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Opinião

ANAC faz 95 anos: paramaus

A ANAC de Portugal faz 95 anos. Para um aniversário ser uma celebração, é preciso haver razões-

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ANAC faz 95 anos: paramaus

A ANAC de Portugal faz 95 anos. Para um aniversário ser uma celebração, é preciso haver razões-

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

A 26 de Janeiro de 1929 foi criado, por decreto-lei, o Conselho Nacional do Ar que incluiu, durante 15 anos, a regulação e a tutela conjunta da aeronáutica civil e militar. Esta foi a primeira designação de uma lista de nomenclaturas diversas até chegarmos à Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), assim chamada desde 2015.

O que mudou? Tudo. O que piorou? Tudo, também.

Historicamente, foi no seio deste criativo Secretariado da Aeronáutica Civil (SAC) que nasceu a TAP e foi esta DGAC-Direção-Geral de Aviação Civil-“faz-tudo” que esteve na origem das empresas especializadas que hoje administram aeroportos (ANA) ou que controlam a navegação do espaço aéreo (NAV). À medida que estas áreas foram sendo autonomizadas, concessionadas ou atribuídas a outras entidades, a função da atual ANAC foi ficando limitada à regulamentação, à fiscalização do setor, às várias missões ligadas à segurança aeronáutica e à boa execução dos tratados internacionais.

Com uma maior especialização e uma independência assegurada pela lei-quadro das entidades reguladoras, era expetável termos, aos 95 anos, uma ANAC mais sábia e objetiva. Para percebermos como esta Autoridade poderia ter evoluído nas últimas décadas, nada como viajar até Malta.

Com apenas meio milhão de habitantes, a ilha tem mais aviões registados do que o seu aeroporto alguma vez poderá suportar. Registar um avião num determinado país significa que, independentemente da sua base operacional e dos voos que realize, está sujeito às leis aeronáuticas e à classificação internacional desse país. Como qualquer membro da União Europeia, Malta está sob a jurisdição da Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA), considerada pela Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO) como uma das mais rigorosas do mundo. Se todos os países da União partem deste mesmo denominador comum, o que faz com que a portuguesa Hi Fly, a irlandesa Ryanair, a húngara Wizzair ou a alemã Eurowings Europe registem os seus aviões em Malta e não nos seus respetivos países? A 1 de janeiro de 2024, o número de aviões que ostentava um registo começado por “9H” era de 863. Colocando em perspectiva: a ilha de Malta é o 28º mercado europeu em termos de capacidade aérea, mas é o 4º da União Europeia em termos de frota. Como? Apesar de ser uma ilha turística, nunca teria como escoar toda esta oferta. O que terá, então, provocado este crescimento no registo de aviões de 27 em 2000 para os atuais 863? E com que interesse?

Ao aderir à UE em 2004, Malta percebeu que este registo não é apenas uma mera formalidade e que pode trazer consigo várias vantagens económicas e estratégicas: receitas por via das taxas e encargos; empregos diretos na aviação e indiretos nos serviços jurídicos, contabilísticos e financeiros de suporte e os resultantes do estímulo ao turismo empresarial; prestígio internacional e reforço da imagem como país favorável aos negócios com o desenvolvimento de competências especializadas típicas de uma jurisdição atrativa e bem cotada para o registo de aeronaves de todo o tipo, atraindo investimento estrangeiro para infraestrutura, treinamento de pessoal, manutenção de aviões (como a SR Technics e Lufthansa Technik) e pesquisa e desenvolvimento na área da aviação. Com tudo isto, Malta pretendia assegurar a diversificação da sua economia – predestinada para o turismo – a especialização em setores que geram riqueza e resiliência – os registos aeronáuticos floresceram mesmo durante a pandemia, passando em Malta de 400 em 2019 para 665 em 2022 – e atingir uma maior imunidade a flutuações e crises dos mercados exteriores.

Beneficiando da credibilidade de um “país EASA”, Malta elaborou um plano de longo prazo para o qual o seu regulador, na qualidade de assessor na definição de políticas de aviação civil e enquanto seu principal executor, contribuiu de forma decisiva. Foi traçado um sistema de vantagens fiscais únicas para atrair companhias aéreas, especialmente aquelas envolvidas na aquisição de aviões através do leasing, e que ficou traduzido no “Aircraft Registration Act” de 2010. Para além disso, a regulamentação europeia foi desburocratizada e operacionalizada de forma a atrair companhias de países complicados, mas interessadas num ambiente jurídico simplificado e propício à incorporação de novos aviões e a uma gestão ágil e flexível da frota, reduzindo custos. Por fim, Malta foi um dos primeiros países europeus a ratificar a Convenção da Cidade do Cabo que estabelece um quadro internacional facilitador do financiamento e do leasing de aeronaves, equipamentos aeronáuticos e motores, proporcionando um ambiente mais seguro e previsível para as partes envolvidas que inclui a proteção para credores e investidores, acesso a financiamento facilitado e a fixação de padrões internacionais e de credibilidade, nos quais Malta surge em primeiro lugar do ranking europeu (segundo lugar no mundo) de 2022 e 2023. Portugal não ratificou essa convenção e o mercado classifica essa decisão como uma dificuldade acrescida nas transações de leasing e de financiamento, implicando maiores riscos jurídicos e menor proteção aos credores que procuram proteger os seus investimentos. Para alavancar todas estas iniciativas, Malta disponibiliza um orçamento anual de 100 mil euros para dar a conhecer este regime através de publicidade, da organização e patrocínio de conferências. Mas nem por isso Malta cruza os braços. A aposta continua para liderar uma operacionalização cada vez mais eficiente e simplificada deste ambiente regulatório europeu cada vez mais exigente. Neste contexto, há 26 dias entrou em vigor o novo e muito esperado Air Navigation Act.

A “ANAC” de Malta dá pelo nome de “Transport Malta” e só isso já diz para o que vem: sem hierarquias complexas, com uma equipa acessível na sua missão e nas suas funções.

A ANAC de Portugal faz 95 anos. Infelizmente, nem com um novo nome, nem com uma “nova” presidente, ex-vogal, antevejo grandes mudanças. Perante a concorrência do mercado europeu, é certamente uma entidade que cada vez mais operadores procurarão e conseguirão evitar. Para bem do setor, esta concorrência entre reguladores de vários países existe, mas a que custo para Portugal.

Para um aniversário ser uma celebração, é preciso haver razões e eu até encontro duas mil: tantas quantos os quilómetros que separam Lisboa de La Valletta.

 

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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