“Turismo investe muito pouco em tecnologia”
Normalização da linguagem utilizada, orçamento específico para investimento em tecnologia e as mais-valias da transformação dos destinos em ‘smart destinations’ são alguns temas que Pedro Seabra, CEO e partner da Viatecla, empresa que desenvolve software para o turismo, reconhece que precisam de ser aprofundados, mas para os quais a empresa que lidera já tem soluções.

Raquel Relvas Neto
Normalização da linguagem utilizada, orçamento específico para investimento em tecnologia e as mais-valias da transformação dos destinos em ‘smart destinations’ são alguns temas que Pedro Seabra, CEO e partner da Viatecla, empresa que desenvolve software para o turismo, reconhece que precisam de ser aprofundados, mas para os quais a empresa que lidera já tem soluções.
Nos dias-de-hoje, a tecnologia no Turismo é algo inevitável. O desenvolvimento turístico não existe sem o desenvolvimento tecnológico. Contudo, apesar desta relação intrínseca, a percepção do valor da tecnologia é complexa e pouco reconhecida por grande parte dos palyers do Turismo nacional. “É uma área onde ainda se investe muito pouco em tecnologia, sendo um setor que hoje depende totalmente da tecnologia e isso é um contra-senso”. Pedro Seabra dá como exemplo áreas como a banca ou a distribuição, nas quais existe “sempre um orçamento avultado e nesta área [Turismo] as pessoas continuam a não entender quanto é crítico soluções fortes e a necessidade de investimento, porque é contínuo”.
A inexistência de standards, ou seja, de normas na linguagem tecnológica utilizada, dificulta e, consequentemente, encarece as soluções tecnológicas no Turismo. Este é “um negócio que depende muito da interoperabilidade, que é claramente o que descreve o Turismo – trabalhar em rede, estar interligado em tempo real – e isso exige que os sistemas tenham interoperabilidade entre eles ou que as empresas conversem entre elas, mas não há qualquer preocupação em olhar para standards e formatar as mensagens que são tratadas de uma forma normalizada”. Dando o exemplo da banca, onde existem normas, “se quero falar com o banco A, B ou C falo sempre da mesma maneira”, indica. O que já não acontece, por exemplo, na distribuição turística, onde “um operador faz o seu sistema para partilhar informações com outros e inventa a forma como partilha os dados e não se preocupa em ver o que são as normas”. Segundo o CEO da Viatecla, as normas de linguagem existem, “mas ninguém as cumpre, infelizmente nem os GDS as cumprem e, por isso, este setor traz um ponto crítico: com cada parceiro que tenho de me interligar, tenho de falar a língua dele. (…) Se todos os operadores portugueses, por exemplo, falassem a mesma língua tornavam as coisas muito mais simples. Os sistemas eram todos normalizados e falavam muito mais facilmente uns com os outros”.
Contudo, o responsável reconhece que este problema tem uma dependência muito mais global, pois cada ‘broker’ internacional de hotelaria “tem esse mesmo problema”. E exemplifica: “Um hotel não tem um identificador único, ao contrário de outro tipo de produtos que são comercializados noutros setores. Um hotel é identificado de forma distinta por cada ‘broker’ e, por isso, existe o desafio de ter que o mapear”.
Porém, “podíamos dar esse passo”, defende. “Se não forem os players que têm o poder negocial do produto a impor e a ter essa sensibilidade, nunca há uma mudança [na normalização da linguagem]”, refere.
Pedro Seabra considera que, de facto, “a tecnologia no Turismo é um desafio bastante grande e extremamente complexo. Temos a tendência de desprezar ou simplificar a complexidade. O negócio do Turismo tem regras muito complexas e funciona em tempo real, por isso tem um peso muito grande, mas é isso que estamos a fazer e onde nos especializámos e julgo que o mercado tem nos reconhecido por o fazermos bem”.
