Ajudas de Estado (COVID-19) às companhias aéreas e os recursos da Ryanair no tribunal europeu (Parte I)
Por Carlos Torres, Jurista, professor da ESHTE

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*Por Carlos Torres, Jurista, professor da ESHTE
1) Introdução
Tal como o turismo em geral, o sector do transporte aéreo tem sido muito fustigado pela pandemia, com brutais perdas de receitas, por um lado, e a manutenção de elevados custos fixos, por outro. Face ao negativo impacto económico, sem precedentes, gerado pela COVID-19, se os Estados não viessem em auxílio do sector, não haveria sobrevivência possível para as companhias aéreas tradicionais. Esta ajuda financeira tem apoio na legislação europeia, prevista para situações de calamidades naturais ou de outros acontecimentos extraordinários.
Porém, a Ryanair entende que as ajudas estatais que cubram danos decorrentes de acontecimentos extraordinários (situação prevista no art. 107.º/2/b) TFUE) deveriam abranger todas as companhias aéreas. Deste modo, quando um Estado-Membro concede a ajuda a uma companhia tradicional, também o deveria fazer relativamente às low-cost que com ela concorrem – v.g. visto que França e Portugal concederam ajudas estatais à Air France e à TAP, respetivamente, também o deveriam fazer relativamente à Ryanair. Como veremos infra, este argumento não é suportado pela legislação europeia, a qual permite seletividade na companhia a abranger.
Não sendo propriamente nova esta predisposição da Ryanair para questionar, no tribunal europeu, as ajudas estatais às companhias de bandeira – pois, já em meados da década de noventa, se insurgia contra a decisão da Comissão autorizar um auxílio do Estado irlandês ao grupo Aer Lingus –, a postura combativa da low-cost irlandesa tem suscitado grande interesse mediático, gerando-se, na opinião pública, a ideia de que as suas posições têm sido acolhidas pelo tribunal europeu, o que não é correto, designadamente no caso da TAP.
2) O princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno
A disposição nuclear nesta matéria consta do Título VII (Regras Comuns relativas à Concorrência, à Fiscalidade e à Aproximação das Legislações), mais precisamente do art.º 107.º TFEU, apresentando-se como uma espécie de princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno. De harmonia com o n.º 1, a menos que os Tratados disponham diversamente, os “auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam”, não são compatíveis com o mercado interno, sempre que “falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.”.
O n.º 2 enumera várias situações em que existe compatibilidade com o mercado interno, subsumindo-se a COVID-19 na alínea b), que dispõe da forma seguinte: “Os auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários;”.
3) Os Estados-Membros antes de concederem a ajuda devem notificar o respetivo projeto à Comissão
De harmonia com o n.º 3 do art.º 108.º TFUE, os Estados-Membros, quando pretendem conceder uma ajuda estatal que considerem compatível com o mercado interno, devem informar atempadamente a autoridade europeia da concorrência, ou seja, a Comissão. Este dever de comunicação imposto aos Estados-Membros visa que a Comissão aprecie o projeto de ajuda estatal e, se o considerar incompatível com o mercado interno, o Estado já “não pode pôr em execução as medidas projetadas antes de tal procedimento haver sido objeto de uma decisão”.
Há, porém, que distinguir duas fases na apreciação do projeto de uma ajuda estatal:
a) a fase preliminar de exame, instituída pelo n.º 3 do artigo 108.º TFUE, que permite à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade do auxílio em causa;
b) o procedimento formal de exame, contemplado no n.º 2 do artigo 108.º TFUE, que permite à Comissão ter uma informação completa sobre os dados do processo. Apenas nesta segunda fase existe a obrigação de a Comissão notificar os interessados para apresentarem as suas observações.
Deste modo, quando não é dado início ao procedimento formal de exame, as partes interessadas – neste caso, a Ryanair – ficam privadas da possibilidade de apresentar as suas observações. Tal situação é, no entanto, compensada pelo legislador europeu, instituindo o direito de impugnar, perante o juiz da União Europeia, a decisão tomada pela Comissão de não dar início ao procedimento formal de exame.
4) Auxílios estatais a companhias aéreas no âmbito da pandemia da COVID-19
No domínio da COVID-19, relativamente aos primeiros casos em que a Comissão deu o seu acordo aos auxílios concedidos às empresas nacionais pelos respetivos Estados-Membros, a Ryanair recorreu das mesmas, mas os seus argumentos não foram acolhidos pelo tribunal europeu.
- França: taxas aeroportuárias
Em 24 de março de 2020, França notificou a Comissão de uma medida de auxílio sob a forma de uma moratória sobre o pagamento da taxa de aviação civil e da taxa de solidariedade sobre passagens aéreas (a denominada taxe Chirac), abrangendo o período de março a dezembro de 2020. Esta moratória beneficiando as companhias aéreas com licença francesa, principalmente a Air France, consistiu em adiar, para 1 de janeiro de 2021, o pagamento das taxas – valor determinado de acordo com o número de passageiros transportados e o número de voos feitos a partir de um aeroporto francês –, e, subsequentemente, distribuir os pagamentos por um período de 24 meses (até 31 de dezembro de 2022).
A Comissão, em 31 de março, através de uma decisão de não levantar objeções, considerou que a COVID-19 era subsumível a um acontecimento extraordinário. Assim sendo, a referida moratória sobre o pagamento de taxas constituía um auxílio compatível com o mercado interno, adequado para remediar a perturbação económica causada pela pandemia. Para além do mais, a moratória não foi considerada discriminatória, uma vez que os beneficiários do regime incluíam todas as companhias aéreas titulares de licenças francesas.
A Ryanair invocou um conjunto de fundamentos, entre os quais, a violação dos princípios da não discriminação em razão da nacionalidade e da livre prestação de serviços, a proporcionalidade do auxílio face aos danos causados pela pandemia, o dever de fundamentação e a violação dos direitos processuais, nenhum deles tendo sido acolhido pelo Tribunal Geral da União Europeia, no seu Acórdão de 17 de fevereiro de 2021.