São os nómadas digitais os novos turistas?
A possibilidade de trabalhar em qualquer parte do mundo está a ganhar mais adeptos e a oferta turística portuguesa começa a despertar para este nicho de mercado que tem a seu favor uma estada maior do que o turista tradicional e um maior envolvimento com a comunidade local.
Raquel Relvas Neto
Hoteleiros questionam aumento da taxa turística em Lisboa e pedem “transparência” na relação com o Turismo
Marriott International acrescenta 100 hotéis e 12.000 quartos ao portfólio europeu até 2026
Lufthansa revê resultados para 2024 em baixa
CoStar: Pipeline hoteleiro regista trajetória ascendente no continente americano
Depois dos hotéis, grupo Vila Galé também aposta na produção de vinho e azeite no Brasil
Novo MSC World America navega a partir de abril de 2025 com sete distritos distintos
Top Atlântico promove campanha para as viagens de verão
ERT do Alentejo dinamiza Estações Náuticas na Nauticampo
TAP escolhe filmes do Festival ART&TUR para exibição nos voos de longo curso
Universidade de Coimbra lança curso de Empreendedorismo em Desportos Aquáticos e Viagens
A possibilidade de trabalhar em qualquer parte do mundo está a ganhar mais adeptos e a oferta turística portuguesa começa a despertar para este nicho de mercado que tem a seu favor uma estada maior do que o turista tradicional e um maior envolvimento com a comunidade local.
A pandemia trouxe muitas mudanças às mais variadas áreas da nossa vida. O confinamento obrigou a uma maior utilização das tecnologias para comunicarmos com os nossos, mas também para comunicarmos com o nosso ambiente profissional. Seja no campo pessoal, seja no profissional, as mudanças estão aí e há que fazer adaptações.
Entre as várias mudanças, a que ganhou maior destaque foi, de facto, o recurso ao teletrabalho. Aquilo que começou por ser uma necessidade, rapidamente ganhou adeptos, desde os trabalhadores aos próprios gestores. Empresas como o Twitter, Google, Uber ou Airbnb decidiram que o teletrabalho fará parte de uma realidade mais permanente e não apenas neste período de pandemia.
Com o aumento do número de pessoas em teletrabalho surgem os denominados nómadas digitais e novas oportunidades para a oferta turística que pode adaptar-se para acolher estes novos turistas. Pois, na verdade, o que interessa é que o funcionário esteja a trabalhar, não interessa a partir de onde, se de sua casa ou do outro lado do mundo. Apesar de não ser uma tendência nova, ser um nómada digital tornou-se numa ambição entre os trabalhadores tradicionais: viajar pelo mundo, enquanto se trabalha remotamente.
Vários destinos internacionais, como a Estónia ou o Dubai, estão atentos a este nicho crescente e lançaram condições especiais para atrair os nómadas digitais. No caso do Dubai, o emirato lançou um programa exclusivo que permite aos profissionais internacionais, e às suas famílias, morarem no destino enquanto continuam a trabalhar para a sua empresa no seu país de origem. Válido por um ano, o programa tem um custo de 287 dólares mais seguro médico com cobertura válida nos Emirados Árabes Unidos e inclui acesso a todos os serviços necessários, como telecomunicações, serviços públicos e opções de ensino. Para se candidatar a este programa é necessário ter um passaporte com uma validade mínima de seis meses, apresentar prova de emprego da atual entidade empregadora com a durabilidade de um ano e um vencimento mínimo de 5 mil dólares mensais, além dos três últimos extractos bancários.
Já a Estónia lançou, em agosto, um novo visto projetado para a nova geração de profissionais, conhecidos como nómadas digitais. Este visto permite que as pessoas que trabalham remotamente para empresas no exterior possam ficar na Estónia até um ano de cada vez.
Até ao momento, Portugal não está ainda a dedicar-se a este nicho de mercado que tem ganho adeptos. Segundo a Secretaria de Estado do Turismo, “a pandemia veio trazer algumas oportunidades, de que reveste exemplo a possibilidade de conciliar os compromissos profissionais com aqueles que se prendem com a esfera pessoal e familiar”. Neste âmbito, Portugal tem sido “pioneiro no contexto internacional no que toca à promoção de programas no setor do turismo que se suportam nas tendências atuais e futuras, pelo que estamos a trabalhar para, brevemente, anunciar mais iniciativas que ajudarão a transformar a crise que atualmente atravessamos em oportunidades”.
