Pandemia dá nova vida às agências de viagens
Ao longo dos anos, foram várias as alterações no mercado que vaticinavam o fim assumido das agências de viagens tradicionais. A verdade é que, ano após ano, estas têm-se ajustado às realidades e contribuído para a criação de valor e segurança na hora de reservar uma viagem.

Raquel Relvas Neto
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Ao longo dos anos, foram várias as alterações no mercado que vaticinavam o fim assumido das agências de viagens tradicionais. A verdade é que, ano após ano, estas têm-se ajustado às realidades e contribuído para a criação de valor e segurança na hora de reservar uma viagem.
Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarava a COVID-19 como pandemia e o mundo fechou fronteiras, tendo deixado muitos turistas apeados nos países mais longínquos. Muitos tinham viajado por sua conta e risco, tendo realizado as suas reservas em plataformas online, mas na hora de os trazer de volta, as agências de viagens trataram de igual forma do repatriamento destes e dos seus clientes. Esta foi uma das provas que as agências de viagens são “um porto seguro”, como chegou a dizer na altura o presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT).
Um ano depois, as fragilidades financeiras e de tesouraria das agências de viagens são muitas, sobretudo numa altura em que se está a proceder ao reembolso dos vouchers, estando inclusive a recorrer à Linha de Apoio à Economia COVID-19: Agências de Viagens e Operadores Turísticos criada para apoiar as empresas nestes reembolsos.
Numa fase em o turismo se prepara para retomar atividade, com as pessoas ávidas por viajar, quisemos saber o que esperam as agências de viagens em Portugal, quais os desafios que identificam, mas sobretudo de que forma se adaptaram a esta nova realidade e consequentes exigências dos consumidores.
A esta altura, início de maio, as agências de viagens têm sentido procura nos seus balcões, com os pedidos de orçamento a começarem a mexer, contudo, como refere Susana Fonseca, diretora operacional do grupo Airmet, “sente-se ainda algum receio na finalização da reserva antecipadamente”. Opinião partilhada por Maria José Silva, CEO da RAVT: “Começa a existir alguma procura, mais de pedidos de informações e orçamentos, mas ténue e fraca em reservas efetivas”.
No universo do Grupo GEA Portugal, Paulo Mendes identifica que também se tem sentido procura, mas a mesma é “muito reduzida para a marcação de viagens”. O diretor de contratação da GEA realça que se está a verificar, porém, “um crescimento gradual, mas tímido com o passar do tempo, tendo em conta o desconfinamento da população a nível nacional”.
Na Viagens Abreu, Pedro Quintela, diretor de vendas e marketing, afirma que quanto mais se aproxima o período de verão mais a procura se começa a acentuar, apesar de admitir que esta, até ao momento, tem sido “ainda reduzida” e com “fases de maior pico dependendo da temporada. No entanto, a ansiedade que as pessoas têm por voltar a viajar dá algum alento à empresa. As expectativas de vendas para este verão ainda são tímidas, mas os responsáveis acreditam que esta vai ser uma época estival melhor do que a de 2020. “Esperamos um verão com uma procura superior à existente em 2020”, começa por prognosticar a responsável da Airmet. Susana Fonseca acredita que “com o aumento do número de pessoas vacinadas a cada dia que passa, aliado à vontade de viajar e retomar um pouco a normalidade das suas vidas, vão ser muitos os portugueses que vão colocar de lado os seus receios e vão acabar por viajar”.
Paulo Mendes observa que é necessária “uma harmonização das regras de viagens para que a procura dispare ainda a tempo do verão”. Por outro lado, refere, “mesmo com as restrições atuais e pouca oferta turística para oferecer aos clientes, estimamos que o grupo atinja valores de faturação entre os 50% e os 55% face ao volume de negócios de 2019”.
Na Viagens Abreu, que realizou recentemente o seu ponto alto de vendas anual – o Mundo Abreu -, as expectativas também apontam para “resultados acima de 2020”. Pedro Quintela indica que os destinos portugueses devem concentrar novamente a maior procura, seguindo- -se as Caraíbas, Grécia, Cabo Verde e lhas Espanholas. “À medida que as ligações aéreas são retomadas e o processo de vacinação avança, as expectativas também aumentam”, sustenta.
Também na RAVT as expectativas são de um crescimento um pouco superior ao de 2020, “seja com o regresso de agências associadas que se desvincularam temporariamente, seja em produção de produtos e serviços turísticos”, realça Maria José Silva.
