Opinião | Os perigos da excessiva “academização” do ensino superior no turismo
Leia a opinião de João Estêvão, docente do Departamento de Turismo do Grupo Lusófona.
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Vários investigadores têm analisado qual o papel que deverá ser desempenhado pelas universidades na sociedade. Um desses investigadores é Manuel Castells, um dos mais proeminentes sociólogos contemporâneos, para quem as instituições de ensino superior europeias pecam pela excessiva teorização e escassos níveis de utilitarismo da sua investigação, algo que é, em simultâneo, causa e consequência da sua excessiva dependência do Estado.
Consequentemente, segundo o mesmo, na Europa a investigação académica tende a ser, primariamente, um mecanismo de promoção pessoal e profissional dos docentes que a realizam, ao invés de procurar dar resposta aos desafios concretos com que se depara a realidade em seu redor. Castells, que há mais de vinte anos leciona em universidades europeias e americanas de topo, reconhece que a hegemonia do sistema de ensino superior americano reside na sua forte ligação com o mundo exterior, privilegiando a formação de quadros superiores de qualidade e o estabelecimento de parcerias com o tecido empresarial que respondam aos seus problemas e desafios concretos. Assim, a uma universidade europeia tendencialmente mais hermética e académica, corresponde um modelo universitário americano mais aberto, flexível e utilitarista, sobretudo em áreas nas áreas de estudo relacionadas com a economia e a gestão, como o turismo. Ainda segundo Castells, as melhores universidades são as que conseguem aliar a sua investigação aplicada, que dá origem a produção científica publicada, à formação de quadros de qualidade, em estreita relação com a “indústria” e em articulação com as suas necessidades.
No caso do ensino superior português na área do turismo, parece-me claro que as aptidões do corpo docente das instituições deveriam espelhar esta dupla função das universidades. Aí deveriam coabitar, num plano de igualdade hierárquica, académicos com enfoque na investigação com docentes conhecedores da prática profissional dos vários subsetores do turismo e com fortes ligações aos mesmos.
Porém, atualmente, a tutela do ensino superior em Portugal tem vindo a forçar todas as instituições a formar corpos docentes de académicos puros, em que a importância da publicação de artigos científicos se sobrepõe a tudo o resto. Consequentemente, o foco predominante da maioria dos autores de trabalhos de investigação em turismo levada a cabo Portugal passou a ser “o que os artigos que eu escrevo podem fazer pela minha carreira docente” e não tanto “em que medida o meu trabalho de investigação poderá contribuir para a competitividade do setor”.
Posso afirmar com conhecimento de causa que, em regiões de Portugal em que a atividade turística é mais insipiente ou se encontra num estado mais embrionário, as instituições de ensino superior não têm tantas solicitações por parte da “indústria” ao nível da formação de quadros especializados ou de apoio na resposta a desafios concretos por parte das empresas, como outras que apresentam elevados níveis de desenvolvimento e dinamismo, como Lisboa ou o Algarve. Logo, parece-me natural a tendência para que nesses territórios que sofrem de uma certa aridez ao nível da atividade turística, as instituições de ensino superior tenham encontrado na investigação pura, uma justificação para a sua razão de ser e uma forma de autopromoção, não priorizando a relação dinâmico com o setor turístico envolvente.
No entanto, parece-me que esta conceção escolástica do ensino superior em turismo não deverá ser imposta a instituições situadas em centros turísticos de maior dinamismo. Aí, as instituições de ensino deverão munir-se de docentes cuja mais-valia não seja a mera produção de papers desprovidos de qualquer utilitarismo mas, antes, de conhecimentos práticos de e no setor turístico real. Porém, na área do turismo, parece-me que os órgãos responsáveis pela avaliação do ensino superior em Portugal, se limitam a “tolerar” que alguns docentes tenham este perfil ao invés de o valorizarem.
No atual cenário de “academização” forçada do ensino superior português em turismo, temo que os docentes com maiores aptidões técnicas e rede de contactos no setor sejam gradualmente canalizados para o ensino profissional ou, em última análise, optem por abandonar o ensino.