“Neste momento, um governo para autorizar cruzeiros nos seus portos obriga à vacina”
Em entrevista ao Publituris, Francisco Teixeira, diretor geral da Melair Cruzeiros, fala sobre as mudanças que a pandemia da COVID-19 veio trazer à atividade de cruzeiros.

Inês de Matos
Em entrevista ao Publituris, Francisco Teixeira, diretor geral da Melair Cruzeiros, fala sobre as mudanças que a pandemia da COVID-19 veio trazer à atividade de cruzeiros, assim como das perspetivas para o regresso à normalidade.
Depois de quase um ano com a atividade suspensa, salvo algumas exceções, as companhias representadas pela Melair Cruzeiros – Royal Caribbean International e Celebrity Cruises-, preparam- -se para retomar algumas operações em maio, aproveitando as oportunidades trazidas pela vacina contra a COVID-19, que, de acordo com Francisco Teixeira, deverá ser “a grande mudança do jogo”. Já o regresso à normalidade poderá acontecer em 2022, acredita o responsável, que fala, no entanto, numa mudança de paradigma na distribuição, que deverá ser confrontada com novas exigências de especialização. É que o consumidor dos cruzeiros está a mudar, assim como as dinâmicas que o mercado conhecia até aqui.
Com a pandemia, os cruzeiros pararam no início de 2020. Como é que a Melair, que representa companhias como a RCI e a Celebrity Cruises, viveu este ano dramático para a indústria?
Foi um ano muito trabalhoso. Apesar da nossa quota de mercado ser mais reduzida, não deixámos de ter cruzeiros cancelados e tivemos de conviver com a dinâmica de cancelamentos mês a mês. Em contrapartida, como o mundo parou todo, a primeira fase foi relativamente aceitável. Depois, tivemos esperança de reabrir em junho, depois em outubro e, conforme o ano ia passando, fomos percebendo que não. Mas fomos sempre tendo dinâmicas comerciais, de forma diferente, mas não deixámos de ter ofertas e de ter contacto com cada agrupamento, mas foi muito difícil porque a maior parte das pessoas estava em lay-off. Foi um ano bastante confuso, em que o mais importante era chegarmos inteiros a dezembro de 2020. Rapidamente percebemos também que 2021, em termos de negócios, seria um ano do zero para cima, sem comparações. Digamos que o facto de trabalharmos com companhias de cruzeiros musculadas, que estão habituadas a protocolos e a desafios, e conseguem readaptar-se com facilidade, fez toda a diferença.
Hoje, vivemos num mundo que não é homogéneo, em que as decisões são tomadas governo a governo. Mas os cruzeiros têm uma vantagem porque o hotel é móvel e pode ir para onde há oportunidades. E agora temos um conjunto de protocolos que, entretanto, foram desenvolvidos e implementados. Estes protocolos ainda não estão comunicados ao detalhe, mas trazem um conjunto de procedimentos de segurança que são necessários para retomar a atividade. É preciso garantir ar fresco a bordo a 100%, limpeza profissional, condições médicas especializadas e, depois, é necessário garantir que, na eventualidade de existir uma situação, há planos de contingência que permitam colocar o passageiro afeta do em casa para não acontecer o que aconteceu no Japão. Só assim será possível retomar a atividade.
Graças a esses protocolos, a Royal Caribbean vai conseguir lançar cruzeiros no Quantum of the Seas, em Singapura, em dezembro de 2020. Qual é o balanço destes cruzeiros?
O mais interessante e relevante foi a implementação desses protocolos, a conjugação do trabalho com os governos e os planos de contingência caso existisse algum caso de COVID-19 – tivemos apenas meia dúzia de casos. Isto foi o que teve mais valor. Além do Quantum em Singapura, tivemos mais dois ou três navios nas Canárias porque o Grupo Royal Caribbean tem companhias com capital a 100%, mas tem também uma participação de 50% na TUI Cruises e na Hapag-Lloyd Cruises. Portanto, quando dizemos que já 100 mil passageiros viajaram com o grupo, inclui-se a TUI Cruises e o navio de Singapura. Isto deu-nos uma base relativamente razoável de experiência para o desenvolvimento de alguns protocolos.
