“A maior transformação digital no setor do turismo em Portugal começou com o próprio turista”
Com os processos de digitalização a decorrer, senão já implementados, nunca como antes a tecnologia assumiu um papel tão essencial no setor do turismo. Para António Neves, Industry Manager, Travel da Google Portugal, embora o setor tenha feito um grande progresso, “ainda há muito trabalho a fazer no que toca a melhorar a presença online não só de algumas empresas como dos próprios destinos”.
Victor Jorge
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A tecnologia sempre fez parte do universo do turismo. A pandemia, no entanto, veio acelerar a necessidade de uma maior digitalização ou transformação digital em toda a cadeia. Em Portugal, de acordo com António Neves, Industry Manager, Travel da Google Portugal, houve uma “maior necessidade de aceleração dado não só o peso que o turismo tem na nossa economia, mas também o facto de anteriormente termos estado um pouco atrás da Europa em alguns aspetos digitais”. Para este manager da Google, a grande dificuldade apresentada pela maior parte das empresas no setor no nosso país foi, provavelmente, “a escassez de habilitações digitais”, acreditando, no entanto, que esta aceleração [da digitalização] “irá continuar”.
Ao fim de quase três anos de pandemia, quais foram as maiores transformações tecnológicas ou digitais ocorridas no setor do turismo em Portugal?
A maior transformação digital no setor do turismo em Portugal começou com o próprio turista. Os turistas, nacionais ou internacionais, nunca foram tão digitais como hoje. Grande parte dos viajantes utiliza touchpoints digitais para fazer as suas decisões de viagens. Ao mesmo tempo, vimos os diferentes stakeholders do turismo a lançar a sua jornada de Transformação Digital, não só como consequência do novo comportamento dos turistas, mas também para se tornarem mais eficientes na forma como desenvolvem os seus negócios.
Neste aspeto, o setor do turismo, em Portugal, teve um comportamento diferente de outros mercados europeus e mundiais?
O processo de transformação digital do setor turismo é uma tendência global. Não existe país ou região em que este setor não se esteja a digitalizar nas suas diferentes áreas. Penso que em Portugal houve uma maior necessidade de aceleração dado não só o peso que o turismo tem na nossa economia, mas também o facto de anteriormente termos estado um pouco atrás da Europa em alguns aspetos digitais – nomeadamente em e-commerce e na criação de plataformas online. Nos últimos anos, a indústria do turismo em Portugal tem feito grandes avanços nesta área. Em 2021, de acordo com a Siteminder, os websites hoteleiros foram o 2.º principal canal de reservas em Portugal (atrás do Booking.com) e fomos dos poucos países europeus com uma agência de viagens local – Abreu Online – no Top 10. Isto mostra de facto o grande trabalho que todo o setor está a fazer para se transformar.
Não existe país ou região em que este setor [turismo] não se esteja a digitalizar nas suas diferentes áreas
Quais foram as prioridades tecnológicas mais relevantes implementadas? E quais foram as maiores dificuldades, exigências, necessidades apresentadas pelas empresas?
Acho que podemos olhar para as prioridades em três áreas. A primeira é chegar a potenciais clientes. Aqui, vimos uma grande evolução naquilo que foi a criação de websites e outros conteúdos online por parte dos destinos turísticos, hotéis, fornecedores de atividades turísticas, etc. de forma a chegar aos diferentes turistas espalhados pelo Mundo. A própria promoção das diferentes áreas do turismo passou a ser mais digital, dado que a maior parte dos turistas recorre a plataformas online para se inspirar onde e como viajar.
Em segundo lugar, temos a recolha, medição e ativação de dados: perceber quem são os nossos clientes, quem entrou no nosso website, como devemos e podemos voltar a entrar em contacto com eles… Tudo isto passou a ser fulcral, especialmente com a importância que Privacidade e Segurança passaram a ter nos últimos anos.
Finalmente, temos a experiência do utilizador. Muitos stakeholders do setor implementaram tecnologias de forma a melhorar a experiência do utilizador: processos de marcação fluidos, pagamentos contactless, chatbots e muito mais.
A grande dificuldade apresentada pela maior parte das empresas no setor foi provavelmente a escassez de habilitações digitais. A transformação digital de uma empresa requer que se comece a pensar num novo conjunto de capacidades que antes não existiam: consultores analíticos, data scientists, marketeers digitais e muito mais. Para muitas empresas no setor, existem algumas dificuldades em recrutar este tipo de talento devido à sua dimensão. É aqui que entra a importância de encontrar parceiros externos – parceiros tecnológicos, agências digitais, etc. – para fazer outsourcing deste tipo de capacidades.
Dentro do universo do turismo, qual o setor/segmento que maior atualização ou transformação protagonizou?
Penso que esta adaptação foi transversal a todo o setor. Penso que a diferença está mais na fase de transformação digital em que cada segmento se encontra. As companhias aéreas bem como as grandes cadeias hoteleiras já vêm há alguns anos a fazer esta transformação dada a importância que as marcações nos seus websites têm tido, mesmo antes da pandemia. Estas empresas nos últimos anos focaram-se mais em arranjar formas de atrair mais pessoas para os seus websites (ex. através de marketing digital) e melhorando a sua experiência online.
Por outro lado, algumas pequenas e médias empresas, como hotéis independentes ou agências de viagem locais, começaram mais recentemente a sua jornada digital, alguns deles criando o seu website pela primeira vez.
Acredita que esta aceleração em direção a uma maior digitalização se vai manter no futuro ou, depois de passado o impacto da pandemia, vai esfriar?
