Reportagem | Do Coração de Santiago ao Colo da Boavista
A convite da Soltrópico, o Publituris acompanhou uma Famtrip às duas ilhas cabo-verdianas. Santiago quer assumir-se como um destino business e Boavista como uma alternativa à ilha do Sal.

Rute Simão
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A convite da Soltrópico, o Publituris acompanhou uma Famtrip às duas ilhas cabo-verdianas. Santiago quer assumir-se como um destino business e Boavista como uma alternativa à ilha do Sal.
A chuva miudinha cai sobre a ilha de Santiago como uma dádiva dos céus. Dia de águas no seco solo santiaguense é dia abençoado para o povo que pede alimento para as terras. As magras vacas que se vislumbram amiúde, por entre os pastos castanhos à beira da estrada, devoram a pouca erva que se cola ao solo seco. Desde 2016 que “não tem chovido muito”, é a garantia dada por quem por aqui passa os dias. Os imponentes montes cor de cobre fazem imaginar um verde que não existe. A falta de água dos céus não é de agora, nem de há três anos. Faz parte do ADN das dez ilhas e oito ilhéus que dão músculo ao arquipélago de Cabo Verde. Com uma intensidade incongruente, a chuva imprime um cinzento no céu que se reflete no mar. O calor húmido cola-se ao corpo e dificulta a respiração. À primeira-vista, poder-se-ia dizer que a chegada a Cabo Verde foi atraiçoada pelo clima. Mas, pelo contrário, tivemos a sorte de assistir a um raro cenário meteorológico e hoje é dia de festa.
Por entre os passos que damos, rumo ao Forte de São Filipe, há pequenos gafanhotos que dançam numa coreografia alinhada. A praga reuniu centenas destes insetos que devastaram as plantações de milho. Chegámos à Cidade Velha, berço de Cabo Verde e Património Mundial da Humanidade eleito pela UNESCO, em 2009. Outrora apelidada de Ribeira Grande, aqui começou Cabo Verde em 1462. Localizada num vale profundo, abraçada por montanhas, a Cidade Velha servia de ponto comercial e reabastecimento de navios bem como de entreposto de escravos. À entrada da cidade, a 120 metros de altura, repousa o Forte de São Filipe que protegeu o povo dos ataques de piratas. As muralhas de pedra são imponentes num quadro arrebatador que se pinta do alto sobre o mar. Descendo até à praça, o pelourinho, erguido em 1520, símbolo de um tempo de punição e escravatura, é agora ponto de encontro entre comerciantes e turistas. Nas bancadas, saltam à vista as cores vivias do artesanato, das malas, toalhas, cestos, fitas e ímanes. As recordações para levar na mala são muitas e os apelos dos vendedores, sedutores. De sorriso fácil, convidam quem passa e pedem que se lhes compre alguma coisa. Dois dedos de conversa e meio regateio pelo meio e está ganho um dia de vendas.
Há outros pontos obrigatórios nesta visita como a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, a mais velha igreja colonial do mundo, o Convento de São Francisco e a Sé Catedral.
O centro é esculpido de casas de pedra, a maioria de portas e janelas abertas, que permitem espreitar o quotidiano de quem lá mora. À entrada, há mulheres sentadas debruçadas sob alguidares, crianças a varrer os pequenos quintais e roupa a ser estendida nos finos arames.
Praia
Com a Ribeira Grande ameaçada pelos piratas, a capital de Santiago foi entregue à cidade da Praia, em 1770. É agora o centro económico e político da ilha e alberga mais de 128 mil residentes, sendo a cidade mais povoada. O ornamento da cidade da Praia foi traçado de forma desalinhada, fruto da grande afluência de migrantes que foram chegando à procura de trabalho. As ruas ecoam as vozes misturadas filhas da azáfama citadina. O Plateau é o coração da cidade onde se concentram os principais serviços. O liceu, o tribunal, o Palácio da Presidência, a Câmara Municipal e o hospital contornam a Praça Albuquerque onde se vende de tudo, desde cigarros à unidade a doces e roupa. O mercado municipal é ponto de paragem obrigatório para beber um trago da cultura cabo-verdiana mais genuína. Lá dentro impera a confusão, o barulho, as frutas e legumes vistosos. Famílias inteiras expõem o que a terra lhes dá ou, nalguns casos, o que foram comprar fora. O milho, a manga, a batata-doce, a mandioca, a papaia e a banana, por exemplo, são imagens de marca da atividade agrícola da ilha. Os cheiros confundem-se enquanto tentamos contornar as dezenas de pessoas que preenchem o espaço. Os comerciantes comem papas de milho com leite enquanto nos oferecem algumas iguarias a provar.