O trabalho que se faz em toda a empresa por trás da cortina, hoje, é frenético e muito mais louco do que antes da pandemia porque as coisas se alteram a qualquer momento. Por isso, aquilo que me preocupa mais é que, com a retoma, todos os pontos de informação, desde o produto até ao consumidor, passaram a ser cruciais.
Até aqui, a venda tinha dois ou três pilares e os métodos estavam instituídos, mas a partir de agora não porque o consumidor precisa de saber exatamente o que fazer. Por isso, diria que o mecanismo comercial vai ter grandes dificuldades para corresponder às exigências de cada produto que, por sua vez, se alteram a cada momento.
No caso da Royal Caribbean, estivemos em negociações com o Governo de Israel e isso permitiu fazer esses cruzeiros só para residentes em Israel, que estejam vacinados. Nestes cruzeiros, a tripulação também estará totalmente vacinada. Aliás, todas as operações anunciadas na retoma da Royal Caribbean e da Celebrity Cruises obrigam à vacinação dos adultos, assim como da tripulação e testes PCR negativos para jovens e crianças até aos 18 anos. Mas creio que a ligação do cliente final ao produto é fundamental porque, em 24 horas, a situação pode mudar e o cliente tem de estar informado.
Portanto, a experiência diz-me que o panorama da distribuição vai mudar porque a nossa rentabilidade tem de ser integra, coerente e tem de ser o cliente a pagá-la. Isto é uma alteração total de paradigma.
Mudanças
Essa alteração do paradigma da distribuição poderá trazer consequências ao nível dos preços, por exemplo?
Não vejo as coisas associadas dessa maneira. Se compararmos um cruzeiro da Royal Caribbean Barcelona-Barcelona, em 2019, com o mesmo cruzeiro para 2022, os preços estão mais baixos, mas os preços são dinâmicos e quanto melhor o mercado perceber isto, mais vai conseguir aproveitar as oportunidades porque já não vivemos no tempo em que existia o preço de tabela e atrás da cortina, tinha 30% ou 40% de desconto. Já não existe isso, existe dinâmica no ‘pricing’.
Em relação a essa alteração de paradigma, penso que na distribuição a exigência e a capacidade de dar ao cliente informação adequada vai ser mais complexa. Vai ter de existir maior especialização na distribuição, mas para isso é também necessário maior rentabilidade, que deverá ser o cliente a pagar. Não sei qual é o futuro, mas parece-me que o cliente deverá começar a pagar à agência de viagens o serviço que ela lhe presta.
Esta pandemia mostrou que trabalhar com rentabilidades muito baixas é um suicídio. Portanto, para alterarmos este paradigma, temos de ser mais rentáveis, não podemos pedir mais ao produto porque, aí sim, o preço subiria para pagar a distribuição. Temos de prestar um serviço ao cliente que ele esteja disponível para pagar, direta ou indiretamente.
Ao nível do consumidor, a que alterações se está a assistir? Há, por exemplo, maior procura de públicos mais jovens devido à COVID-19?
Relativamente às idades, a verdade é que, hoje, a média de idades de um cruzeiro não é tão alta quanto se imagina, mas aquilo que notamos é que no segmento dos 35/55 anos, muitos continuam a pensar que os cruzeiros são para velhos. Esse é, realmente, um trabalho que se pode desenvolver porque esse é o novo consumidor. É um consumidor conhecedor e que é estimulado de outra forma. É difícil e caro chegar a esse público, mas é um consumidor que se pode trabalhar.
