Nova tendência das feiras virtuais também tem vantagens
Como se costuma dizer, primeiro estranha-se e depois entranha-se. E nas feiras de turismo o ditado aplica-se que nem uma luva. A pandemia de COVID-19 obrigou a grandes mudanças nos certames turísticos, que se tornaram virtuais, num modelo diferente mas que também tem vantagens.

Inês de Matos
Como se costuma dizer, primeiro estranha-se e depois entranha-se. E nas feiras de turismo o ditado aplica-se que nem uma luva. A pandemia de COVID-19 obrigou a grandes mudanças nos certames turísticos, que se tornaram virtuais, num modelo diferente mas que também tem vantagens.
A notícia já era esperada e, a 14 de setembro, a organização do World Travel Market (WTM), a feira de turismo de Londres e uma das maiores da Europa, confirmou que a próxima edição – que deveria acontecer entre 2 e 4 de novembro – seria inteiramente virtual.
As “contínuas restrições de viagens, imposição de requisitos de quarentena e bloqueios locais em toda a Europa” foram os motivos apontados para a decisão, com Simon Press, diretor do WTM Londres, a admitir que seria “impraticável para muitos visitantes estrangeiros comparecerem pessoalmente” no EXCEL London, o recinto que anualmente acolhe a feira britânica, devido aos constrangimentos estabelecidos na sequência da pandemia da COVID-19.
A feira londrina foi um dos primeiros grandes eventos do turismo mundial a optar por realizar apenas uma edição virtual, depois de várias outras feiras terem sido mesmo canceladas devido à pandemia. A ITB Berlim, que teria acontecido de 4 a 8 de abril e que é considerada a maior feira de turismo do mundo, foi cancelada logo em fevereiro, quando a primeira vaga da COVID-19 se estava ainda a instalar na Europa.
Mas, com o passar do tempo e com a pandemia a não dar tréguas, a tendência passou a ser a transformação das feiras de turismo em eventos puramente virtuais, até porque a tecnologia já permite reuniões online e eventos com transmissão em live streaming, avanços tecnológicos que possibilitam que os negócios se continuem a fazer, sem as preocupações em relação à transmissão do vírus que justificaram o cancelamento de várias feiras e a mais recente tendência das edições virtuais. É que não é fácil manter o distanciamento social entre os milhares de visitantes que costumam passar pelos recintos dos certames. Com uma agravante, é que o turismo é uma atividade que implica proximidade. “Esta é uma indústria da presença, do contato presencial entre os profissionais ou não fosse o turismo a indústria dos sorrisos. Se o network com o outro é fundamental na maioria das atividades e setores da sociedade, no turismo em particular é essencial”, diz ao Publituris Dália Palma, gestora da BTL, a maior feira do turismo português, cuja edição de 2020 foi cancelada e que, no próximo ano, vai decorrer entre 3 e 7 de março, numa edição ‘híbrida’, com ações virtuais e também presenciais.
BTL Especial
Seguindo a tendência que se tem vindo a registar nos últimos meses, em que cada vez mais feiras de turismo anunciam edições virtuais – como é também o caso da IBTM Barcelona, que vai ser apenas virtual e decorre entre 8 e 10 de dezembro, data em que deveria acontecer a edição presencial -, a BTL 2021 vai ser, como diz Dália Palma, “uma edição especial”. “A Bolsa de Turismo de Lisboa irá ativar, pela primeira vez, uma solução híbrida, que contempla eventos virtuais e ações presenciais no espaço da FIL”, revela a responsável, explicando que este modelo tem “por base a segurança de todos” e visa “ajudar a recuperar e a reconstruir a indústria do turismo num momento tão delicado e desafiador para o setor”.
Mas o que nasceu de uma necessidade pode vir a revelar-se até uma vantagem, uma vez que, acrescenta Dália Palma, “a digitalização é uma forma inequívoca de internacionalizar a maior feira de turismo nacional”. “As feiras presenciais são, para nós, insubstituíveis, agora complementadas com uma componente digital que valorizará ainda mais os conteúdos que apresentamos”, resume a responsável.
