Sector quer fiscalização eficaz nas agências de viagens
São um ou dois casos em cerca de 2500 balcões, mas a verdade é que as burlas realizadas por algumas agências de viagens denigrem a imagem que o consumidor final tem do sector. Qual o papel do Turismo de Portugal? Que medidas preventivas se devem tomar para evitar situações futuras? São algumas das questões que colocámos ao sector da distribuição.
Raquel Relvas Neto
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São um ou dois casos em cerca de 2500 balcões, mas a verdade é que as burlas realizadas por algumas agências de viagens denigrem a imagem que o consumidor final tem do sector. Qual o papel do Turismo de Portugal? Que medidas preventivas se devem tomar para evitar situações futuras? São algumas das questões que colocámos ao sector da distribuição.
Em 2015, deram entrada na DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor -, 3408 reclamações sobre Turismo, lazer, restauração e transporte aéreo. Este ano, concretamente até 31 de Agosto, a associação já recebeu 2789 reclamações nesta área. Apesar de englobar o mais diverso tipo de reclamações numa área tão abrangente como o Turismo, a verdade é que o ano turístico para o consumidor português não está a correr da melhor forma, seja por atrasos de voos ou por aviões avariados, burlas de agências de viagens, publicidade enganosa, qualidade do serviço ou falha no cumprimento do pacote de viagens adquirido a uma agência de viagens. Ou então, à semelhança do que já dizia o Provedor do Cliente das Agências de Viagens em Junho de 2015, pelo facto do consumidor final português estar “mais consciente dos seus direitos”. No que diz respeito à área da distribuição, e tendo em conta as mais recentes notícias sobre agências de viagens que burlaram clientes em vários milhares de euros, quisemos saber o que podem as autoridades competentes e o próprio sector de agências de viagens e operadores turísticos fazer para evitar situações futuras deste género.
Liberalização
Está o consumidor final mais consciente dos seus direitos ou está o sector mais propício à entrada de “players” mais duvidosos? Comecemos por recordar que, a partir da publicação do Decreto-Lei n.º 26/2014, de 14 de Fevereiro, o regime de acesso e exercício da actividade das Agências de Viagens e Turismo passou a estar mais facilitado. Para abrir uma agência de viagens em Portugal é então apenas necessário que a empresa esteja inscrita no RNAVT – Registo Nacional das Agências de Viagens e Turismo, como agências de viagens e turismo, podendo assim exercer em território nacional, exactamente, actividades próprias das agências de viagens e turismo. Para o efeito, segundo se pode ler na página oficial do Turismo de Portugal, as empresas deverão efectuar a mera comunicação prévia através da sua regular inscrição no RNAVT, cumprindo os seguintes requisitos de acesso à actividade: pagamento da taxa de registo de € 750,00; subscrição do FGVT – Fundo de Garantia de Viagens e Turismo, no valor de € 2.500,00; e contratação de Seguro de Responsabilidade Civil. Sobre este tema, Paulo Mendes, director-geral da Airmet, grupo de gestão de agências de viagens, refere que, actualmente, “qualquer situação menos positiva que acontece nas agências de viagens é sinal de descrédito do sector perante o consumidor final. Basta olhar para o passado e ver que o fim da Marsans e os problemas decorrentes dessa situação causaram alterações na legislação e foram criados mecanismos com o objectivo de proteger ainda mais os consumidores”. Porém, realça, “estas situações são mais decorrentes, porque o acesso à actividade está facilitado e com um investimento relativamente baixo”. Ou seja, explica: “Qualquer pessoa pode abrir uma agência de viagem, pelo que acredito que não será a primeira nem a última vez que vamos ver na comunicação social este tipo de burlas de agentes de viagens e, consequentemente, a criar uma má imagem às restantes agências”.