Papel do agente
A opinião é unânime quando nos referimos ao aumento da importância do agente de viagens para o cliente. Os responsáveis consideram que esta pandemia reforçou o seu papel, fruto da contribuição na altura dos repatriamentos, como já referido em cima, mas também “na ajuda na agilização dos processos de cancelamento e reembolsos”. Susana Fonseca acredita que “os clientes vão certamente optar por comprar as suas viagens nas agências de viagem”.
“Apesar de todo o impacto causado pela pandemia nas agências de viagens, esta veio mostrar aos consumidores o porquê da necessidade imperiosa de ter os agentes de viagens com balcão físico do seu lado, não apenas pelo factor preço, mas também pelo valor que lhes é intrínseco e que agregam ao viajante. Antes, durante e depois da viagem”, começa por dizer Nuno Tomaz, diretor comercial da GEA. O fator humano revelou-se importante no início da pandemia, recorda, sublinhando que os agentes de viagens foram responsáveis pelo repatriamento de 27.500 portugueses. “Incluem- -se nestes números muitos clientes que fizeram a compra das suas viagens em OTA’s (agências de viagens online), e que naquele momento se viram sem apoio e, por conseguinte, sem soluções por parte dessas empresas cujo apport de valor foi praticamente nulo, pois apenas comercializaram os serviços sem, no entanto, apresentarem soluções para os problemas que depois advieram”, clarifica. Porém, o responsável da GEA considera que as agências de viagens só vão beneficiar desta imagem de “porto seguro” para os clientes “consoante os atores deste sub-setor consigam capitalizar no futuro esse ativo conseguido e manter na memória dos viajantes este ‘input’ de valor agregado, assim como as vantagens óbvias que o facto de recorrerem a especialistas representa”.
Pedro Quintela também manifesta a mesma opinião, justificando que a pandemia “levantou diversas questões a quem viaja sem qualquer apoio e, ao mesmo tempo, trouxe enormes desafios aos agentes de viagens que, mais do que nunca, têm a oportunidade de mostrar as suas mais-valias como conselheiros, gestores de reservas, como transmissores qualificados de informação sempre em atualização, como solucionador de problemas e imprevistos”.
Já Maria José Silva demonstra-se mais céptica quanto à procura pelas agências de viagens neste período de retoma turística, sobretudo pelas condições que ainda se vivem no mercado. Para a responsável da RAVT, o esperado é “uma maior procura e reconhecimento das mais- -valias de proteção e apoio dado nas agências de viagens”, mas identifica três fatores que estão a contribuir para desviar a procura pelas agências. O primeiro fator tem que ver com o pedido de serviços soltos, como estada num país ou apenas um ‘city-break’ pela Europa e que muitas vezes acabam por serem desviados para reservarem diretamente ao invés da intermediação pela agência de viagens. “Os serviços de hotelaria local incitam, também com algumas atitudes menos simpáticas para com os agentes, a compras diretamente nas unidades de alojamento e com descontos estranhos, impossíveis e incompreensíveis”, adverte. A procura reduzida ainda por produtos de grupos ou as viagens longínquas que implicam custos mais elevados, sobretudo pelos testes de PCR exigidos que a encarecem ainda mais, são um fator negativo apontado pela responsável.
Futuro do setor
Os desafios, além dos já mencionados, são muito diversos, mas todos interligados num propósito e futuro comum: a sobrevivência das agências de viagens. Para o grupo GEA Portugal, Paulo Mendes aponta que a situação sanitária é o desafio prioritário face ao crescimento económico e à liberdade de circulação de pessoas”. A “capitalização de empresas, reembolso dos vouchers Covid, normalização do transporte aéreo e a falta de uma política duradoura que permita uma maior segurança e menos restrições nas deslocações das pessoas, são para nós os principais desafios a curto prazo para as agências de viagens”, enumera.
Também Susana Fonseca aponta que fazer com que os clientes utilizem os vouchers emitidos será um dos desafios, devido à “instabilidade dos destinos e cancelamentos de operações por parte de fornecedores”. A diretora operacional da Airmet refere ainda que este período vai ser um teste à capacidade comercial das agências de viagens incentivarem os seus clientes a viajar.
Para o diretor de marketing e vendas da Viagens Abreu a “atenção e os cuidados que as agências de viagens têm de ter neste período têm de ser redobrados”. Este alerta deve-se ao facto de considerar que a “assimilação e gestão de informação”, assim como lidar com imprevistos, são os principais desafios que identifica, especialmente numa época em que um destino pode fechar de um dia para o outro, bem como uma unidade hoteleira.
