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Quadro europeu das viagens organizadas em discussão pública

Idêntica proteção do consumidor quando adquire um voo diretamente na companhia ou um package a um operador turístico, a criação de um fundo europeu ou a limitação dos pré-pagamentos, são alguns dos pontos em discussão.

Quadro europeu das viagens organizadas em discussão pública

Idêntica proteção do consumidor quando adquire um voo diretamente na companhia ou um package a um operador turístico, a criação de um fundo europeu ou a limitação dos pré-pagamentos, são alguns dos pontos em discussão.

Carlos Torres
Sobre o autor
Carlos Torres

1) Introdução
Decorre até 10 de maio próximo, a consulta pública sobre o reexame das regras da União Europeia em matéria de viagens organizadas, constantes da Diretiva 2015/2302, sobre viagens organizadas e serviços de viagem conexos, em vigor desde 1 de julho de 2018. Trata-se de um quadro normativo que, num curto período, enfrentou dois acontecimentos da maior relevância, a falência da Thomas Cook e a crise do COVID-19.

A Comissão Europeia aprofundará, até ao final do ano, a análise da adequada proteção dos consumidores em aspetos críticos como a insolvência do organizador bem como as ações de proteção dos direitos dos passageiros anunciadas na Estratégia de Mobilidade Sustentável e Inteligente.

2) Harmonização da reforma da Diretiva das Viagens Organizadas e a dos direitos dos passageiros, especialmente do Regulamento 261/2004
Retoma-se uma recorrente discussão sobre a proteção dos consumidores aquando da insolvência de companhias aéreas (as ajudas estatais motivaram que durante a pandemia ocorresse um número inferior), de molde que o consumidor se encontre protegido ao adquirir um serviço isolado. Pretende-se, assim, que a aquisição de um bilhete de avião desfrute futuramente de idêntica proteção à conferida num package, em que o operador turístico suportará o custo de contratar outra companhia aérea, sem qualquer alteração do preço.

3) Suspensão do dever de reembolsar, vouchers standard ou a criação de um fundo europeu
A obrigação de o organizador reembolsar os consumidores no prazo de 14 dias, especialmente quando os prestadores de serviços, maxime companhias aéreas, retiveram largos meses o valor de voos não realizados em consequência pandemia, constitui outro aspeto importante. Disciplinar de uma forma eficaz os reembolsos, seja no plano B2C ou, mais dificilmente, no B2B em razão das várias legislações que regulam a cadeia de serviços, é crucial nas situações em que o package não se realiza devido a circunstâncias inevitáveis e excecionais, conceito no qual se enquadraram os massivos cancelamentos de viagens imputáveis ao COVID-19.

Equaciona-se a criação de uma cláusula geral que contemple pandemias e outras situações graves, permitindo uma maior flexibilidade nas relações com os consumidores, evitando falências. Nesse âmbito, o voucher de aceitação obrigatória constitui uma das medidas possíveis, a suspensão do dever do restituir com fundamento na mora do prestador de serviços ou ainda a criação de um fundo europeu surge como a solução mais consensual e sustentável para consumidores e empresas, embora o seu financiamento não seja uma tarefa isenta de escolhos.

Naturalmente que esse fundo europeu terá caracter subsidiário, o que pressupõe que ao nível de cada Estado-Membro as diferentes soluções sejam uniformes e, sobretudo, efetivas no sentido do art.º 17º da Diretiva. Cada Estado deve garantir o reembolso de todos os pagamentos efetuados pelos viajantes quando a viagem não se realize, ou, ocorrida a falência no seu decurso, custear e disponibilizar prontamente os dispendiosos repatriamentos e despesas de alojamento. Sistemas como o inglês ATOL ou o recente “Reisesicherungsfonds” alemão, instituído depois da falência da Thomas Cook, garantem a proteção do consumidor, mas existem diversas falhas noutros países que têm de ser colmatadas.

4) Limitação dos pré-pagamentos dos consumidores
Para diminuir os riscos de insolvência, está em cima da mesa uma proposta de limitação dos pré-pagamentos por parte do viajante, os quais são numa parte significativa transferidos para os diferentes prestadores de serviços, sobretudo para os que dispõem de maior poder negocial, v.g. companhias aéreas e cadeias hoteleiras.

A oferta de packages tem vindo a diminuir significativamente – de 23% do volume dos produtos de viagem vendidos em 2013, só representaram 9% em 2017 – pelo que a restrição com forte impacto na tesouraria afastará alguns operadores, definhando a oferta do produto.

5) Serviços de viagem conexos
Comparativamente a 1990, o novo quadro europeu de 2015 trouxe, a par do considerável alargamento do conceito de viagem organizada, de o organizador passar a abranger uma multiplicidade de empresas designadamente companhias aéreas, hotéis e rent-a-cars, a criação de uma nova categoria, os serviços de viagem conexos. Tal como nas viagens organizadas, na nova figura o consumidor beneficia de proteção na insolvência, mas já não terá um organizador assumindo a responsabilidade do que correr mal nos diferentes serviços de viagem, sendo cada um dos prestadores a responder diretamente perante aquele.

Trata-se, no entanto, de um conceito complexo, requerendo um esforço adicional do legislador europeu na sua clarificação. Pretendia o legislador europeu que as companhias aéreas utilizassem esta nova figura, conseguindo-se, assim, a almejada proteção na insolvência, mas tal desiderato saiu completamente gorado.

Sobre o autorCarlos Torres

Carlos Torres

Jurista e professor na ESHTE
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