Também Pedro Gordon, director-geral do Grupo GEA em Portugal, aponta a facilidade de acesso à actividade como um aspecto menos positivo para estas situações. “Entendo que uma grande parte destas burlas, não todas, mas muitas delas, acontecem por falta de liquidez unido a comportamentos pouco éticos ou sem escrúpulos comerciais”. Por outro lado, reforça, “as alterações que a União Europeia implementou mediante a Directiva Bolkenstein, facilitando e minimizando os requerimentos de investimento em capital social das agências de viagens, acredito que não ajuda a evitar que possam acontecer este tipo de casos”. Apesar de não ser algo inédito, a verdade é que estas situações abalam a confiança que o consumidor final tem na agência de viagens. Opinião unânime de alguns dos players do sector. Pedro Gordon explica que “uma das grandes mais-valias das agências de viagens, além do trabalho de consultoria, assessoria, trato personalizado ao cliente, é a confiança que os clientes têm no seu agente de viagens. Sabem se algo não corre como estava previsto, têm lá um profissional para lhes oferecer soluções”. O responsável considera que estes casos de burla ou de práticas fraudulentas podem, de facto, “prejudicar de forma grave esta imagem de segurança que o consumidor final deposita na sua agência de viagens”. Maria José Silva, CEO da RAVT, vai mais longe. A responsável, também de um grupo de gestão de agências de viagens, destaca que “estes vigaristas defraudam as expectativas do cliente e enganam, bem como estão a denegrir o nome de toda uma classe de excelentes profissionais sérios, experientes, com as suas responsabilidades em dia. Estes casos são uma percentagem residual de um em mais de 2500 balcões, mas o suficiente para os meios de comunicação fazerem sentir que uma grande fatia dos agentes actua de igual forma”.
Players do sector
Quisemos saber o que acontece quando um grupo de gestão de agências de viagens repara que existe uma agência do grupo que está em incumprimento ou a promover más-práticas, se existe uma denúncia e papel activo das mesmas perante as entidades responsáveis. No que diz respeito à RAVT, Maria José Silva frisa que “não temos e nunca tivemos sequer algo que nos levasse a desconfiar de algo semelhante e em proporções tão graves”. Segundo a responsável, “antes que pudesse chegar sequer a falhas mínimas com os próprios fornecedores e a rede, já existe diálogo, acordos e, caso pareça mais grave, são convidados a sair”, além das regras e contratos da própria rede que protegem destas tentativas. No entanto, caso isso se verifique “fazemos denúncia e pedimos para analisar”. Também a Airmet alerta para a ocorrência deste tipo de casos. “É política da Airmet informar todos os seus parceiros comerciais sobre este tipo de situações e, quando necessário, mantemos contactos com as entidades competentes dependendo da gravidade do assunto”, indica. Assim que é detectada uma agência que promove más práticas, o Grupo GEA rescinde contrato com a mesma. Pedro Gordon explica que, “até à data, não temos tido casos de burla perante clientes, pelo que não foi preciso alertar as entidades competentes”. As situações que têm acontecido no seio do grupo, esclarece, são de agências “que incumprem os compromissos de pagamento seja com fornecedores ou com outras agências do grupo”, que são assim convidadas a sair.
Autoridades
Mas e qual o papel das autoridades competentes quando detectadas situações deste género? A 5 de Agosto, o Turismo de Portugal informava, em nota publicada na sua página de Internet, que uma das agências de viagens que burlaram clientes, este início de Verão, se encontrava “em situação de ilegalidade”, uma vez que não cumpria “os requisitos para o exercício da actividade de agência de viagens e turismo”. Segundo o instituto público, o seguro de responsabilidade civil encontrava-se “expirado, pelo que a mesma se encontra a operar sem as garantias legais de protecção do consumidor (nos casos de incumprimento de contrato ou acidente em viagem)”. Este alerta do Turismo de Portugal foi dado dias depois de alguns clientes terem denunciado que haviam sido já burlados pela referida agência de viagens.