A nível digital, a BTL 2021 vai contar com uma nova plataforma, denominada FIL Virtual, onde os visitantes e fornecedores da feira se podem inscrever e, após validação por parte da organização, fazer o agendamento de reuniões B2B, assim como contactar com expositores e oradores, além de permitir também o acesso em ‘live chat’ às conferências que vão voltar a compor o programa do certame.
As vantagens desta nova ferramenta não se ficam por aqui, uma vez que a FIL Virtual também “permite que a dinâmica de negócios perdure para além da realização física do evento e que a rede de contactos permaneça online para poder ser consultada até à próxima edição, aumentando assim o retorno do investimento dos expositores e participantes”, explica Dália Palma, defendendo que esta será também “uma BTL mais internacional por força da sua presença no digital”, pois vai permitir que os expositores que operam o destino Portugal promovam os seus produtos “numa escala mais global, além do período normal da feira”.
“Estamos convictos de que esta situação serviu para nos enriquecer e tornar mais fortes. Hoje sentimo-nos mais preparados para conviver nesta nova realidade e conscientes de que os negócios e a economia precisam de retomar a uma normalidade, mesmo que diferente da “velha” normalidade”, resume Dália Palma, garantindo que a “BTL sempre foi o evento do sector do Turismo em Portugal e assim continuará a ser”.
Virtual vs físico
Mas, antes da BTL, é a FITUR, a feira de turismo espanhola, que por norma inaugura o calendário anual de certames turísticos. Em 2021, a feira deverá decorrer entre 22 e 26 de janeiro, mas ainda não há certeza que venha a seguir o formato tradicional. “A FITUR está a trabalhar para organizar a feira nas datas previstas”, avança ao Publituris Elena Valera, do departamento de comunicação do certame, explicando que a organização está a avaliar o evoluir da pandemia e que, até à data, não há ainda decisão quanto ao formato do evento. [À data da publicação original deste artigo, na edição do Publituris de 9 de outubro, a organização da FITUR ainda previa realizar a feira em janeiro, mas, entretanto, foi adiada para 19 a 23 de maio de 2021.]
Apesar da incerteza, a FITUR é uma das feiras mundiais onde o Turismo de Portugal conta vir a marcar presença em 2021, ainda que esta participação se encontre “condicionada à sua efetiva realização nos moldes habituais e asseguradas que estejam as melhores condições quer de negócio, quer de segurança para as empresas nacionais”, explica o organismo ao Publituris.
Além da FITUR, o Turismo de Portugal prevê participar, no próximo ano, em mais 10 certames turísticos, concretamente Vakantiebeurs, na Holanda; IMTM, em Israel; ITB Berlim, na Alemanha; MITT, na Rússia; WTM Latin America, no Brasil; IMEX, na Alemanha; IFTM Top Resa, em França; IBTM World, em Espanha; WTM, no Reino Unido; e IMEX America, nos EUA.
Ainda não é possível saber quantas destas feiras vão ser virtuais, mas o Turismo de Portugal diz que, caso alguma venha a decorrer apenas ao nível do digital, serão encontradas em cada mercado, e em conjunto com as sete Agências Regionais de Promoção Turística nacionais, “as melhores soluções de negócio para as empresas nacionais, avaliando, em cada situação concreta, o retorno do investimento a realizar”.
Neste momento, o instituto tem em mãos a participação no WTM, que vai ser virtual e decorre entre 9 e 11 de novembro, e diz ao Publituris que, neste caso, “a operacionalização da participação nesta edição digital é idêntica a uma feira física”, tendo as empresas realizado a inscrição no Portal Feiras e Eventos gerido pelo Turismo de Portugal. As candidaturas fecharam já depois do Publituris falar com o Turismo de Portugal e, por isso, o instituto considerava que ainda era “prematuro” fazer um balanço do interesse das empresas por estes eventos.
No entanto, o WTM não é o primeiro evento virtual em que o Turismo de Portugal trabalha, nem é o primeiro a contar com empresas nacionais, que já estiveram presentes no Workshop Jata Online Travel Mart 2020, promovido pelo Japão entre 31 de agosto e 2 de setembro. Neste evento, “foram convidadas a participar as 23 empresas que se tinham inscrito para o WS presencial”, que foi adiado para 2021, e que, segundo o Turismo de Portugal, confirmaram “os bons resultados, expectativas de conversão e agrado com o modelo organizativo”.