Santiago quer afirmar-se como um destino business e o investimento tem atracado com passos lentos. Uma das recentes novidades, que corre de boca-em-boca, é a chegada à ilha do grupo Macau Legend que comprou parte dos terrenos da praia da Gamboa, no ilhéu de Santa Maria, para a construção de um hotel e casino. A abertura está prevista para o final do próximo ano e já se vislumbra o esqueleto ao edifício que aniquila parte da vista da praia mais acarinhada na cidade. Este é, até agora, o maior empreendimento turístico de Cabo Verde num investimento de 250 milhões de euros. Graças a ele, o Festival da Gamboa, o evento de música mais afamado da ilha, vai mudar de morada. Se os locais lamentam o fim de uma icónica tradição, nos moldes em que a conheceram, os empresários hoteleiros, que beneficiavam da vista para o mar, têm agora o pesado empreendimento a cortar uma fatia da paisagem.
Tarrafal
São perto de quatro horas de viagem que unem a cidade da Praia à outra ponta da ilha. Isto, se a viagem se fizer em tom de passeio e com paragens pelos pontos indispensáveis: Santigo, São Domingos, Assomada, Serra da Malagueta. O caminho é de curvas e contra-curvas, sempre a subir lado-a-lado com montanhas robustas. No interior da ilha a vegetação é mais abundante brindando a viagem com uma paisagem ímpar. Por entre os montes há cabo-verdianos a cultivar a terra. Na berma da estrada, depois de uma curva tenaz, outros vendem o que o solo lhes deu. Chegámos finalmente à aldeia de Chão Bom e a primeira paragem é no Campo do Tarrafal. Ainda a carrinha na qual seguíamos não tinha estacionado, já se formava um círculo de crianças em redor a pedir comida e dinheiro. A pequena povoação é uma das mais pobres da ilha e a chegada de turistas é sempre uma oportunidade para os mais pequenos pedirem alimentos e moedas para levar paras as famílias.
Da prisão política, erguida em 1936, a mando do regime salazarista, e também conhecida como o ‘Campo da Morte Lenta’, restam as paredes numa memória silenciosa. Hoje é apelidada de Museu da Resistência e podem ser lidos os nomes de todos os presos que ali viram anos de vida ser asfixiados pelas mãos da tortura e dos trabalhos forçados. Não são precisas grandes descrições quando entramos na conhecida frigideira, um dos espaços de tortura mais conhecidos. O campo é feito de paredes envelhecidas e chão. Pequenas placas aludem à imaginação, ao indicar em que ponto estamos: cozinha, enfermaria, sala de refeições, celas. A informação sobre a história, as atrocidades desumanas, os 36 anos que prisão acolheu, primeiro, antifascistas portugueses e, depois, prisioneiros oriundos dos movimentos de libertação de Angola, Guiné e Cabo Verde, é quase nula. Além de um pequeno vídeo explicativo à entrada, o resto do campo é desprovido de esclarecimentos e de elementos explicativos.
Na semana passada, foi aberto um concurso público para a reabilitação do Campo do Tarrafal, inserido no Plano Nacional de Reabilitação de Edifícios Históricos e Religiosos, traçado pelo Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde. O concurso está aberto até 5 de dezembro, e a intervenção, que deverá ter um prazo de execução máximo de oito meses, está orçada em 35 milhões de escudos (perto de 320 mil euros).
Já fora de Chão Bom, na modesta vila piscatória do Tarrafal, a pequena praia é o principal atrativo. É gabada como a melhor praia de Santiago pelos habitantes. As águas mornas e a areia branca fazem-na apetecível face ao calor que assola a ilha.
Boavista, o colo das tartarugas
A Boavista assume-se um imenso deserto de areia fina branca e extensas praias de água azul. É um destino de sol e mar, com uma oferta consolidada de resorts all inclusive. Sal Rei é o centro urbano da ilha, ainda pouco desenvolvido, onde vivem perto de dois mil habitantes. É dentro dos hotéis que o quotidiano dos turistas se desenrola, entre as piscinas, a praia, e as várias atividades de entretenimento organizadas pelas unidades. Fora das portas dos resorts, é possível fazer passeios de moto-quatro ou jipe, visitar o Deserto de Viana, fazer snorkeling ou mergulho. A desova das tartarugas é, contudo, a atração principal e imperdível para quem visita a ilha.
Boavista é o terceiro local mais importante, a nível mundial, para esta atividade, sendo ultrapassada apenas pela Flórida (Estados Unidos) e Omã (país da Península Arábica). No ano passado foram registados 124 mil ninhos, sendo a principal espécie a tartaruga comum ou caretta. Há diversas associações e voluntários na Boavista que se dedicam à proteção destes animais. As visitas às praias, durante a noite, onde é possível ver as tartarugas a nidificar, constituem uma forma de angariar fundos para a preservação das espécies. Além de ver as tartarugas adultas a fazer os ninhos, é também possível, muitas vezes, assistir às crias a irromper a areia rumo ao mar. É, sem dúvida, uma noite imperdível e uma das experiências mais ímpares que Cabo Verde oferece.