O Anteprojecto de transposição da Directiva das Viagens Organizadas
Leia a opinião Carlos Torres, Advogado. Professor ESHTE/ Católica Porto BS.
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1) Introdução
Rodeado de grande secretismo até meados do mês, o Anteprojecto foi divulgado em 26 de Dezembro a todos os associados da CTP – uma meritória iniciativa da SET para alargar o âmbito da discussão do estruturante diploma europeu – dispondo dum exíguo prazo, até 4 de Janeiro, para se pronunciarem sobre um texto com graves deficiências. Manifesta escassez de tempo porquanto estamos na presença de um dos mais importantes marcos legislativos do Turismo deste século, que se projecta muito para além das agências de viagens, aplicando-se a todos os prestadores de serviços turísticos, designadamente empreendimentos turísticos, alojamento local, companhias de aviação ou rent-a-car que combinem os seus próprios serviços com os de outros prestadores.
2) Elevado nível de defesa do consumidor, harmonização do mercado interno, PMEs e a questionável opção de responsabilizar os retalhistas
A nova Directiva das Viagens Organizadas embora reforce a protecção do consumidor permite expressamente que os retalhistas não sejam responsabilizados (art.º 13º, nº 1 da Directiva). É normal esta dupla ordem de valores do legislador europeu, em primeiro lugar coloca os consumidores e, de seguida, as PMEs em razão do seu peso económico e da forte criação de emprego que representam: “Tourism plays a central role in Europe’s economy today. With some 1.8 million businesses, mostly SMEs, employing 5.2% of the total workforce, the European tourism industry is an engine for growth in the EU.” (Proposal for a Directive on package travel and assisted travel arrangements). Sucede que o nº 3 do art.º 35º do Anteprojecto opta por responsabilizar os retalhistas: “No caso de viagens organizadas, as agências de viagens e turismo organizadoras respondem solidariamente com as agências retalhistas.” Uma opção questionável do legislador português atenta a possibilidade de afastar a solidariedade dos retalhistas. Com efeito, segundo De La Haza Días o organizador assume uma obrigação de resultado, “o seu âmbito de actuação será o relativo a toda a actividade profissional e empresarial necessária para que se concretize a viagem organizada; entra na sua esfera exclusiva, como programador do pacote e como contratante com as diferentes empresas que vão realizar as prestações directamente ao consumidor […] e nestes casos, tomar todas as medidas adequadas para que, com as modificações necessárias, a viagem possa continuar se satisfaz o turista ou que ele regresse se tal não sucede”. No entanto, para a referida autora, o âmbito de actuação do retalhista é substancialmente diferente e mais reduzido: “A obrigação que assume o retalhista é de uma actividade diligente, não de resultado; o seu labor é a venda de viagens previamente programadas pelo organizador”. Esta distinção e a própria natureza das obrigações de organizador e retalhista é fundamental na hora de estabelecer o seu âmbito de responsabilidade na execução do package holiday.
3) Os operadores terão de suportar comparativamente à actual legislação um esforço maior
As obrigações em matéria de protecção dos consumidores aquando da insolvência de operadores foram substancialmente reforçadas pelo novo quadro europeu, na sequência de várias decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (arts 17º a 19º).
Deixa de haver limites de responsabilidade, como sucede actualmente, ou seja, já não se pode consagrar o “montante máximo global, por cada ano civil, de € 1 000 000” (art.º 31º/2 da actual lei das agências de viagens). Se um operador falir em época alta e deixar consumidores no destino, havendo que pagar 20 milhões a companhias aéreas para o seu repatriamento, 10 milhões a hotéis para aqueles que se encontravam no destino fazerem o check-out e reembolsar os que não viajaram em 15 milhões, o legislador europeu impõe que esses 45 milhões estejam imediatamente disponíveis. Sem qualquer burocracias, de forma imediata e efectiva. Em Portugal não se estudou adequadamente este novo quadro, os 4 milhões existentes no fundo de garantia dariam alguma folga desde que existisse um limite anual da responsabilidade. Mas não pode existir esse limite, pelo que as expectativas criadas aos operadores de, perante o novo quadro europeu, o fundo continuar sem significativas contribuições anuais proporcionais à facturação são infundadas. O sistema constante do Anteprojecto assenta na responsabilização dos retalhistas, na expectativa de o fundo ir resistindo – uma espécie de roleta russa entre consumidores e PMEs – de molde a que não haja contribuições adicionais.
No exemplo acima referido, os retalhistas que comercializaram esses pacotes respondem, em primeiro lugar, quando o operador colapsa. Tendo de pagar os bilhetes às companhias áreas para os viajantes regressarem a Portugal, suportar as contas do hotel e reembolsar os viajantes que tinham férias marcadas para as próximas semanas ou meses. O fundo de garantia só protege os viajantes quando os retalhistas que comercializaram os packages do operador falido por sua vez colapsarem. Entretanto, todas as outras empresas que não comercializaram serviços desse operador começam a receber notificações para contribuições adicionais para o fundo. Receberão mensal ou semanalmente tantas quantas forem necessárias para repor o fundo que está em 40 milhões negativos, provocando novos colapsos daquelas empresas que não conseguem suportar este ritmo alucinante de contribuições adicionais, apesar de não comercializarem serviços do operador falido.
O sistema de contribuições adicionais contemplado no Anexo I é também ele injusto. As grandes organizações pagam proporcionalmente menos que as PMEs. Ou seja, a base contributiva do sistema são as PMEs criando um bónus para as grandes organizações que criam o risco. É também um sistema que pode atrair pelo seu baixo custo (pagam tão somente 2 500€ mesmo que tenham um volume de negócios de 100, 200 ou 300 milhões – art.º 38º/1 Anteprojecto) os operadores doutros Estados membros que exigem contribuições anuais elevadas dos seus operadores. Se esse operador colapsar será o nosso fundo de garantia que responderá pelos milhões que tiverem de ser pagos em repatriamentos e reembolsos. Basta pensarmos no caos empresarial decorrente de casos como os da Low Cost Travel ou da Monarch se tivessem optado pelo nosso fundo de garantia.
Atenta a fragilidade do sistema constante do Anteprojecto, que não atende minimamente aos interesses dos consumidores nem das PMEs retalhistas, há que instituir, em seu lugar, um financiamento do fundo de garantia proporcional ao volume de negócios de viagens organizadas e serviços de viagens conexos, de molde a garantir efectivamente a protecção dos viajantes e a estabilidade do mercado.
*Por Carlos Torres, Advogado. Professor ESHTE/ Católica Porto BS