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Opinião

1 ano de guerra: um balanço insuportável (VI)

Quanto mais se ganhar com a guerra e quanto mais agentes económicos mundiais dela beneficiarem, menos provável será a paz.

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1 ano de guerra: um balanço insuportável (VI)

Quanto mais se ganhar com a guerra e quanto mais agentes económicos mundiais dela beneficiarem, menos provável será a paz.

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

A aviação comercial russa está, desde o início da invasão, na linha da frente das sanções. Tirando o impacto e o choque iniciais, as sanções nesta área da economia como noutras, parecem não ter surtido o efeito desejado. A situação aparenta uma incrível normalidade do lado russo apesar do mediatismo dos sucessivos pacotes de sanções no lado europeu. Durante uma semana, o Publituris e a SkyExpert fizeram uma viagem em seis episódios aos meandros das sanções que atingiram o setor da aviação, quais as suas virtudes e desvios. Neste sexto e último episódio de hoje tentamos traçar um balanço impossível: quem “ganhou” mais com as sanções até agora?

Antes de responder, é importante relembrar: os maiores perdedores em toda a linha são os Ucranianos. Para além da destruição que enfrentam a todos os níveis, estão cortados do mundo em termos aéreos, as suas várias companhias – a Ukraine International Airlines (UIA), a SkyUp, a Windrose e tantas outras – os seus funcionários e passageiros têm um futuro tão incerto quanto ao do próprio país. Este conflito já se alastrou aos países que funcionam como fontes alternativas para as matérias-primas russas, como observamos com o envolvimento do grupo Wagner e de mercenários Chechenos ou Jihadistas nos conflitos do Mali, República Centroafricana e Norte de Moçambique.

Mas falemos hoje dos vencedores, começando pelas várias companhias aéreas turcas, africanas e do médio oriente que continuam a voar, em regime de quase-exclusividade e a preços exorbitantes, para vários aeroportos russos. O mesmo se diga da Air Serbia que garante a única ligação direta entre a Rússia e uma capital europeia. As companhias asiáticas, em particular as chinesas, beneficiam do uso exclusivo das rotas mais curtas para a Europa, ao contrário das suas congéneres europeias que têm de utilizar rotas mais longas de modo a evitar a grande massa de território russo que lhes está vedado. Também as companhias low cost europeias parecem ter conseguido reforçar a sua posição ao ponto de Michael O’Leary, CEO da Ryanair, ser agora o homem mais rico da Irlanda. Vencedores foram também as companhias que ficaram com os slots retirados às congéneres russas, como foi o caso dos 32 pares de slots semanais da Aeroflot no congestionado aeroporto de Londres Heathrow e que dificilmente serão recuperados no futuro.

Para evitar a sua venda, o governo Britânico confiscou-os em maio, temendo que o seu valor estimado em 50 milhões de Libras pudesse ser usado para financiar a guerra. Estes slots foram seguidamente distribuídos por 6 companhias, incluindo a americana JetBlue (recebeu 7 pares de slots), a Virgin Atlantic (7) de Richard Branson, a Vistara (7) da Índia, a Avianca (4) da Colômbia, a China Airlines (4) de Taiwan e a canadiana WestJet (3). Várias companhias estrangeiras, com a Air India e a Turkish Airlines à cabeça, ficaram com os novos Airbus A350 que estavam previstos para a russa Aeroflot e com isso beneficiaram de uma redução substancial dos tempos de espera para receber esse tipo de avião. As companhias russas, por seu lado, e apesar de todas as restrições e consequências, confiscaram – de forma legítima ao abrigo da nova legislação russa – mais de 500 aviões com um valor de catálogo superior a 10 mil milhões de dólares que pertenciam a empresas de leasing maioritariamente ocidentais.

Sabemos, por experiência, que os “pacotes” políticos – sejam eles de que âmbito forem – têm, em si, esta probabilidade inoperativa e ineficaz: em teoria, pretendem resolver um problema ao mesmo tempo que criam outros, por vezes, maiores. No caso concreto dos pacotes de sanções contra a Rússia mediaticamente exigidos por algumas sociedades, convém considerar que estas sanções têm, na verdade, uma limitação geográfica e consequentemente económica muito restrita – falamos sobretudo de 37 países em mais de 200 que as aplicam de forma mais ou menos semelhante e consistente; falamos também nas exceções a estas medidas face às interdependências mundiais, como é o caso do petróleo ou do titânio, ambos fundamentais para a aviação; falamos na criação de novas cadeias de valor e de novas formas de trabalhar mais ou menos transparentes que ganham peso e dinâmica desafiando a ordem mundial estabelecida e que, por sua vez, servem para financiar cada vez mais a guerra. Quanto mais se ganhar com a guerra e quanto mais agentes económicos mundiais dela beneficiarem, menos provável será a paz. E nem por acaso, no próximo dia 5, celebra-se (!) o 70.º aniversário da morte de Estaline a quem se atribuiu a célebre frase: “a morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística.”

É importante continuarmos a combater este neo-estalinismo todos os dias.

 

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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