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Opinião

Novo aeroporto de Lisboa: a miragem que se segue

Serão muitos os verões em que teremos, alegadamente, problemas de capacidade em Lisboa, pouco importa o que se decida agora.

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Novo aeroporto de Lisboa: a miragem que se segue

Serão muitos os verões em que teremos, alegadamente, problemas de capacidade em Lisboa, pouco importa o que se decida agora.

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

Quando alguém se arrasta pelas areias escaldantes de um deserto sem fim carregando uma vontade imensa de viver e combatendo uma sede de morte, dizem que começa a ver miragens. Num horizonte cada vez mais longínquo, vislumbra imagens ilusórias de oásis de palmeiras com tâmaras maduras e quedas de água abundantes. Dizem que é uma espécie de sonho que precede o pesadelo da realidade que se segue. Alguns sonhos morrem na praia, outros no deserto.

Fala-se do novo aeroporto de Lisboa como uma necessidade incontornável para resolver os problemas do verão de 2019 (e dos anteriores) e dos que estão para vir. Muitos saberão que entre a colocação da primeira pedra de construção de um aeroporto e a sua abertura se passarão anos. Em Berlim, foram décadas. Serão muitos os verões em que teremos, alegadamente, problemas de capacidade em Lisboa, pouco importa o que se decida agora. E enquanto nos obrigam a assistir a esta novela que começou em 1969 – com várias temporadas, atores, produtoras, localizações e contextos ecológico-económicos – ninguém responde às perguntas que realmente importam:

  • Como resolver o problema do aeroporto de Lisboa agora? Aproveitando a propriedade e gestão pública da companhia que ocupa mais de 50% da capacidade do dito aeroporto nada deveria ser mais fácil. Devolver “slots” não usados; deixar de voar Lisboa-Porto e Lisboa-Faro; terminar com voos cuja ocupação com passageiros em transferência seja superior a 70% (ou seja, em que 7 em cada 10 passageiros continua a sua viagem para outros destinos, utilizando a congestionada infraestrutura de Lisboa apenas para trocar de avião) são apenas algumas das soluções.
  • O futuro da aviação continuará a passar pelo tipo de aviões e aeroportos que conhecemos hoje? Tudo indica que não. Se Portugal estivesse na vanguarda das novas tecnologias previstas para quando o novo aeroporto for inaugurado, o debate sobre a sustentabilidade do que se deveria construir seria outro.
  • Os confinamentos, restrições e reduções por motivos ecológicos que os nossos governantes sabem estar inevitavelmente próximos são compatíveis com este tipo de decisão típica do século passado?
  • Se ficarem abertos dois aeroportos na capital, quais as companhias que devem ficar no aeroporto mais conveniente na ótica de quem viaja de/para Lisboa? Aquelas cujo rácio de passageiros locais é maior (ou seja, que têm como origem ou destino Lisboa) ou aquelas cujo rácio de passageiros em transferência é maior (isto é, passageiros que não vão para Lisboa, nem sequer para Portugal e que apenas trocam de avião)? A sustentabilidade do uso de transportes de/para aeroporto conta para esta equação.
  • Se ficarem abertos dois aeroportos na capital, como tolerar que ambos sejam geridos pela mesma empresa ANA Aeroportos-VINCI cujos exemplos de abuso de posição dominante não faltarão se uma investigação profunda for realizada pelo regulador e pela Autoridade da Concorrência? No Reino Unido, a espanhola Ferrovial foi forçada a vender três dos seus aeroportos britânicos por essa razão. É esse justamente um dos maiores dilemas da paralesia e da falta de competitivade aeroportuária em Portugal.

Nunca um prémio por sermos os piores terá sido tão bem-vindo aos olhos dos nossos decisores e da sua legião de interessados como o de “pior aeroporto” atribuído pela AirHelp no mês passado. Foi um mal que veio por bem a todos aqueles que atravessam o nosso deserto decisório sedentos de ideias, de soluções e de alternativas e que se agarram, com as suas últimas forças, à derradeira e interesseira ilusão fóssil. Desta vez, o sonho-pesadelo morrerá, de uma forma ou de outra, afogado nas margens do rio Tejo.

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
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