Entrevista:“É o momento de dignificar a profissão do agente de viagens”
O contexto atual é desafiante para a distribuição turística, seja pelo impacto económico, seja pela imprevisibilidade da duração do mesmo. Pedro Gordon, CEO do Grupo GEA, defende que esta é a altura de capitalizar e valorizar o trabalho da agência de viagens.

Raquel Relvas Neto
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Pedro Gordon, CEO do Grupo GEA, grupo de agências de viagens independentes, considera que a sobrevivência das agências de viagens neste período “estranho” vai depender do respeito pelas “margens dignas” e não pela estratégia da guerra pelo cliente através do maior desconto. Para o responsável, o trabalho cada vez mais especializado do agente de viagens tem um valor e esse tem de ser pago.
O turismo tem passado por momentos críticos nestes últimos meses, devido às consequências da pandemia da COVID-19, mas o Grupo GEA tem aproveitado para dinamizar várias iniciativas e ações de apoio às suas agências de viagens. O que motivou e no que consistiram estas iniciativas?
No momento extremamente estranho e inédito, nunca vivido até à data, em que ficámos confinados, com zero atividade comercial, unicamente cancelamentos, cancelamentos, considerámos que era conveniente que os nossos clientes, as agências do Grupo GEA, estivessem em contacto com o mundo se não fosse de um modo físico, que fosse de um modo virtual. Foi por isso que começámos a realizar uma série de conferências online com as principais personalidades das principais areas do nosso setor. Começámos com os diretores gerais dos principais operadores turísticos, o presidente da APAVT, os diretores gerais dos GDS, de forma a que pudessem partilhar um pouco a sua visão do que estava a acontecer e de qual era a previsão ou a provável evolução desta situação tão esquisita e estranha que estamos a viver.
É óbvio que ninguém tem a capacidade para prever o futuro, não somos adivinhos, mas pelo menos achámos que era muito importante que os agentes estivessem em contacto com o mundo exterior, seja com colegas de outros mercados seja, muitas vezes, com pessoas que têm um nível de informação privilegiado. Julgo que foi importante que estas pessoas partilhassem connosco esta informação privilegiada e a sua visão do futuro e do que poderá acontecer nos próximos meses. O facto destas agências estarem todos os dias em contacto com outras pessoas, com outros colegas ajudou a não se sentirem isoladas, a sentirem-se em grupo, protegidos, a fazerem parte da ‘grupo’. O sentimento de proteção de grupo acaba por ser importante num mundo com estes perigos.
Além de personalidades do mundo do turismo, também tivemos alguns ‘coachs’ que ajudaram a motivar e a dar ânimo num momento em que era mesmo necessário estar animado. Quando vemos o mundo a cair, não víamos a saída do túnel e por isso foi importante.
Considerámos que era muito importante ter um contacto quase diário com os nossos clientes e eles com o mundo de fora, foi por isso que tivemos uma atitude ativa para manter esse contacto.
E como é que está a ser esta retoma da atividade?
Está a ser lenta. Temos de estar preparados para uma retoma lenta. Não é em um ou dois meses que isto vai retomar, obviamente. O mundo mudou, os hábitos dos clientes mudaram, há um perigo e isto vai demorar. Poderá haver alguma atividade, com sorte, que dê para pagar as despesas gerais.
A retoma vai ser lenta, temos de nos preparar para vários meses com um nível de receita e faturação bastante baixo.
Qual o impacto que este atual contexto teve no grupo? Já houve agências GEA a encerrar?
Temos alguns dados e num universo de 320 empresas, pararam atividade 16. Estamos a falar, em quatro meses, de 5% das agências do grupo que nos comunicaram que iam parar a atividade. Não quer dizer que seja uma paragem definitiva, pode ser uma paragem provisória. Ficam hibernados nos próximos meses e no mês de março do próximo ano retomam. São empresas pequenas com poucos funcionários que não precisam de fazer despedimentos, têm de, talvez, não renovar um ou dois contratos e os sócios continuam com a empresa ativa mas sem atividade. Fecham o escritório e aguardam o regresso da atividade económica para voltarem à atividade.
Conceito
Este momento pode obrigar a uma reformulação do conceito de agência de viagens, sobretudo ao nível do atendimento ao público?
O momento tem de servir para reformular as coisas que convinham ser reformuladas. O perfil da agência do Grupo GEA é um perfil em que o grande valor acrescentado é o conhecimento do cliente e a qualidade do serviço. Portanto, as agências GEA têm uma grande qualidade do serviço aos seus clientes porque têm um grande conhecimento dos seus clientes.
Neste momento, a curto prazo tem de se ter um contacto um pouco diferente com o cliente, mais contacto digital e menos físico. Têm de se habituar a comunicar mais e a dar a conhecer o produto de modo mais digital do que há meses, pelo menos a curto e a médio prazo.