Smart Destination
Mas não é só o setor da distribuição turística enfrenta desafios a nível tecnológico. No que diz respeito aos destinos turísticos em si, o responsável defende que deve ser criada uma plataforma de ‘smart destination’ que permita colocar os diferentes ‘stakeholders’ de determinado destino a trabalhar em rede, mas também a partilhar informação na mesma. A utilização da plataforma traz mais-valias para a gestão de um destino, a começar pela gestão de fluxos de turistas, permitindo distribuí-los pelos vários equipamentos ou pontos de interesse ao longo do dia. Aqui, o responsável dá como exemplo a cidade de Amesterdão, na Holanda, “um exemplo de ‘smart destination’ e de mobilidade e controlo de massas” onde, através da colaboração com os operadores móveis, envia mensagens para os turistas sugerindo-lhes a visita a determinada atração onde o tempo de espera é menor.
A monitorização é também uma mais-valia que pode ser feita em colaboração “com alguns ‘players’ que são chave no controlo da movimentação dos turistas”, como sejam as operadoras móveis e os operadores de cartões de crédito. Esta informação vai permitir “ter dados concretos do que é que o destino recebe”, indica, permitindo assim “apresentar métricas para que os empresários possam, de uma forma consciente, decidir não por percepção mas por realidade”.
Permitir a partilha de informação entre os diferentes ‘satkeholders’ que comunicam um destino para garantir a qualidade do mesmo é também um dos objetivos da criação de uma plataforma deste género. “Muitas vezes as entidades que comunicam o destino criam uma marca, um conceito e promovem-no interna ou externamente, ou para mercados-chaves para esse destino, mas, muitas vezes, o ‘trade’ local não está em sintonia com a comunicação que é feita para o exterior”, exemplifica, justificando assim a necessidade de “trabalhar em rede de uma forma ativa e de haver plataformas que ponham todos estes ‘stakeholders’ a falar entre eles e a partilha, não só informação, mas também oportunidades”. Pedro Seabra dá como exemplo a realização de um congresso em determinado destino: “Se puder comunicar ao trade local esse evento de uma forma mais focada, provavelmente presto um melhor serviço a quem nos visita e posso extrair o máximo de oportunidades com isso”.
A Viatecla já encetou vários contactos internacionais com destinos como a Catalunha ou Singapura. No que refere aos destinos portugueses, Pedro Seabra aguarda que, com o novo ciclo de fundos comunitários, “as regiões coloquem isso na sua agenda”. “Hoje, temos uma plataforma capaz de juntar as duas coisas, por um lado, a gestão de informação, por outro lado, a parte transaccionável, onde temos um mecanismo para o fazer de forma muito ágil”.
Soluções renovadas
Uma das principais soluções da Viatecla é o já conhecido Keyfortravel, uma ferramenta modular que abrange não só os vários produtos verticais de Turismo – aviação, hotelaria, pacotes de férias, seguros, produtos especiais, mas que cobre também várias formas de operar seja no B2B – incoming e outgoing, seja no corporate, ou no B2B dos operadores. E esta tem sofrido melhorias a vários níveis.
A versão mobile é uma das abrangidas por estas melhorias recentes e conta com uma nova versão. Com uma oferta tanto para B2C como para o corporate, a solução mobile conta com melhorias sobretudo “na lógica do serviço”. “Acreditamos que o mobile é muito mais utilizado na lógica do apoio ao cliente”, dando um serviço onde este encontra o seu itinerário, os vouchers da viagem e onde tem acesso a toda a documentação, mas através da qual também pode-se ir fazendo ‘cross selling’ de produtos adicionais. “Mas também tenho todos os motores de negócio onde posso pesquisar um voo, hotel um pacote de férias e fazer a transacção”.