Penso que esta aceleração irá continuar. Por um lado, a utilização de ferramentas digitais para planear e marcar viagens continua em forte crescimento. A própria Google tem feito uma aposta muito grande em criar novos e melhores produtos para ajudar os utilizadores no seu planeamento: Google Flights, Things to Do, Google Hotels Search e muito mais.
Por outro lado, a digitalização das empresas traz muitos benefícios em termos de negócio. De acordo com um estudo da BCG, as empresas com maior maturidade digital aumentaram suas vendas em média 18 pontos percentuais a mais do que seus pares menos maduros e aumentaram a eficiência de custo em média 29 pontos percentuais.
Uma das grandes dificuldades na transformação digital no setor do turismo é a capacidade de trazer as capacidades digitais para dentro de algumas empresas dado a sua dimensão e recursos
O que falta ainda fazer em termos de digitalização ou transformação tecnológica no setor do turismo em Portugal?
O setor tem feito um grande progresso, mas existem sempre áreas a melhorar. Antes de mais, penso que ainda há muito trabalho a fazer no que toca a melhorar a presença online não só de algumas empresas como dos próprios destinos. Por exemplo, nos últimos três meses, houve menos de metade das pesquisas no Google por acomodação nos Açores para turistas internacionais do que na Madeira. O turismo é um mercado global e por isso não estamos apenas a concorrer com outras marcas ou destinos locais, estamos a concorrer com os melhores players globais. É por isso crítico que as empresas e marcas do setor do turismo apostem cada vez mais na internacionalização e olhem para o marketing digital como uma ferramenta de aquisição de clientes e de promoção da sua marca
Em segundo lugar, penso que ainda é preciso trabalhar na análise de dados que é crítica para obter insights sobre as preferências e comportamentos dos viajantes, o que pode ajudar as empresas de turismo a adaptar suas ofertas e atender melhor às necessidades de seus clientes.
Finalmente, dada a importância que a sustentabilidade tem hoje em dia, é importante começar a utilizar-se a tecnologia de forma não só a promover a sustentabilidade, mas a garantir que a maior sustentabilidade também acrescenta algum tipo de valor à experiência do viajante.
Esta adaptação tecnológica foi maior a nível interno das empresas ou houve que tivesse optado por uma externalização dos processos?
Tal como referi anteriormente, uma das grandes dificuldades na transformação digital no setor do turismo é a capacidade de trazer as capacidades digitais para dentro de algumas empresas dado a sua dimensão e recursos. Nestes casos, os parceiros tecnológicos, as agências digitais e outros parceiros externos têm e vão continuar a ter um papel fulcral em trazer estas capacidades para dentro das empresas de uma forma escalável e sustentável.
O setor do turismo é uma das indústrias em que o capital humano é mais importante
É comum ouvir que toda esta transformação digital leva a que se necessite cada vez menos de pessoas. Concorda?
Penso que o setor do turismo é uma das indústrias em que o capital humano é mais importante. Afinal, quando vamos viajar em lazer, uma das coisas que mais apreciamos é a hospitalidade, seja ao entrar num avião, ao fazer o check-in num hotel ou ao ser servido num restaurante. À medida que avançam na sua transformação digital, as empresas do setor do turismo terão a oportunidade de decidir onde melhor alocar o seu capital de forma a melhorar a experiência dos clientes e atrair mais turistas, seja no front office a oferecer esta hospitalidade que todos procuramos, ou no back office, por exemplo a trabalhar na promoção através de marketing digital.
Quais foram as principais soluções implementadas pela Google no setor do turismo?
O setor do turismo é um dos setores mais relevantes para a Google dado a importância que os touchpoints digitais têm no planeamento de viagens para os turistas. Nos últimos anos, a Google tem-se focado em criar ferramentas tanto para os utilizadores que estão a planear a sua viagem, como para as diferentes empresas do setor do turismo.
Ao nível do utilizador, a Google possui toda uma plataforma dedicada a viagens – o Google Travel. O Google Travel incorpora diferentes ferramentas que ajudam no planeamento de uma viagem: o Google Flights, pesquisa de hotéis, coisas a fazer e muito mais.
Para além disso, a Google tem desenvolvido um conjunto de ferramentas para ajudar as diferentes empresas do setor do turismo. O Destination Insights por exemplo, permite analisar como estão a evoluir as pesquisas por viagens para Portugal (voos e hotéis) de diferentes países de origem, e perceber assim que mercados apresentam um maior potencial para promover os nossos produtos e serviços.
Se tivesse de indicar três pontos essenciais para o futuro desta transformação tecnológica, digitalização ou transição digital, quais seriam?
Foco no utilizador – qualquer processo de transformação digital tem de ser feito com o intuito de acrescentar valor ao utilizador final. Muitos viajantes experienciam alguns problemas nas suas viagens. É crítico que as empresas se coloquem nos sapatos dos seus clientes/utilizadores e experienciem como é fazer uma reserva no seu website, como é resolver um problema no call center, etc. Todos estes processos, ao serem digitalizados, devem ter como foco principal a melhoria da experiência do cliente.
Personalização – a habilidade de oferecer experiências e recomendações personalizadas aos viajantes será um diferencial fundamental no futuro do turismo. A utilização de dados e cada vez mais de inteligência artificial vai ser crítica para entregar conteúdo e recomendações personalizadas com base nas preferências e comportamentos passados dos viajantes.
Trazer novas capacidades – a transformação digital de uma empresa não é possível sem novos talentos e capacidades: desenvolvedores de aplicativos web, analistas de dados, especialistas em marketing digital, etc. As empresas devem apostar em contratar este tipo de talento ou colaborar com parceiros externos como parceiros tecnológicos e agências digitais para obter estas capacidades.