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Quem beneficia com a xenofobia aeronáutica e com a “Lisboetização” da aviação?

A análise às recentes declarações do ministro de Estado, da Economia e Transição Digital, Pedro Siza Vieira, no 46.º Congresso da APAVT, relativamente à opção por se optar voar na TAP e não noutras companhias.

Quem beneficia com a xenofobia aeronáutica e com a “Lisboetização” da aviação?

A análise às recentes declarações do ministro de Estado, da Economia e Transição Digital, Pedro Siza Vieira, no 46.º Congresso da APAVT, relativamente à opção por se optar voar na TAP e não noutras companhias.

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

Começo por dizer aquilo que eu esperaria do ministro de Economia ao falar sobre a aviação estrangeira em Portugal no último congresso da APAVT, citando os exemplos que o próprio escolheu: “Obrigado TAAG por teres assegurado, durante anos, a única ligação regular sem escalas entre o Porto e África. Obrigado Azul por teres escolhido, entre tantas outras opções, Lisboa como o único aeroporto da Europa ligado diretamente a Campinas e por teres sido, durante anos, a única companhia aérea brasileira a operar no nosso País … como posso, enquanto ministro da Economia, acolher-vos melhor, promover mais investimento e assegurar que Portugal continuará a ser, apesar da sua pequena dimensão, da sua débil infraestrutura e do seu sistema fiscal empresarial desencorajador, um dos vossos mercados internacionais prioritários?”

Visitando o Museu do Apartheid em Joanesburgo entendi que a xenofobia racial era muito mais complexa do que a simples segregação entre brancos e os outros. Havia todo um sistema educativo e até científico (!) que explicava as razões e os benefícios para os “outros” dessa diferenciação institucionalizada. Visitando o Museu da Stasi (o KGB da antiga RDA) em Berlim fui confrontado com a xenofobia política e ideológica que usava simultaneamente argumentos filosófico-económicos doutrinais e mecanismos de censura, controlo, tortura, exclusão, omissão e eliminação de fatos, pontos de vista e pessoas que pensassem diferente. O museu a céu aberto que são as eleições democráticas no Ocidente, colocam-nos ciclicamente perante candidatos que, de uma forma ou outra, se referem, por vezes com recurso a estatísticas ou outros dados “objetivos”, a pessoas de tal religião como potenciais terroristas ou a tal grupo como abusadores da segurança social. Chamemos-lhe de xenofobia étnico-religiosa.

Com argumentos económico-comerciais quase lógicos baseados na balança de pagamentos do país, defendeu o Ministro da Economia (de mercado) de Portugal que os Portugueses, nas suas deslocações para o estrangeiro – nomeadamente Angola ou Brasil – viajassem na TAP em vez de usarem a TAAG ou a Azul. Ou algo assim. Estranho apenas que, só agora, o Ministro se incomode com essa situação que se repete há décadas por todos os outros aeroportos do País sem nunca ter manifestado qualquer mal-estar que tal fato seguramente provoca, nos mesmos termos, na nossa balança comercial. Acordou agora por se tratar de Lisboa? Extrapolando: será muito mais conveniente para Boris Johnson que os Britânicos passem a fazer as suas férias balneares nas praias de Brighton ou de Jersey (que, graças às alterações climáticas e à pandemia até provaram ser uma alternativa satisfatória) do que irem gastar as suas libras esterlinas para os hotéis e restaurantes do Algarve. Acredite, senhor Ministro, isso seria ótimo para a hotelaria de sua Majestade e para a balança comercial inglesa.

No nosso negócio, a xenofobia aeronáutica é ridícula – com voos a 5€, o valor do transporte aéreo deixou de ser fator determinante na indústria do turismo. E acredite, senhor Ministro, que a balança comercial e a economia dependem muito mais daquilo que o turista gasta nos hotéis, nos restaurantes, no comércio, nas atividades turísticas várias e em tantas outras empresas satélite deste negócio do que na “companhiazeca” aérea – se essa for a opção – com a qual se chega ao país. Perante uma audiência composta por pessoas que trabalham noutras companhias aéreas Portuguesas; composta por Portugueses que trabalham para a United, para a TAAG, para a Turkish, para a LATAM, para a Emirates e tantas outras; por empresários Portugueses cujo negócio depende tão-somente das pessoas viajarem para cá ou para fora – pouco importa se vão de mula, de carro, a nado ou de barco, de trotinete ou de avião e, se for essa a opção, ser totalmente indiferente qual a companhia usada – perante toda esta audiência diversa, como se podem tolerar afirmações destas?

Quando as metamorfoses se avizinham, há quem se agarre à “cadeira do poder” como pode, onde pode mesmo dizendo os maiores disparates. Exemplos? Em 2007, o presidente da BlackBerry afirmou que o impacto do iPhone, que acabara de ser lançado nos EUA, seria mínimo, pois tratava-se de “one more entrant into an already very busy space”. Já Steve Ballmer, CEO da Microsoft, foi mais longe: “There’s no chance that the iPhone is going to get any significant market share. No chance.”

Mais do que tudo, a xenofobia económica mexe com dinheiro – e como se diz “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Estaremos a chegar a esse ponto do erário público em que, depois de tantas decisões de “investimento” redondamente equivocadas e enganosas sobre a TAP, se procura, por todos os meios – inclusivamente os nacionalistas-populares – justificar o injustificável?  Não sei de que forma este quadro pode beneficiar o turismo e a aviação que é justamente o epíteto do contrário de tudo isto. Porém, este tipo de discurso coube na APAVT, o maior encontro profissional de turismo do País. Coube no seu silêncio cúmplice. E cabe, tentacularmente, nos discursos de um aparelho dominado por uma elite acomodada e favorecida; cabe nas intervenções concordantes e semelhantes da Associação presidida pela mulher do ministro; cabe nos meios de comunicação controlados para evitar o contraditório; caberá certamente, a mando do Presidente da República, nos discursos partidários eleitorais manipuladores que se avizinham. Caberá apenas até onde deixarmos e até onde quisermos. Caso contrário, perderemos todos. Como diria Martin Luther King: “o que me preocupa não é o grito dos maus; é o silêncio dos bons”.

Acordem!

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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