Edição digital
Assine já
PUB
Destinos

A insustentável leveza da regulação

A organização ecológica WWF fez as contas: se o setor aeronáutico fosse um país, faria parte das 10 nações mais poluentes do planeta.

Destinos

A insustentável leveza da regulação

A organização ecológica WWF fez as contas: se o setor aeronáutico fosse um país, faria parte das 10 nações mais poluentes do planeta.

Pedro Castro
Sobre o autor
Pedro Castro

Em 2009, a autoridade reguladora da publicidade britânica proibiu a transmissão de um anúncio televisivo de uma marca do grupo Danone por considerar que o filme publicitário transmitia uma mensagem enganosa sobre os benefícios “cientificamente comprovados” desse produto para a saúde infantil. Após uma denúncia de um consumidor, o organismo regulador analisou a afirmação do anunciante e concluiu que não existiam provas científicas suficientes para sustentar essa mensagem publicitária, obrigando a Danone a retirar o anúncio, as afirmações e a pagar uma multa. Esta decisão, limitada ao Reino Unido, teve um impacto global na forma como o grupo Danone passou a publicitar esse produto e foi um forte aviso para tantas outras marcas. Noutra latitude, um dos aeroportos com os quais colaborei encorajava os seus passageiros a deixar os “trocos” de outras moedas trazidas dos destinos de férias numa caixa com a promessa de os converter em ajuda a projetos de solidariedade e desenvolvimento. Para além da impossibilidade de transacionar algumas moedas mais exóticas, a maior parte do dinheiro angariado era moedas e não notas, tornando a sua conversão quase impossível. Resultado: a caixa dos “trocos” está arrumada no canto de um armazém há mais de 15 anos.

Quanto mais oiço falar em “sustentabilidade”, mais me lembro destes dois episódios marcantes que, cheios de boas intenções ou apenas seguindo modas, enganaram o público que a eles aderiu. Quando o interesse económico é grande, existe um verdadeiro arsenal legal para proteger marcas, conceitos ou produtores…para que, por exemplo, só o Vinho do Porto produzido no Douro possa ser vendido como tal ou para que o champanhe venha da região de…Champagne. A quem interessa e qual o interesse económico subjacente à sustentabilidade? O verdadeiro seria o de contribuir para um uso equilibrado dos recursos e para um planeta melhor, algo que não se traduz num valor patrimonial concreto atribuível a um ou mais agentes económicos. O falso é o de “limpar” a imagem – não necessariamente os atos – de todo e qualquer agente económico. E isso vale milhões para muita gente. Em muitos casos, a sustentabilidade resume-se a uma questão de orçamento de marketing e publicidade e sim, paga o justo pelo pecador. Pior: tudo isto se passa com a conivência do poder político pela falta de legislação protetora do uso deste conceito, e do regulador que, impávido e sereno, ignora a responsabilidade da palavra sustentabilidade. De quando em quando, surgem personalidades – de Greta Thunberg a António Guterres – eventos – as COP todas, a última das quais em Glasgow – ou ONG’s que alertam e personificam o mal que está em causa. A organização ecológica WWF fez as contas: se o setor aeronáutico fosse um país, faria parte das 10 nações mais poluentes do planeta. De facto, só num voo Lisboa-São Paulo, cada passageiro embarcado causa mais emissões de CO2 do que a emissão anual per capita de vários países africanos. Na Suécia, arrumou-se este assunto com um novo preconceito social chamado “Flygskam”, ou seja, algo como “és mau se viajares de avião”.

Noutros lugares, o debate faz-se entre que tipo de voo polui mais (o de médio ou longo curso?) e até já houve especialistas aéreos a afirmar que o metano do gado bovino é um problema maior. Ao que me pergunto: deixaram de servir carne de vaca a bordo dos aviões? Proibiram os voos de curta distância como seria, em Portugal, o caso do Lisboa-Porto e Lisboa-Faro? Desistiram da construção de um segundo aeroporto e vão resolver o problema da alegada falta de capacidade do aeroporto de Lisboa de maneira sustentável? Regulamentaram os chamados “voos-fantasma”? Assinaram o Acordo para o Céu Único Europeu cujo objetivo de modernização e unificação da gestão do espaço aéreo europeu só por si reduziria em 10% as emissões do transporte aéreo? Regulamentaram as tarifas aéreas para que, de facto, viajar de avião não custe menos do que aluguer uma bicicleta por uma hora? “Investiram” o dinheiro dos nossos impostos no prolongamento da vida de companhias fosséis ou no incentivo à investigação científica em matéria de despoluição ou em empresas que estão a empregar pessoas para criar transportes alternativos? Os funcionários da ONU deixaram de voar desnecessariamente por esse mundo fora?

A indústria aérea chegou onde chegou graças à desregulamentação e, economicamente falando, ainda bem. Para salvarmos o Planeta e para podermos acreditar que uma empresa é realmente sustentável precisamos justamente do inverso.

Sobre o autorPedro Castro

Pedro Castro

Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE
Mais artigos
PUB
PUB
PUB
PUB
PUB
PUB
PUB
PUB
PUB
PUB
PUB
PUB

Navegue

Sobre nós

Grupo Workmedia

Mantenha-se informado

©2021 PUBLITURIS. Todos os direitos reservados.