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Opinião

1 ano de guerra: um Irão de lições e uma Índia de oportunidades (IV)

Depois de anunciar o maior contrato de compra da história mundial da aviação comercial sabiamente repartido pelo Governo de Nova Deli entre Boeing (220 unidades) e Airbus (250), que país ocidental é que se irá opor a esta parceria indo-russa?

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1 ano de guerra: um Irão de lições e uma Índia de oportunidades (IV)

Depois de anunciar o maior contrato de compra da história mundial da aviação comercial sabiamente repartido pelo Governo de Nova Deli entre Boeing (220 unidades) e Airbus (250), que país ocidental é que se irá opor a esta parceria indo-russa?

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

A aviação comercial russa está, desde o início da invasão, na linha da frente das sanções. Tirando o impacto e o choque iniciais, as sanções nesta área da economia como noutras, parecem não ter surtido o efeito desejado. A situação aparenta uma incrível normalidade do lado russo apesar do mediatismo dos sucessivos pacotes de sanções no lado europeu. Durante os próximos dias, o Publituris e a SkyExpert fazem uma viagem aos meandros das sanções que atingiram o setor. Neste quarto episódio viajamos até ao Irão, cuja aviação sobrevive a sanções semelhantes desde a revolução islâmica de 1979…há quase 45 anos.

Nunca deixou de haver voos na República Islâmica do Irão. Apesar de ultrapassada e com problemas de segurança graves, a aviação continuou a operar ininterruptamente e este é, sem dúvida, mais um ponto a unir a agenda destes dois países. Beneficiando da sua longa experiência em manter “viva” uma frota que, em muitos casos, tem mais de 30 anos, o Irão é um dos poucos países que poderá dar o antídoto certo à Rússia, ainda que a frota russa de hoje seja moderna e muito recente com uma tecnologia completamente diferente daquela que existe no mercado de peças iraniano. Por outro lado, a dimensão da frota russa é cerca de 5 vezes superior à iraniana, o que dificulta a capacidade de satisfazer as necessidades quer em qualidade, quer em quantidade.

Com isto em mente, o ministro dos transportes russo promulgou no início de março do ano passado uma diretiva autorizando a manutenção e reparação de aviões estrangeiras com peças copiadas e produzidas de acordo com os procedimentos originais. Isto significa a autorização oficial da criação dum circuito de produção e dum mercado paralelo de peças. Para as agências de segurança aérea ocidentais, esta medida garante apenas uma ilusória e aparente segurança, até pela dúvida suscitada sobre a capacidade técnica e produtiva para criar essas cópias. Aliás, copiar mal pode sair muito caro, leia-se, ser a causa direta de uma catástrofe aérea.

Se por um lado os padrões de segurança internacionais deixaram de se impor da mesma forma na Rússia, também é pouco provável que, em caso de acidente, se procure e se queira desvendar a verdadeira razão, com vista à responsabilização judicial e política de quem permitiu tais procedimentos e decisões.

Por enquanto, a aviação russa tem recorrido a uma prática conhecida como “canibalismo aeronáutico”: sacrificam-se aviões – inclusivamente novos, como os Airbus A350 – como fontes de peças para a frota que ainda está a voar. Num outro contexto, esses aviões fariam falta, mas com o decréscimo no número de passageiros derivado da guerra e das sanções, criou-se um novo destino para os aviões retirados do serviço.

Mas…e depois? Quando já não existirem mais aviões para sacrificar ou quando o mercado voltar a solicitar mais capacidade? Numa fase inicial acreditava-se na possibilidade da China permitir importações paralelas de peças e com isso garantir a viabilidade da frota de aviões ocidentais a operar na Rússia, mas neste aspeto concreto, a China preferiu não arriscar as relações comerciais com o Ocidente. Essa posição inclui o próprio avião chinês, o C919, que conta com materiais, peças e know-how europeu e americano essenciais para o seu sucesso. Qualquer passo em falso e é o C919 que será afetado o que, neste momento, não convém à China. Assim, a Rússia teve de pensar noutra resposta para este desafio, uma que serve o seu discurso e propósito imperialista: promover o renascimento da indústria aeronáutica dos tempos áureos da era soviética, a era dos Tupolev, dos Ilyuchin ou dos Yakolev.

Putin acredita poder utilizar as companhias aéreas estatais e as suas enormes frotas para fomentar encomendas de aviões e de motores de produção nacional que ainda não estão projetados, muito menos construídos e certificados para voar, como é o caso do MC-21, uma versão melhorada e de maior capacidade do Yak-42 em desenvolvimento há mais de 10 anos. O Kremlin avança mesmo que pretende investir 14 mil milhões de dólares para concretizar um plano considerado irrealista no Ocidente: fabricar cerca de 1000 aviões até 2030 para substituir todos os aviões de produção estrangeira existentes na Rússia antes da guerra. Ao produzir aviões 100% russos com componentes e sistemas exclusivamente russos, a Rússia escaparia à malha da certificação e das importações internacionais. Muito terá de mudar, porque mesmo o último avião de fabrico russo, o Sukhoi Superjet 100, era o resultado de uma montagem de peças e materiais com várias origens estrangeiras (cerca de 70%), a começar pelos próprios motores de fabrico francês, das quais a Rússia depende.

Para além disso, produzir 1000 aviões requer não só um enorme salto tecnológico, como também produtivo e em termos de mão de obra. A Índia, o segundo país mais populoso do mundo, colocou-se na linha da frente para se tornar num dos centros de produção da futura aviação Russa. Aproveitando a cooperação já existente na aviação militar, a United Aircraft Corporation (UAC – que engloba a MIG Corporation e a Sukhoi) da Rússia está em conversações com a Hindustan Aeronautics Limited (HAL) para a produção e “assemblagem” massificada dos aviões civis Sukhoi Superjet International na Índia com componentes indianas ou estrangeiras e que se transformaria, assim, no primeiro avião comercial de fabricação indiana.

Depois de anunciar o maior contrato de compra da história mundial da aviação comercial sabiamente repartido pelo Governo de Nova Deli entre Boeing (220 unidades) e Airbus (250), que país ocidental é que se irá opor a esta parceria indo-russa?

Como diria Kasparov: xeque-mate.

 

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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