“Entendo que uma grande parte destas burlas, não todas mas muitas delas, acontecem por falta de liquidez unido a comportamentos pouco éticos ou sem escrúpulos comerciais”, Pedro Gordon, GEA
Este é um dos exemplos que os ‘players’ do sector consideram ser uma actuação tardia. Maria José Silva defende que as entidades responsáveis têm de actuar “mais rápido”, pois quando vão fiscalizar “já existe fraude ou [as agências de viagem em questão] já fecharam”. Para a responsável da RAVT, estas “não devem deixar de operar agências de viagens que não cumpram os requisitos”, devem ser “mais céleres na fiscalização e alertas de que estas estão em falha nas suas obrigações”. “Existem, actualmente, mecanismos para travar este tipo de situações”, indica Paulo Mendes, dando como exemplo o Fundo de Garantia de Viagens e Turismo (FGVT), criado com o objectivo de proteger os consumidores lesados nestas situações. No entanto, evidencia, “julgo que as entidades competentes, nomeadamente o Turismo de Portugal, deveriam pedir mais garantias aos gerentes das empresas no momento da abertura de uma agência de viagens com o objectivo de acabar com as más práticas do sector”. Por outro lado, acrescenta ainda, a exigência de “um papel mais activo da APAVT na credibilização das agências de viagens junto do consumidor final, que é fundamental para o sector”. Relativamente às entidades responsáveis, Pedro Gordon considera que as medidas a tomar devem estar previstas na Lei das Agências de Viagens e, “se for o caso, judicialmente aplicando responsabilidades penais que correspondam”. Mas, para que a lei “seja bem aplicada, de modo a que proteja o consumidor final, assim como as agências de viagens, deverá haver uma fiscalização eficiente por parte das instituições, do Estado”, refere.
Ao Publituris, a DECO considera que “este sector carece de maior fiscalização por parte das autoridades policiais no que respeita precisamente às burlas e de um papel mais pedagógico por parte da autoridade reguladora – Turismo de Portugal – precisamente na prevenção dos casos de burla”. O Publituris contactou a Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT) para esclarecer alguns aspectos sobre este assunto, mas até à data de fecho não obteve qualquer colaboração. Contudo, a 26 de Agosto, a associação emitiu um comunicado no qual condenava as más práticas que ocorrem no sector sobretudo as alegadas burlas perpetradas por empresas que se apresentam como Agências de Viagens, ou empresas que, estando registadas no RNAVT, não são membros da APAVT. A associação alertou ainda os consumidores para escolherem agências registadas no RNAVT, que sejam aderentes do Provedor do Cliente das Agências de Viagens de Turismo.
Mais transparência?
Além das entidades competentes, também os próprios fornecedores devem ter uma atitude mais proactiva na prevenção destas situações, promovendo, assim, uma maior transparência no sector. Segundo Paulo Mendes, deveria existir “uma maior comunicação entre os vários intervenientes no sector com o objectivo de poder identificar atempadamente este tipo de situações”.
“Julgo que as entidades competentes, nomeadamente o Turismo de Portugal, deveriam pedir mais garantias aos gerentes das empresas no momento da abertura de uma agência de viagens com o objectivo de acabar com as más práticas do sector”, Paulo Mendes, Airmet
Para o Grupo GEA, os fornecedores “não deveriam fornecer serviços às empresas que comprovadamente tenham realizado más práticas”. Em alguns casos, exemplifica Pedro Gordon, “uma empresa fecha portas depois de ter realizado más práticas e, logo a seguir, abre com outro registo, sendo na prática os mesmos titulares do que na anterior”.
Para Pedro Gordon, deve-se estar atento “para no caso de se constatar esta situação deixem igualmente de fornecer serviços a estas novas empresas”. Quanto à CEO da RAVT, Maria José Silva considera que “os operadores devem ter mais cuidado e deixar de vender a todo o cão e gato e verificar se são agentes com RNAVT no mínimo, porque muitas vezes não há grupo nenhum a aceitar agências com registo de falhas de anos com clientes e mesmo assim continuam a alimentar, com ou sem licenças”. No entanto, a responsável sublinha que “quem tem obrigação de fiscalizar o mercado são as devidas entidades oficiais e não os colegas de área que apenas podem não cooperar com quem creêm ser menos fiável como parceiro ou cliente”.