCarlos Torres

Carlos Torres

Jurista e professor na ESHTE
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