No que refere ao tipo de vistos que estes trabalhadores podem requerer enquanto visitam Portugal, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas esclareceu que “não existe uma tipologia de vistos dirigida especificamente a nómadas digitais, que terão de se enquadrar no regime vigente”, além de que “não está prevista uma alteração legislativa que vise a criação de uma tipologia específica”. Ou seja, para entrarem em Portugal, os nómadas digitais podem pedir vistos de curta duração, denominados vistos Schengen, destinados a estadas de curta duração até 90 dias em cada período de 180 dias, que podem ser concedidos para efeitos de turismo, visita familiar, negócios, trabalho sazonal, trânsito, entre outros; ou nos vistos nacionais, entre os quais: vistos de estada temporária, destinados a permitir a entrada para estadas em Portugal por período inferior a um ano, válidos pela duração da estada e para múltiplas entradas em território nacional, e vistos para obtenção de autorização de residência, válidos para duas entradas e por quatro meses, período durante o qual o titular deverá solicitar junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras um título para fixação de residência.
Oferta atenta à tendência
O grupo Selina, que chegou a Portugal em 2018, sempre teve na sua génese a captação do turista “nómada digital” para as suas unidades de alojamento. Com unidades espalhadas pelo mundo, com especial incidência na América Latina e na Europa, a Selina faz um balanço positivo deste posicionamento. “Temos muito orgulho em dizer que conseguimos criar uma comunidade de nómadas à volta do Selina que trabalha atualmente nos nossos ‘coworks’ e que aproveita as nossas unidades hoteleiras para viajar e descobrir Portugal”, refere Manuel Rito, global marketing project manager da Selina. Para o responsável, este conceito de “Travel & Work tem sido algo crescente e com a crise pandémica acentuou ainda mais”. Logo após o desconfinamento, o grupo registou “uma quantidade significativa de clientes à procura de estadias semanais nas nossas unidades em resultado de estarmos a oferecer acesso gratuito ao nosso ‘cowork’”. “Os nossos espaços têm vindo a tornar-se assim uma espécie de casa para nómadas digitais que têm vindo a aumentar nos últimos meses”, salienta.
Na Iberostar Hotels & Resorts, Miguel Coelho aponta que este nicho de mercado “veio para ficar”, além de que se trata de “um segmento com muita procura em todas as nossas unidades hoteleiras urbanas”. O Development Business Manager- Portugal da cadeia espanhola descreve que, com a possibilidade de ter trabalho que pode ser feito a partir de casa ou de qualquer lugar do mundo, “muitos desses trabalhadores aproveitam para viajar ou mudar para cidades de que gostem mais. Nos últimos 10 anos, Lisboa, Madrid, Barcelona e Budapeste têm estado no top das cidades a visitar, por esta razão, é com naturalidade que assistimos ao crescimento deste nicho”. “São um dos muitos segmentos de mercado que nos procuram e, felizmente, ajudam na ocupação do hotel”, acrescenta. A Iberostar Hotels & Resorts criou, inclusive, a oferta “Work Safe”, através da qual os nómadas digitais “podem trabalhar desde o quarto ou numa sala privada, sem custos adicionais, consoante a disponibilidade das salas”.
Também Miguel Velez, CEO da Unlock Boutique Hotels, considera que os nómadas digitais são um novo mercado a apostar nas unidades que representa. Inclusive, explica, que no caso do Hotel da Estrela, em Lisboa, e o The Noble House, em Évora, “já faz bastante tempo que recebem estes profissionais que trabalham um pouco em todo o lado e mundo”. O responsável considera que a oferta das unidades da Unlock são fator de atração para estes clientes. “Todos os hotéis são boutique, em ambientes calmos, cheios de recantos e pequenos espaços que não só permitem encontrar o silêncio necessário como a envolvente artística, académica e até de desenvolvimento de ‘software’. O desafio da Unlock é levar esses mesmos clientes a passarem temporadas no campo, como na Villa Termal de Monchique, no Sobreiras Country Hotel em Grândola ou no Monverde Wine Hotel em Amarante”.
Nos Açores, Francisco Sant’Anna, diretor de vendas e marketing do Santa Bárbara Resort e do WHITE Exclusive Suites & Villas, refere que existem “bastantes clientes que já ficam nas nossas unidades para esta finalidade”, além de defender que ambas as unidades “reúnem as condições perfeitas para os nómadas digitais”. Entre as mais-valias da oferta das unidades açorianas estão “amplos terraços, acesso a jardins privados, acesso a piscina partilhada desde o terraço, jacuzzi privado, piscina aquecida, vista incrível para o Oceano, entre outros”.
