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Opinião

1 ano de guerra: o seguro morreu de…guerra (V)

À medida que a guerra avança sem um fim à vista e que a Rússia lança novas leis como as que permitem aos pilotos substituírem os mecânicos ou como as que autorizam a utilização de peças de substituição não certificadas na manutenção destes aviões, nem mesmo se a guerra acabasse amanhã estes aviões poderiam voltar ao mercado internacional.

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1 ano de guerra: o seguro morreu de…guerra (V)

À medida que a guerra avança sem um fim à vista e que a Rússia lança novas leis como as que permitem aos pilotos substituírem os mecânicos ou como as que autorizam a utilização de peças de substituição não certificadas na manutenção destes aviões, nem mesmo se a guerra acabasse amanhã estes aviões poderiam voltar ao mercado internacional.

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

A aviação comercial russa está, desde o início da invasão, na linha da frente das sanções. Tirando o impacto e o choque iniciais, as sanções nesta área da economia como noutras, parecem não ter surtido o efeito desejado. A situação aparenta uma incrível normalidade do lado russo apesar do mediatismo dos sucessivos pacotes de sanções no lado europeu. Durante uma semana, o Publituris e a SkyExpert fizeram uma viagem aos meandros das sanções que atingiram o setor. Neste quinto e penúltimo episódio de hoje analisamos o conflito instalado no ocidente entre empresas de leasing de aviões e as seguradoras e quais as repercussões para o futuro.

Quando 37 países fecharam o seu espaço aéreo às companhias russas esqueceram-se de dois detalhes: de acordo com a agência internacional de dados aeronáuticos Cirium, a Rússia tinha 55% da sua frota de 980 aviões comerciais que eram propriedade de empresas estrangeiras de leasing sedeadas, na grande maioria, nesses mesmos países. O outro detalhe: Putin não se guia nem se deixa impressionar pelas normas internacionais; Putin cria as suas próprias leis. Os cerca de 500 aviões – muitos deles novos – a voar em regime de leasing para companhias russas têm um valor de catálogo total estimado em mais de 10 mil milhões de dólares. Os proprietários destes aviões deram um prazo para a sua devolução até 28 de março de 2022. Até hoje, recuperaram 79 desses aviões. O que aconteceu ao resto? Putin resolveu a questão à “sua” maneira.

Um decreto presidencial de 14 de março de 2022 permitiu às companhias aéreas russas confiscarem os aviões pertencentes às empresas de leasing europeias e americanas, atribuindo-lhes automaticamente certificados de navegação nacionais emitidos à pressa e sem qualquer validade internacional. De acordo com as normas de direito internacional, em particular a Convenção de Chicago, isto é qualificado de roubo e, teoricamente, se algum desses aviões sai do espaço aéreo russo, é suscetível de ser apreendido e devolvido ao seu proprietário. A empresa de leasing mais afetada foi a AerCap, baseada na Irlanda, que perdeu cerca de 5% da sua frota, ou seja, 152 aviões com um valor estimado de 2 mil milhões de USD. O governo irlandês, pressionado pela dimensão desta perda, tem sido acusado pela comunicação social da ilha de ter permitido diversas derrogações não justificadas às sanções, incluindo ter permitido a “venda forçada” de alguns dos Boeing 777 em causa à Aeroflot, o que poderá ter incluído peças em quantidade suficiente para manutenção.

Do outro lado do mundo, em junho de 2022, diz-se que o Governo do Sri Lanka terá cedido às pressões russas para libertar o Airbus A330 da Aeroflot que tinha sido judicialmente arrestado no aeroporto de Colombo a pedido do proprietário irlandês antes de regressar para Moscovo. Num esforço paralelo, e tal como todas as outras empresas de leasing, a AerCap sabe que os processos judiciais em curso em vários países contra os seguradores, como a AIG e a Lloyd’s que alegam a exclusão da sua responsabilidade em caso de guerra, demorarão anos até serem resolvidos. Dependendo do resultado desta batalha jurídica, teme-se que os prémios de seguros aumentem dramaticamente…ou que os preços dos leasings aumentem. Ambas as situações se refletirão, em determinado momento, nos preços dos bilhetes de avião.

À medida que a guerra avança sem um fim à vista e que a Rússia lança novas leis como as que permitem aos pilotos substituírem os mecânicos ou como as que autorizam a utilização de peças de substituição não certificadas na manutenção destes aviões, nem mesmo se a guerra acabasse amanhã estes aviões poderiam voltar ao mercado internacional. Este pandemónio na aviação civil russa vai prolongar-se muito para além do conflito. Os atos cometidos pelas autoridades, as violações de direito e dívidas causadas à comunidade internacional, para não falar na dificuldade em aceitar e reapreciar a certificação de navegação destes aviões vai muito para além do desejado cenário de paz. Estes aviões estarão proibidos de voar para vários países durante muitos anos ou quem sabe para sempre, uma vez que a lista negra da União Europeia engloba não apenas companhias aéreas no seu todo, como também aviões específicos.

Por outro lado, poucas serão as empresas internacionais cujos conselhos de administração voltem a aprovar e arrisquem enviar aviões em leasing para a Rússia ou para outros países semelhantes. As seguradoras, por seu lado, irão certamente blindar ainda mais os termos de responsabilidade nos seus contratos para evitar dúvidas em casos futuros.

Se o seguro morreu de velho, só nos resta esperar que a guerra morra jovem.

 

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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