Quanto à solução corporate, esta sofreu um redesenho para “responder às necessidades do mercado com várias vertentes, nomeadamente um apoio 100% em termos do mobile”. Esta passa a ser “um instrumento do dia-a-dia do agente, no sentido em que é o canal de comunicação direto com o cliente. Ao cliente permite-lhe ter acesso às suas viagens realizadas e por realizar”. Mas, explica o responsável, esta melhoria na solução mobile para o corporate traz sobretudo “instrumentos muito poderosos para a gestão do dia-a-dia dependendo da organização, seja nas políticas de viagens, seja nos fluxos de aprovação e seja no controlo dos centros de custo. O Keyfortravel passou a suportar múltiplos centros de custo por passageiro num ‘file’ com vários passageiros”. “Esta solução é também para empresas em si, como multinacionais, ou seja, uma organização pode ter o Keyfortravel e usá-lo como ferramenta de ‘procurement’ e de gestão das suas viagens; ou para uma TMC, uma agência corporate que tem os seus clientes e define essas regras por cada cliente”, indica.
Já há 20 anos no mercado, o Keyfortravel vai contar também com um novo ‘frontoffice’, que vai fornecer mecanismos mais ágeis para que o agente se foque “em dar as melhores soluções ao seu cliente e prestar um bom serviço e não estando na burocracia”. “Passámos a dar um conjunto de ferramentas que são diferenciadoras no sentido em que permite à agência prestar um serviço premium independentemente do agente que está a servir e isso passa pelas checklist em que posso definir regras em função do tipo de viagens, do tipo de produto ou destino”, esclarece. Às check lists acrescem os classificadores, que permite a cada agência “customizar o tipo de atributos que quer para cada file e tipo de produto, e por isso ter informação adicional para além do que é norma nos sistemas, o que vai permitir aumentar a sua competitividade”. A própria documentação que a plataforma emite também foi a renovada, apresentando agora “um layout mais actual e moderno, mas com toda a informação relevante para o negócio e de uma forma muito mais explícita para o passageiro”, evitando, por exemplo, a entrega dos bilhetes electrónicos emitidos pelos GDS com toda os seus códigos que pode baralhar o passageiro.
No que refere ao também inevitável NDC – New Distribution Capability, standard das companhias aéreas que já está a mexer com o setor da distribuição turística, a Viatecla está também a desenvolver soluções de forma a que os respetivos clientes possam “munir-se de ferramentas” para responder a este desafio. “Do ponto de vista tecnológico, vem aí um desafio muito grande, mas há outra coisa, o que o NDC traz ou promete do ponto de vista de serviço é proporcionar a promessa de uma oferta personalizada a cada passageiro. O objetivo do NDC é dar um serviço personalizado da companhia aérea àquele passageiro e isso é uma mudança de paradigma cada vez maior em relação à realidade da operação”. Para Pedro Seabra, todos os players devem preparar-se para também eles prestarem um serviço personalizado aos seus clientes. Pois, “o NDC foi claramente criado para que as companhias consigam começar a ter um ‘revenue’ focado nos serviços adicionais, porque a tarifa foi muito esmagada com a lógica das low cost e de acompanhar isso. É preciso entender que a promessa do NDC tem a ver cada vez mais com a companhia ter a informação do cliente do lado dela, que com este argumento de prestar um bom serviço vão ficar cada vez mais elas guardiãs do cliente e não a agência. Por isso a agência distrai-se com a questão do acesso ao produto, etc, mas o foco da questão está em prestar cada vez mais um serviço personalizado ao cliente. Que toda a agência vai dizer que é isso que ela já faz, mas na verdade não é bem assim”.
No que diz respeito ao NDC, o CEO da Viatecla explica ainda que, quando se fala em NDC, “temos uma preocupação extrema do ponto de vista tecnológico: Vamos conseguir ligar a todas as companhias aéreas? Certamente que não, provavelmente vamos ligar às companhias que são relevantes para o cliente que temos, que tenha essa preocupação, e outras usaremos agregadores. Já estamos a trabalhar nisso”, indica, realçando que “há aqui um foco de negócio que não deve ser descurado”.