Conseguir encontrar produto que se adeqúe às maiores exigências do cliente, “que está mais inseguro”; ter fornecedores “mais estáveis e capazes de corresponder com o produto e serviço mais exigente, a preço acessível e justo”; “voltar a motivar equipas”; responder à procura que voltou a ser mais em cima da hora; selecionar parceiros mais fiáveis; ou “encontrar equilíbrio entre o excesso de medo, excesso de zelo, excesso de restrições, e a necessidade de vender, viver, sentir, produzir, pagar contas e aguentar empresas, equipas, economias, destinos” são alguns dos muitos desafios que Maria José Silva reconhece que as agências de viagens vão ter pela frente. Contudo, o maior de todos tem sido “aguentar empresas abertas, equipas operacionais, manter custos fixos que nada alteraram e nem tiveram dó nem piedade, com insuficientes apoios (obviamente) que consigam aliviar tamanho tsunami”, admite.
O constante prenúncio do fim
Foram muitos os momentos de turbulência que as agências de viagens passaram nos últimos anos, seja pelo surgimento da Internet e consequentes plataformas de reserva online, seja pelas crises financeiras, aumento de reservas diretas, entre outros. A verdade, é que, com o passar do tempo, estas têm prevalecido. “A eterna conversa sobre o eventual “fim” das agências de viagens é um tema já velho de décadas, e que agora com a pandemia esbarrou de frente com a resiliência e a tremenda capacidade de adaptação dos profissionais deste sub-sector”, recorda Nuno Tomaz. A percepção crescente do valor do agente de viagens por parte do cliente é algo que saiu beneficiado desta pandemia. Para o responsável comercial, foi “dado um novo ênfase ao trabalho destes profissionais que muitas vezes viram o seu trabalho a ser menosprezado, criticado e vilipendiado. E que muitas vezes se viram subtraídos, por oposição aos novos canais de venda online, que se apresentaram agressivamente ao mercado do ponto de vista comercial e de marketing, sustentados essencialmente na variável “preço””. E sendo o turismo um setor de serviços de pessoas para pessoas, “onde se transacionam bens intangíveis e onde o paradigma P2P (person to person – agente/pessoa to cliente/ pessoa) é a palavra de ordem”, a cultura de serviço e atendimento são para Nuno Tomaz “um imperativo”. Como tal, o diretor comercial da GEA acredita que o futuro das agências e dos agentes de viagens “se pode considerar assegurado”.
Como também recorda Maria José Silva, as agências de viagens são “um setor habituado a imensas irregularidades pelo mundo, a cada ano, e sabem bem lidar com a pressão, são muito resistentes, resilientes, digerem bem mudanças, estão habituadas a muita diversidade, são flexíveis, habituadas a “dobrar” mas não a quebrar”. No entanto, a CEO da RAVT aconselha que é necessário reanalisar toda a estrutura da agência de viagens, desde procedimentos a aprendizagens. “Reajustar como sempre à nova realidade, novas técnicas, novas ferramentas, novos procedimentos, reaproveitar tendências que já surgiam timidamente antes, novos produtos, novas formas de vender, novas formas de comprar, novos e diferentes desejos, novas formas e regras para viajar”, destaca.
Uma das bandeiras das agências de viagens que saiu reforçada desta pandemia é a confiança que estas transmitem aos seus clientes na hora das reservas das suas viagens. Neste sentido, Susana Fonseca considera que a “comunicação é um ponto chave que merece uma especial adaptação por parte das agências para com os seus clientes, assim como o marketing digital”. São estes dois pontos-chave que a responsável da Airmet defende que vão “permitir que o cliente não se esqueça da sua existência e relevância a longo prazo e, consequentemente, a preferir o seu agente de viagens a um computador na hora de escolher onde fazer as suas reservas”. Acresce ainda a especialização em determinado produto/serviço por parte da agência, sem descurar os restantes.
No mercado desde 1840, a Viagens Abreu já passou pelas mais diversas crises. Quase 200 anos depois e perante uma crise pandémica, a agência de viagens mais antiga do país continua a acreditar na prevalência das agências de viagens, que “terão um papel fundamental como verdadeiros consultores de viagens”. Pedro Quintela considera que, atualmente, as pessoas “procuram recuperar o “tempo perdido” com qualidade, em segurança e com total transparência em relação aos serviços que adquirem”. É por isso que destaca o papel fundamental que as agências têm na venda e no serviço de “qualidade, antes, durante e depois da viagem”. Por fim, o responsável da Viagens Abreu considera que nas viagens, “e ainda que o relacionamento possa até ser à distância, a pandemia veio evidenciar a mais-valia de um atendimento humanizado e qualificado, que traga conforto e segurança ao passageiro”.