Também o Grupo Martinhal apresenta opções de longa duração para os hóspedes, bem como wi-fi gratuito e acesso aos serviços e instalações dos resorts durante a estadia, incluindo Kids Club e babysitting.
Associado às tecnologias existentes nas unidades, a Axis Hotéis apresenta um “’business corner’, um espaço que criámos recentemente para os clientes poderem reunir ou mesmo fazer teletrabalho tranquilamente; Internet wireless gratuita; vídeo projetor, tela e sistema de som, bem como o material necessário a reuniões de trabalho digitais”, enumera o administrador do grupo, Manuel F. de Miguel.
O que procuram?
Mas o que procuram estes turistas e quais as mais-valias de Portugal para atrair este nicho? Ao Publituris, Manuel Rito indica que o nómada digital assegura que os destinos que escolhe para viajar têm de ter “espaços de trabalhos confortáveis e com internet rápida”. Em segundo lugar, “valoriza bastante se nestes espaços de trabalho existem pessoas com quem possa partilhar conhecimento, ideias e ter momentos de socialização”. E o responsável da Selina aponta ainda que, “normalmente, a estadia média do Turista Digital é maior que a estadia do Turista tradicional”, pelo que procura unidades que lhe dêem benefícios em estadias longas. Entre as condições disponibilizadas pela Selina estão pacotes que englobam ‘cowork’ gratuito quando alojados numa das unidades do grupo. Estes espaços contam, muitas vezes, com programação diária, desde ‘talks’ e ‘workshops’ de matérias relacionadas com marketing, ‘business’ e ‘start-ups’. “Os nossos ‘coworkers’ beneficiam de descontos especiais para utilizar em qualquer unidade Selina em Portugal e organizamos viagens em grupo com os nossos ‘coworks’ de descoberta do país”, complementa Manuel Rito. O responsável da Selina considera ainda que as duas principais cidades de Portugal já são muito procuradas pelos nómadas digitais. Para Manuel Rito, Portugal é um país que permanece, para o mercado externo, como “uma cidade com um custo de vida relativamente baixo”, ao que acrescem as indústrias das ‘start-ups’ e criativas que são relevantes no nosso país, mas ainda “as condições já conhecidas no nosso turismo (sol, gastronomia, hospitalidade), torna assim Portugal um dos destinos de eleição”.
Miguel e Matilde da TravelB4Settle, projeto que está envolvido no nomadismo digital já há três anos, explicam que este turista, “em vez de ficar duas semanas da época alta numa zona muito cobiçada, ficará entre um a três meses em áreas menos populares e, muito frequente, em épocas menos concorridas”, além de optarem por consumir localmente e num período de tempo mais alargado. “Tudo isto vai não só descentralizar o turismo como também dinamizar o comércio local ao longo do ano”, defendem.
Os responsáveis da TravelB4Settle, fundadora da plataforma Remote Portugal (ver caixa), acreditam que Portugal reúne “todas as condições para se tornar um destino de eleição para trabalhadores remotos e acreditamos seriamente que se tornará”. Além de todas as mais-valias, como a “boa qualidade de vida a preços acessíveis, bom clima, boa gastronomia e diversidade de paisagens naturais e atividades desportivas ou lúdicas”, Portugal é ainda “um dos países mais seguros do mundo” e apresenta uma estrutura e acessibilidades adequadas. “Faltam apenas infrastruturas espalhadas pelo país e talvez menos burocracias a nível governamental, mas lá chegaremos”, apontam os responsáveis.
Estratégia
O atual contexto é considerado uma oportunidade para o país apostar neste nicho. Manuel Rito admite que este é “o momento para captar o maior número de nómadas digitais para Portugal: as empresas no mundo estão a tornar-se remotas, a possibilidade de trabalhar em qualquer parte do mundo está agora muito mais acessível, por isso existem milhares de pessoas a prepararem-se no pós-COVID para ter uma mobilidade como nunca tiveram”. Para tal, indica que Portugal deve “começar a criar ‘remote work visas’, como já existem em alguns países, promover o nosso destino como um dos melhores para nómadas digitais” e “trabalhar com organizações já existentes de ‘remote workers’ como veículos de comunicação do nosso país”. O responsável sublinha que “a mobilidade que o ‘remote work’ permitiu vai moldar daqui em diante a forma de fazermos turismo e poderá ser um acelerador da recuperação do próprio mercado”.