Carlos Torres | Agências de viagens: crónica de uma morte anunciada
Advogado. Professor ESHTE/ Católica Porto BS/ ULHT – Blog Carlos Torres Tal como no romance de Gabriel Garcia Marquez, as primeiras linhas deste texto são a anunciada morte do estatuto legal […]

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Advogado. Professor ESHTE/ Católica Porto BS/ ULHT – Blog Carlos Torres
Tal como no romance de Gabriel Garcia Marquez, as primeiras linhas deste texto são a anunciada morte do estatuto legal das agências de viagens (o jovem Santiago Nasar) perpetrada pela nova legislação europeia das viagens organizadas (sucumbindo às facadas dos irmãos de Ângela Vicário, vingando a desonra desta). No romance “Crónica de uma morte anunciada”, quase todos os habitantes do lugar onde vive Santiago, sabem antecipadamente do homicídio premeditado – daí o título – pelos irmãos gémeos Pedro e Pablo, mas nada fazem para proteger a vítima.
O mistério do livro de Garcia Marques está em descobrir quem desonrou Ângela Vicário, que mente sobre o seu autor para proteger alguém de quem gostava. O mistério deste meu texto é tentar descobrir porque nada se fez e sobretudo nada se diz sobre o fim do estatuto legal das agências de viagens que passarão a ter ao seu lado como concorrentes, desenvolvendo uma actividade que até agora a lei lhes reservava, a generalidade dos prestadores de serviços turísticos, designadamente hotéis, companhias de aviação, rent-a-cars e estabelecimentos de alojamento local. Eliminando-se a exclusividade, as actividades próprias, enfim as traves mestras de um regime jurídico que nos últimos decénios estruturou o seu negócio e que elas julgam fazer parte do seu ADN empresarial.
O que sobrou da Directiva Bolkestein ou dos Serviços, publicada há 10 anos, é agora derrubado por esta directiva das viagens organizadas de 2015, sem que exista qualquer reacção para alterar o rumo dos acontecimentos. O aspecto mais preocupante é o seguinte: enquanto na Directiva das viagens organizadas de 1990, que inspira a actual lei das agências de viagens, se previam apenas a agência organizadora e a vendedora, na actual a definição de operador prevista no nº 7 do art.º 3º é extraordinariamente ampla: “qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada, que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue, inclusive através de outra pessoa que atue em seu nome ou por sua conta, para fins relativos à sua atividade comercial, empresarial, artesanal ou profissional, quer atue como organizador, retalhista, operador que facilita serviços de viagem conexos ou como prestador de um serviço de viagem;”.
Tenho vindo a alertar para esta situação, o mesmo sucedendo com outros colegas por essa Europa fora, como é o caso do professor italiano Gianluca Rossoni no seu recente artigo sugestivamente intitulado “La nuova direttiva sui viaggi a pacchetto apre definitivamente al trader in concorrenza con le agenzie”. Este silencioso e dissimulado fim do estatuto legal das agências de viagens em Portugal, contrasta com a forte oposição do sector empresarial na Alemanha, o primeiro país a apresentar um draft (anteprojecto) da transposição da Directiva (UE) 2015/2302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos. Foi a partir daí que as empresas reagiram vivamente, ao ponto de neste momento já existir uma petição no Bundestag para impedir a transposição da legislação europeia, não obstante o governo alemão ter apresentado, em 2 de Novembro último, um novo texto melhorando o primeiro que havia sido divulgado em Maio no site ministerial (um bom exemplo de transparência na preparação das leis, contrastando com a opacidade que vem caracterizando a nossa legislação do turismo em que só alguns têm o privilégio de conhecer e contribuir para a futura solução normativa).
Tratando-se de uma directiva, cada Estado-membro terá até 1 de Janeiro de 2018, de efectuar a transposição, aplicando as suas disposições a partir de 1 de Julho desse ano (art.º 28º). Sucede que existem directivas com uma apertadíssima margem de manobra para os Estados-membros, sendo esta precisamente uma delas, é quase um regulamento, como tenho referido, pois de harmonia com o art.º 4º a menos que exista uma norma que o permita não podem os Estados introduzir disposições divergentes da novel legislação europeia, enumerando-se exemplificativamente as que tenham por escopo proporcionar um diferente nível de protecção do viajantes.
Curiosamente – ou talvez não – um dos poucos aspectos que a nova Directiva permite que os Estados-membros tenham alguma margem de manobra é o da não responsabilização do retalhista, a vaexata questio da solidariedade. Em Portugal, embora a Directiva de 1990 não o impusesse, as agências vendedoras ou retalhistas respondem desde 1993, assumindo as responsabilidades dos operadores quando insolventes, prestando caução e mais recentemente contribuindo para o fundo de garantia, com agravante iniquidade de as PMEs terem pago proporcionalmente sete vezes mais que as empresas de grande dimensão. Todavia não se conhece a posição associativa nem a governamental neste domínio: mantém-se a solidariedade das PMEs (retalhistas) com as grandes organizações (operadores) ou responsabilizam-se apenas estas últimas empresas? Na cimeira do turismo alemão, que teve lugar em Berlim, em finais de Setembro, perante as reacções adversas das empresas nos meses anteriores, a chanceler Angela Merkel referiu ter presente a posição das agências de viagens de pequena e média dimensão e de não querer confrontar a indústria do turismo mas não poder deixar de ter em conta os interesses dos consumidores.
Neste texto, tal como no romance, desde a primeira linha que sabemos do fim do estatuto legal das agências de viagens, todos os que no plano legal e/ou associativo lidam nos últimos anos com esta temática o sabem, assistindo silenciosamente ao prenúncio e à consumação das antecipadamente anunciadas letais facadas. Um pouco como se o médico que detecta uma grave doença a oculte durante um longo período, privando o doente de lutar contra ela, revelando-lha last minut perante os sinais de morte iminente, escassos minutos antes de chegar o padre para a extrema unção. Recentemente o governante alemão Gerd Billen, no seu discurso proferido no encontro anual da DRV, defendeu que o draft alemão relativo à transposição da nova Directiva das Viagens Organizadas deveria ser implementado o mais cedo possível porquanto “o sector precisa de tempo para se adaptar às mudanças”. Nessa linha, é importante que a nossa Secretaria de Estado do Turismo divulgue, quanto antes, o draft de transposição da Directiva para que as empresas portuguesas conheçam as suas implicações e possam, tal como as alemãs, procurar alterar o rumo dos acontecimentos, melhorando o que for possível.
Será uma irresponsabilidade e uma tremenda falta de sentido de Estado aceitar que a transposição seja realizada apenas no final dos dois anos, para daí a seis meses já estar a aplicar a nova lei. Com efeito, impera em Portugal uma incompreensível falta de informação sobre as profundas mudanças que o sector vai sofrer, designadamente o fim da exclusividade, ou seja, hotéis, companhias aéreas e até o alojamento local a actuarem na organização e venda de viagens em pé de igualdade com os tradicionais agentes de viagens ou a responsabilidade objectiva associada ao novo e abrangente conceito de viagens organizadas. Anestesiando-se as empresas com milagrosas soluções do ramo segurador, quando na realidade se lhes está a tentar vender uma dissimulada solução do tipo Servilusa, a compra em vida do seu funeral.