Viagem organizada na nova Directiva: muito mais que a tradicional brochura impressa ou em formato digital (2ª parte)
Por Carlos Torres, advogado, professor ESHTE/Católica Porto BS/ULHT.

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Tradicional brochura, viagem por medida, pre-arranged / customised packages, simples publicitação como pacote turístico ou similar, caixas-oferta e click-through packages, evidenciam um considerável alargamento do conceito legal de viagem organizada.
1) O célebre caso Gonçalves Garrido
Existindo vários casos apreciados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre a Directiva de 1990, o caso Gonçalves Garrido é o único referido pelo legislador de 2015, fazendo-o para salientar que “deverá ser indiferente o facto de os serviços de viagem serem combinados antes de ter sido estabelecido qualquer contacto com o viajante ou a pedido ou segundo as escolhas feitas por este.” (considerando 8). Ou seja, do clássico package holiday em que os serviços de viagem são combinados pelo operador antes de oferecidos ao público (“antes de ter sido estabelecido qualquer contacto com o viajante”) até ao clássico conceito de viagem por medida em que os serviços de viagem são escolhidos pelo consumidor.
No processo C-400/00, o consumidor português Alberto Carlos Lobo Gonçalves Garrido adquiriu a uma empresa portuguesa uma viagem que incluía os bilhetes de avião e o alojamento durante duas semanas, em regime de pensão completa, num estabelecimento hoteleiro em Gregolimano (Grécia). A viagem não constava de qualquer brochura da agência de viagens sedeada no Porto, que adquiriu a estada à agência de viagens Club Med Viagens Lda, sendo esta última que efectuou as marcações necessárias para o alojamento, refeições e transferes, elaborou e publicou o programa da estada e fixou o seu preço global com tudo incluído.
Sucede que o empreendimento se encontrava infestado por milhares de vespas, impossibilitando o cliente e a sua família de gozarem plenamente as férias durante todo o período em que aí permaneceram, não tendo, por outro lado, sido atendido o pedido imediato de serem transferidos para outro empreendimento por a Club Med não dispor de alternativa.
Quando regressou a Portugal o cliente recusou-se a pagar o preço da viagem acordado com a agência de viagens sedeada no Porto, a qual intentou uma acção no Tribunal da Comarca do Porto para obter a condenação do consumidor no respectivo pagamento. O consumidor invocou o direito de rescisão após o início da execução da viagem alicerçado nas condições defeituosas do hotel contratado, enquanto a agência de viagens pretendeu excluir a aplicação da legislação europeia dado não ter sido cumprida a exigência de combinação prévia prevista no art.º 2º, nº 1, ou seja, como foi o cliente que organizou a sua própria viagem não seria aplicável a Directiva 90/314/CEE. A escolha dos serviços de viagem pelo próprio cliente excluiria a disciplina europeia de protecção do consumidor.
A primeira questão prejudicial colocada pelo Tribunal do Porto ao TJUE recaiu, assim, sobre o art.º 2º, nº 1 da Directiva 90/314/CEE: “As viagens organizadas pela agência, a pedido e por iniciativa do consumidor ou de um grupo restrito de consumidores em conformidade com as suas solicitações, que incluam transporte e alojamento em empreendimento turístico, por um preço com tudo incluído, excedendo vinte e quatro horas ou inclua uma dormida, são abrangidas pelo âmbito de aplicação da noção prevista no artigo 2.°, n.° 1, da directiva comunitária sobre ‘viagens organizadas’?”.
O TJUE respondeu de forma positiva à primeira questão, considerando que a definição do art.º 2º nº 1 da Directiva de 1990 não contém nenhum elemento que impeça que as referidas viagens moldadas pelo consumidor não possam ser consideradas como viagens organizadas. Quanto à segunda questão o TJUE entendeu que a expressão combinação prévia “abrange necessariamente as situações em que a combinação de serviços turísticos resulta das exigências específicas expressas pelo referido consumidor até ao momento em que as partes chegam a acordo e celebram contrato.”.
2) À pré-combinação antes da oferta ao público (brochura) e à viagem por medida acrescem cinco combinações de serviços que o legislador europeu de 2015 considera viagens organizadas
O legislador não esgota as suas preocupações na tradicional combinação prévia por um único operador ou pela possibilidade de o viajante moldar os diferentes serviços de viagem junto daquele, perspectivando outras possibilidades: “Tendo em conta a evolução do mercado, importa definir com maior precisão o conceito de «viagem organizada» em função de outros critérios objetivos respeitantes sobretudo à forma como os serviços de viagem são apresentados ou adquiridos e relativamente aos quais os viajantes tenham expectativas legítimas de estar protegidos pela presente diretiva.” (considerando 10).
Entrando na enumeração de tais situações, vejamos a primeira prevista no considerando 10:
“sejam adquiridos diferentes tipos de serviços de viagem para a mesma viagem ou as mesmas férias através de um único ponto de venda e tais serviços tenham sido selecionados antes de o viajante aceitar o pagamento, ou seja, no âmbito do mesmo processo de reserva” [customised packages – art. 3º, nº 2, alínea b), i)].
Segunda situação:
“caso tais serviços sejam propostos para venda, vendidos ou faturados por um preço global” [art.º 3º, nº 2, alínea b), ii)].
Terceira situação:
“sejam publicitados ou vendidos sob a designação «viagem organizada» ou outra expressão análoga, que indique uma estreita ligação entre os serviços de viagem em causa. Tal expressão análoga pode ser, por exemplo, «venda combinada», «tudo incluído» ou «pacote turístico» [art.º 3º, nº 2, alínea b), iii)].
Do considerando 11 resultam duas outras possibilidades de integração no conceito legal de viagem organizada, a primeira relativa às caixas-oferta:
“os serviços de viagem combinados na sequência da celebração de um contrato pelo qual um operador concede a um viajante a possibilidade de escolher entre uma seleção de diferentes tipos de serviços de viagem, como sucede com as caixas de oferta de viagens organizadas.” [art.º 3º, nº 2, alínea b), iv)].
A segunda relativa aos click-through packages:
“uma combinação de serviços de viagem deverá ser considerada uma viagem organizada caso o nome do viajante, os dados de pagamento e o endereço de correio eletrónico sejam transmitidos entre os operadores e caso outro contrato seja celebrado o mais tardar 24 horas após a confirmação da reserva do primeiro serviço.” [art.º 3º, nº 2, alínea b), v)].
*Por Carlos Torres, advogado, professor ESHTE/Católica Porto BS/ULHT