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A ajuda estatal portuguesa à TAP e os juízes europeus

Não se trata de qualquer vitória da ‘low cost’ irlandesa, pois se os juízes tivessem entrado no fundo da questão, na apreciação das questões que suscita de forma reiterada, o recurso teria merecido uma decisão negativa.

A ajuda estatal portuguesa à TAP e os juízes europeus

Não se trata de qualquer vitória da ‘low cost’ irlandesa, pois se os juízes tivessem entrado no fundo da questão, na apreciação das questões que suscita de forma reiterada, o recurso teria merecido uma decisão negativa.

Carlos Torres
Sobre o autor
Carlos Torres

No caso da TAP, a falha, caso exista, é da Comissão. Por outro lado, o juiz europeu transpôs indevidamente, para a TAP, os argumentos e preocupações de duplicação de auxílios mercê de a KLM integrar o mesmo grupo da Air France.

Nos dois artigos recentemente publicados online, analisámos os recursos da Ryanair no tribunal europeu sobre as ajudas de Estado às companhias tradicionais suas concorrentes, invariavelmente recusados pelos juízes europeus.

O caso da TAP (1,2 mil milhões de euros de molde a permitir a sua atividade entre julho e dezembro de 2020) difere dos anteriores. O tribunal não se ocupou dos requisitos materiais subjacentes à ajuda de Estado apreciada pela Comissão, mas num requisito formal: a falta de fundamentação na decisão da autoridade europeia da concorrência.

A Comissão adotou a respetiva decisão considerando que a medida em causa constituía um auxílio de Estado à luz do artigo 107.º/3/c) TFUE e das Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade (JO 2014, C 249).

Tal como noutras ajudas de Estados-Membros às companhias aéreas, a Ryanair argumentou que, ao contrário da TAP (a sua principal concorrente em Portugal), não beneficiou de um empréstimo de Estado, sendo, por isso, penalizada em termos de concessão de empréstimos, maxime no que concerne à taxa de juro.

Ora, segundo o tribunal, o ponto 22 das Orientações enuncia três requisitos cumulativos que permitem considerar um auxílio compatível com o mercado interno, quando concedido a uma sociedade que faz parte de um grupo. Deste modo, a Comissão deve examinar:

1) se o beneficiário do auxílio faz parte de um grupo e a sua composição;

2) se as dificuldades com que o beneficiário se depara lhe são específicas e não resultam de uma afetação arbitrária dos custos no âmbito do grupo; e

3) se essas dificuldades são demasiado graves para serem resolvidas pelo próprio grupo.

No entanto, segundo o tribunal, não decorre da decisão a demonstração que as dificuldades da TAP lhe eram específicas e não resultavam de uma afetação arbitrária dos custos no âmbito do grupo, alegadamente constituído pela transportadora e os seus acionistas. Também não expõe a situação financeira das sociedades acionistas da TAP, nem a sua eventual capacidade para resolver, mais que não fosse em parte, as dificuldades deste último.

A procedência deste fundamento determinou a desnecessidade de analisar os demais fundamentos invocados pela Ryanair, conduzindo à anulação da decisão da Comissão por falta de fundamentação. Contudo, mantiveram-se os efeitos da decisão anulada, em função das considerações imperiosas de segurança jurídica previstas no art.º 264.º/2 TFUE, através das quais o juiz da UE pode, ex officio, limitar o efeito da anulação no seu acórdão.

Esta censura do Tribunal Geral à Comissão, considerada por alguns especialistas uma afronta à autoridade da concorrência, também teve idêntico desfecho relativamente à ajuda dos Países Baixos à KLM, no montante de 3,4 mil milhões de euros. Também aqui o Tribunal Geral anulou a decisão por falta de fundamentação, mas suspendeu os efeitos da decisão. A Comissão deveria ter tido em consideração o facto de a KLM pertencer ao mesmo grupo da Air France, tendo igualmente beneficiado de auxílios do Governo francês.

Para o Tribunal Geral, quando houver motivos para recear os efeitos sobre a concorrência da cumulação de auxílios de Estado no interior de um mesmo grupo, compete à Comissão examinar com especial atenção as ligações entre as empresas pertencentes a esse grupo, a fim de verificar se este último pode ser considerado uma unidade económica única – e, portanto, um único beneficiário – para efeitos de aplicação das regras em matéria de auxílios estatais. O tribunal observa que a decisão impugnada não contém quaisquer informações relativas à composição dos acionistas da Air France e da KLM quanto às ligações funcionais, económicas e orgânicas entre a holding Air France-KLM e as suas subsidiárias.

Sendo os dois acórdãos da mesma data – 19 de maio de 2021 –, é indubitável a necessidade de fundamentação relativamente à KLM, mas questionável no que concerne à TAP, a qual acabou por levar por tabela. Com efeito, o tribunal europeu podia ter ponderado a diferença entre os acionistas da holding Air France-KLM e os da TAP. Relativamente a esta última, a seguir ao Estado, o seu acionista privado mais forte era o Atlantic Gateway Consortium, sendo que o americano-brasileiro David Neeleman tinha, entretanto, saído da estrutura acionista.

Embora de forma superveniente à decisão da Comissão, o Tribunal Geral podia, no caso da TAP, ter equacionado negativamente a cumulação de auxílios estatais, que manifestamente não existiram nem poderiam ter existido, e entrar na apreciação dos tradicionais fundamentos invocados pela Ryanair. Nos casos anteriores de ajudas a companhias aéreas, isso não foi feito e noutros sectores também não.

Não se trata, assim, de qualquer vitória da low-cost irlandesa, pois se os juízes tivessem entrado no fundo da questão, na apreciação das questões que suscita de forma reiterada, o recurso teria merecido uma decisão negativa como nos casos anteriormente referidos nos dois artigos online.

 

Sobre o autorCarlos Torres

Carlos Torres

Jurista e professor na ESHTE
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