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Opinião

“Estão-se nas tintas!”

Simplificando: mesmo que cada voo emita menos, teremos um céu com muito mais voos e esse crescimento significa que a pegada de carbono total da indústria poderá facilmente duplicar até ao final da década.

Opinião

“Estão-se nas tintas!”

Simplificando: mesmo que cada voo emita menos, teremos um céu com muito mais voos e esse crescimento significa que a pegada de carbono total da indústria poderá facilmente duplicar até ao final da década.

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

Depois de ter assistido ao World Airline Festival que decorreu em Lisboa no mês passado fiquei com a clara impressão que, se depender dos CEOs das companhias aéreas e dos aeroportos ali presentes, a solução preferível para resolver o problema da sustentabilidade desta indústria poderia eventualmente passar por simplesmente pintar os aviões com tinta verde.

Ironia à parte, ao assistir a este certame, incluindo a mediática e prontamente repreendida manifestação dos jovens no dia e no palco principais, saí de lá com uma única convicção: esta geração de dirigentes e de gestores aeronáuticos da “velha guarda” não fará absolutamente nada de diferente. No limite, com as normais renovações de frota, irá colateralmente reduzir a pegada carbónica vista sob um prisma unitário, isto é, cada passageiro aéreo transportado – individualmente falando – poluirá menos. Isso deve-se, em grande parte, aos avanços tecnológicos dos construtores e ao progressivo aumento de indicadores como taxa de ocupação de voos e capacidade de lugares por avião. Como indústria e considerando o seu todo, o futuro e o compromisso destes líderes para com os seus acionistas – públicos e/ou privados – permanece intocável: mais aviões, mais passageiros, maior volume, crescer, crescer, crescer, atingir e ultrapassar, com orgulho e com “bónus”, os níveis pré-pandémicos o mais rapidamente possível.

O resultado?! Escamoteadamente, e embora até possam ostentar melhores estatísticas de CO2 por passageiro-quilómetro, o enorme volume de novos voos e de novos passageiros previsto para a próxima década ultrapassará todos estes pequenos ganhos de eficiência. Simplificando: mesmo que cada voo emita menos, teremos um céu com muito mais voos e esse crescimento significa que a pegada de carbono total da indústria poderá facilmente duplicar até ao final da década. Se a aviação comercial civil hoje representa “apenas” 2-3% das emissões globais, a este ritmo a sua contribuição poderá ser muito maior.

De acordo com a Comissão de Transição Energética poderá mesmo atingir os 22% das emissões globais até 2050 e chegar aos 5% antes de 2030. Com esta perspetiva em mente, a minha conclusão é apenas uma: a trajetória da sustentabilidade do setor da aviação está à beira do desastre. Igualmente bem conscientes desta realidade, os líderes das companhias aéreas traçaram uma dupla estratégia que continuam a proclamar neste tipo de eventos incestuosos e sem contraditório: culpam governos, reguladores e agentes económicos da falta de alternativas, boicotando simultaneamente qualquer iniciativa que fomente a redução e/ou o aumento da tributação da sua atividade, por um lado; e por outro, lançaram-se numa grande campanha de marketing coordenada que pretende lavar e mascarar uma consciência verde na aviação que, na prática, não existe.

Seja promovendo a redução do uso de plásticos a bordo, seja com a criação das chamadas “tarifas verdes” inflacionadas, ou seja, até através dos próprios mecanismos voluntários de compensação de CO2 emitidos deixados ao critério e financiados pelos passageiros, nada disto está regulamentado, nada disto é controlado. E, sobretudo, nenhuma destas medidas influi nas emissões de CO2 de um voo. O otimismo não científico e não vinculativo expressado por esta liderança relativamente às distantes metas de 2050 apenas se justifica porque, nessa altura, já terão recebido os seus bónus, já terão deixado os seus cargos e muitos já nem sequer cá estarão para serem responsabilizados.

Qual será então o impacto da crescente pressão e do escrutínio público na aviação à medida que as catástrofes climáticas se multiplicarem nos próximos anos? Há um lado certamente imprevisível em tudo isto, mas já hoje sabemos que a construção de um novo aeroporto em Lisboa – cujo extraordinário aumento de capacidade é mascarado por um “temos de tirar o aeroporto da cidade para sermos sustentáveis” – é apenas mais um sinal de que a indústria se está totalmente “nas tintas” para o seu futuro e o de todos nós. E contra isto não há tinta vermelha que chegue para cobrir a vergonha de quem tem em mãos a responsabilidade de salvar não só esta indústria, mas também o planeta.

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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