Mas o que dizia quanto ao novo consumidor é que se começa a perceber que a pandemia leva à alteração de prioridades e, por isso, as pessoas estão a fazer projeções de viagem a longo prazo. Isso é favorável para o meu negócio. Ou seja, se tentarmos vender um cruzeiro com um ano de antecedência, ele pode custar mil euros, com dois meses já custa 1.500 euros e o cliente já não tem dinheiro para pagar. Aqui tenho também um novo consumidor, que vai exigir mais informação, porque é mais cuidadoso, quer aproveitar a vida, mas quer perceber tudo o que envolve a viagem, mas que poderá estar disponível para pagar um preço mais elevado, o que permite antecipar negócio.
E este novo consumidor é também mais confiante na loja física. Acredito que vamos assistir também a essa discussão sobre o papel do online e do físico.
Verão
Falou também na questão da vacina ser obrigatória para os cruzeiros deste verão. A vacina será, de facto, a chave para retomar a atividade?
Tenho essa opinião. Neste momento, um governo para autorizar cruzeiros nos seus portos obriga à vacina. Por outro lado, uma companhia de cruzeiros, com a vacina tem menos custos do que terá com testes. A vacina, aparentemente, será a grande mudança do jogo porque se parte do princípio que as pessoas ficam imunes. Parece-me uma reação normal e aquilo que destaco é a capacidade de atuação e de procurar oportunidades da Royal Caribbean porque colocar um navio num determinado destino é muito complexo e, no curto prazo, vamos ter de trabalhar as oportunidades onde quer que elas existam.
Para se ter uma ideia, a CDC, que é a Direção Geral de Saúde (DGS) dos EUA, ainda não deu qualquer luz às companhias de cruzeiros para a abertura das operações nos EUA. Falou-se que poderia ser em novembro. Há uma pressão grande para poder começar a navegar em julho, mas as últimas instruções dão a entender que nos primeiros tempos os cruzeiros só podem acontecer para voluntários e está previsto que cada navio tenha uma cor – vermelho, laranja, amarelo e verde. Os navios que tiverem a cor vermelha ou laranja não podem passar nos EUA. Isto ilustra bem a perspetiva de 2021, ainda que, no quarto trimestre, já se espere o início da velocidade de cruzeiro.
E como é que está a responder o mercado português?
Relativamente ao mercado português, estamos a tentar vender os cruzeiros de Atenas, no Celebrity Apex; Chipre, no Jewel of the Seas; Nassau, para as Bahamas e México, no Adventure of the Seas; e St. Marteen, para o sul das Caraíbas, com a Celebrity Cruises. Por isso, estamos já muito focados em vender 2022 e 2023, e estamos muito interessados em ir acompanhando o comportamento do mercado para as férias de verão deste ano.
No caso do mercado português para este verão, está ainda tudo à espera de ver o que se vai passar, o que é completamente natural e não invalida que haja boas surpresas. Portanto, as reservas vão acontecendo, mas não são um indicador que sirva, o maior indicador que temos são as notícias e, depois de mais de um ano nisto, já temos suficiente experiência para perceber o caminho que as coisas vão levando.
Uma das novidades da Royal Caribbean para este reinício de operação é o Odyssey of the Seas, o novo navio que vai estrear em Israel. O que é que o navio traz de inovador?
Este navio é um mix entre a Royal Caribbean e a Celebrity Cruises. Traz um conceito diferente, não existe a avenida central e, por isso, não é tão resort. O conceito dos cruzeiros tem evoluído muito. Há pouco mais de uma década, todos os passageiros assistiam ao espetáculo e isso fazia com que tivessem de existir áreas muito grades no navio. Na classe Quantum, o que acontece é que existem vários espetáculos a acontecer ao mesmo tempo. Portanto, este navio conta com vários espetáculos e salas diferentes, numa riqueza muito grande, que se encontra também ao nível dos restaurantes e ao ar livre, com atividades inovadoras, como aquele braço com a cápsula, simulador de paraquedismo e multiusos com carrinhos de choque.
Uma das coisas com que a Royal Caribbean se preocupa é o comportamento da sociedade, por isso é que faz remodelações constantes para readaptar a oferta aos novos conceitos. É isso que faz a classe Quantum, traz uma utilização do espaço mais cosmopolita e atual.