Mais recentemente, a 28 de setembro, decorreu também um evento B2B virtual, no âmbito da Connections Virtual Week, que contou com 25 empresas portuguesas e, entre 20 e 22 de outubro, é o próprio Turismo de Portugal a promover um evento virtual, o ‘2020 Portugal China Online Roadshow’, “em que empresas portuguesas (também originalmente inscritas para o evento físico) contactarão buyers relevantes deste mercado”.
O Turismo de Portugal considera que é às empresas que cabe fazer a “avaliação do retorno do investimento”, mas garante que vai continuar, por um lado, “a acompanhar em permanência as medidas cautelares e preventivas de não exposição a perigos decorrentes do novo coronavírus e que se têm traduzido no cancelamento e/ou adiamento de muitos dos eventos” e, por outro lado, a manter uma “atitude proativa de identificação das melhores oportunidade e ferramentas de negócios em cada mercado”
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Da parte das empresas, as opiniões dividem-se. Para António Paínha, diretor comercial dos Dom Carlos Hotéis, estas edições virtuais das feiras “são uma inevitabilidade” e, apesar de considerar que ainda existe “alguma indefinição” sobre este tipo de eventos, diz que na Dom Carlos Hotéis está a “ponderar-se a possibilidade” de participação “numa ou noutra situação”.
Opinião mais concreta tem Patrícia Correia, diretora do Monte Santo Resort, no Algarve, que defende que esta nova forma de organizar feiras de turismo “é viável, até pelo custo significativamente mais baixo que representa nos cofres das empresas e que este ano é um fator de maior importância”. Por esse motivo, o resort algarvio conta participar nas edições virtuais das feiras onde habitualmente estaria presente de forma física.Já Luís Santos, diretor comercial da Turim Hotels, considera que a realização deste tipo de certames turísticos é viável, mas diz que tudo depende “da forma como o evento virtual é preparado”. “Refiro-me à facilidade de inscrição, de fazer upload dos dados de apresentação do “expositor virtual”, da seleção dos buyers e o agendar das reuniões. Só se torna efetivamente viável, se tudo isto for pensado e executado de uma forma que facilite a todos, sem grandes complicações de conectividade”, explica o responsável, que entende que esta “é uma nova via de fazer e participar em eventos que veio para ficar”.
Luís Santos revela que a Turim Hotels já participou até “em duas feiras no formato virtual e ambas tiveram uma organização 101% excelente”. “Tudo funcionou e todos buyers/suppliers participaram sem interrupções de ligação durante as conversas. Refiro-me à ATM do Dubai e à JATA no Japão. A WTM de Londres será a próxima”, acrescenta o diretor comercial da Turim Hotels, para quem, independentemente da forma de participação, “o importante depois, e como sempre, é o follow-up que cada um dá à reunião executada”.
Mas também existem desvantagens e a ausência do contacto humano nestas edições virtuais é a mais apontada pelas empresas ouvidas pelo Publituris. “A grande desvantagem é precisamente o contacto humano, que este ano não é possível, como se sabe. Entendemos as razões que levam estes eventos a adaptar os seus conteúdos a esta nova realidade, mas a hotelaria ainda é um negócio ‘de pessoas, para pessoas’”, aponta Patrícia Correia, referindo que o virtual não permite esse contacto, “mesmo com um bom suporte tecnológico”.
Luís Santos vai mais longe e, apesar de não encarar este impedimento como uma desvantagem, diz que “nada substitui o contato pessoal, o frente-a-frente com os parceiros e a convivência antes, durante e após a reunião”. “Esta é uma atividade de relacionamento humano. Independentemente das atuais plataformas de comunicação, de realização de eventos, que vieram também para nos facilitar a vida e a comunicação entre pessoas, esta é uma atividade de contactos face-to-face. Nada substitui o contato pessoal, o podermos estar frente-a-frente com os nossos parceiros. Foi, é e será assim esta nossa atividade. Não há desvantagens, chamaria de limitações ao que é a atividade do turismo”, conclui.