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Opinião

1 ano de guerra: “I am titanium” (III)

Sempre que se fala em sanções, fala-se inevitavelmente no ricochete provocado pelas interdependências.

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1 ano de guerra: “I am titanium” (III)

Sempre que se fala em sanções, fala-se inevitavelmente no ricochete provocado pelas interdependências.

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

A aviação comercial russa está, desde o início da invasão, na linha da frente das sanções. Tirando o impacto e o choque iniciais, as sanções nesta área da economia como noutras, parecem não ter surtido o efeito desejado. A situação aparenta uma incrível normalidade do lado russo apesar do mediatismo dos sucessivos pacotes de sanções no lado europeu. Durante os próximos dias, o Publituris e a SkyExpert fazem uma viagem aos meandros das sanções que atingiram o setor. Neste terceiro episódio de hoje falamos do titânio lembrando as estrofes da famosa música do francês David Guetta.

Matérias primas: esta é uma das armas mais utilizadas pela Rússia num outro terreno da guerra, o das represálias. O termo denota bem que esses materiais são absolutamente necessários para fabricar outros produtos. No caso da indústria aeronáutica, os aviões modernos necessitam de grandes quantidades de titânio – um metal em tudo semelhante ao aço mas mais ligeiro e mais resistente ao calor e à corrosão. Os novos Airbus A350, por exemplo, são compostos por 18 toneladas (ou 14% do avião) de titânio. Na Rússia, este metal é tão abundante que até existe uma região chamada “Titanium Valley” que beneficiou da duplicação, numa só década, da procura de titânio aplicado à aviação, tanto militar como civil. Na Airbus, e até ao início da guerra, 60% do titânio necessário provinha da empresa estatal russa, a Rostec Corporation, e da sua filial VSMPO-Avisma, cujo presidente e diretor executivo é Sergei Chemezov, antigo membro do KGB e amigo pessoal de Putin com quem esteve na Alemanha de Leste nos anos 80, visado individualmente pelas sanções da União Europeia.

“Ricochet, you take your aim”
Sempre que se fala em sanções, fala-se inevitavelmente no ricochete provocado pelas interdependências. Consciente disso, foi o próprio CEO da Airbus, Guillaume Faury, que pressionou para que a Comissão retirasse aquelas empresas da lista de sanções, sob pena de não poder produzir os aviões. O argumento de Faury baseava-se na relativa insignificância que estas transações de titânio têm para a economia russa (“apenas” 415 milhões de dólares em 2020). O êxito foi total: a VSMPO-Avisma foi retirada da lista de empresas sancionadas e a França, sede da produção da Airbus, atingiu recordes históricos de importação deste material proveniente da Rússia, eventualmente para armazenar stock suficiente em caso de futuras sanções.

Para contrabalançar esta decisão, a União Europeia e a Airbus referem que pretendem reduzir esta dependência e substituir a Rússia por outras fontes alternativas, como as que se encontram no Mali, na República Democrática do Congo, na Centro-Africana, no norte de Moçambique e na própria Ucrânia, ex-fornecedora primordial da VSMPO-Avisma. Foi justamente para esses países que este conflito já se alastrou e se intensificou com a intervenção direta e indireta da Rússia, nomeadamente através do Grupo Wagner e das milícias muçulmanas Chechenas comandadas pelo seu líder Ramzan Kadyrov recentemente promovido por Putin a coronel-general.

No caso concreto da Ucrânia, o sexto produtor mundial e um dos principais fornecedores da filial da Rostec Corporation, grande parte das empresas em solo ucraniano invadido são detidas por russos e/ou ucranianos russófonos próximos de Putin, cujos investimentos foram colocados em causa com a eleição de governos pró-Europeus em Kiev a partir de 2013 que tentaram, inclusivamente, nacionalizar as minas e a empresa Crimea Titan em 2014 antes da anexação russa da Crimeia. Em atividades económicas menos mediáticas como esta e em que estão em causa interesses económicos do eixo franco-alemão, a União Europeia parece estar mais interessada em criar regimes sancionatórios flexíveis. Comparativamente, os Estados Unidos foram perentórios: excluíram por completo as importações de titânio russo em Março de 2022 apesar da importância que também tinham para a construtora aeronáutica Boeing.

Voltando à música, o que a Rússia nos diz é simples: “You shut me down, but I won’t fall. I am titanium”.

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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