Já quando falamos de um mundo sem COVID-19 ou com uma vacina, aí já se poderá retomar a uma atividade normal como foi conhecida. Mas, por enquanto, nos próximos meses, ou no próximo ano, talvez se tenha de aprender a ter um contacto com o cliente mais virtual, mais digital.
Isso também implica desafios, o agente de viagens tem de ter um conhecimento adicional ao que já tinha. Agora tem de saber quais são as medidas de segurança obrigatórias em cada destino para poder viajar; quais são os requerimentos obrigatórios para que os clientes possam visitar um determinado destino; isto de um país ao outro, de um destino ao outro. Tem de ter uma informação adicional para poder transmitir ao cliente segurança na viagem que vai realizar, ou seja, um conhecimento adicional ao que já possuía. Já não é só o conhecimento técnico do que são as regras dos bilhetes de aviação, as características das companhias aéreas, como estão os hotéis, onde estão localizados, que tipo de serviço deste operador… É mais um conhecimento que o agente tem de ter para poder transmitir confiança ao seu cliente.
Como é que se faz a gestão de confiança com o cliente/consumidor?
Tem de ser com conhecimento do produto. Se sabe que uma companhia tem umas regras de segurança enormes, que determinado destino tem poucos casos desta doença e que os hotéis onde se vai alojar tem muitas regras de segurança, o cliente vai estar protegido. Por isso, tem de transmitir este conhecimento que o cliente vai estar em segurança, tem de ser transmitido ao mesmo para que se sinta seguro.
Outra reformulação que penso que vai acontecer é no modelo de negócio. A COVID-19 trouxe grandes perdas a todos os Estados e a todas as empresas. Os Estados tiveram que investir ou ainda estão a investir muito dinheiro para combater esta pandemia, ou seja, mais despesa pública. As empresas estão a ter muitas perdas de receitas, de liquidez, isto vai obrigar a ter umas margens, no futuro, que permitam a sobrevivência destas empresas. Estou a falar a médio prazo, um ou dois anos, em perda de poder aquisitivo dos clientes, perda de liquidez das empresas e o incremento do déficit público. Neste cenário, que não é o melhor, para sobreviver temos de obrigar-nos a ter margens dignas. Isto de fazer descontos aos clientes e dar crédito às empresas com ‘tanta alegria’, julgo que chegou o momento de acabar com isto e de assumir que sem margens dignas não vamos poder sobreviver. Temos de nos mentalizar que o serviço tem de ser pago, é justo que seja pago às agências de viagens, os clientes têm de entender isto e as agências precisam dessas margens para garantir a sobrevivência das suas empresas.
Se para ganhar um cliente, ou por medo de o perder, começarmos a fazer descontos, não vamos ter capacidade financeira para assumirmos as nossas despesas, porque vamos faturar menos. Repito, o cliente tem menos poder aquisitivo, as empresas têm menos liquidez económica, o Estado tem mais déficit público e terá de subir os impostos, portanto temos menos faturação com a mesma margem. É o momento de optimizar a rentabilidade e de não abdicar das nossas margens, dignificar a profissão e valorizar o trabalho das agências de viagens.
Relativamente às margens dignas para as agências de viagens, vai haver uma redução dos próprios parceiros das agências de viagens, desde companhias aéreas, operadores turísticos, hotéis. Como é que se garante a continuidade das margens dignas?
Não acho que sejam necessárias margens maiores, mas sim respeitar as margens que temos negociadas. Quando um operador recomenda um PVP (preço de venda ao público), que seja respeitado esse PVP, porque a comissão que a agência tem é normalmente uma comissão justa e digna para garantir a sua sobrevivência. Que se respeite os preços mínimos marcados pelos fornecedores e não ganhar clientes com base em quem faz o maior desconto. Ganhar clientes sim por quem presta o melhor serviço e não o maior desconto. Inverter o conceito: melhor serviço, não maior desconto.
As margens que temos negociadas com grande parte dos operadores e hoteleiros são margens dignas, se respeitarmos, essas margens são suficientes. Outra coisa são as companhias aéreas que o agente tem de cobrar um ‘service fee’ digno que permita a sobrevivência das agências de viagens e acabar com as guerras de ganhar clientes por ter um ‘service fee’ mais baixo.
Algo fundamental para mim é que o trabalho de agente de viagens é extremamente difícil, exige um grande nível de conhecimento técnico. Um trabalho especializado que exige um grande conhecimento comercial e exige saber como tratar o cliente, como ganhar a confiança do cliente. É um trabalho de uma enorme responsabilidade, porque um pequeno erro pode trazer um grande prejuízo económico e um grande prejuízo ao cliente. Por isso, temos dificuldade técnica, dificuldade comercial e grande responsabilidade e isso tem de ser bem pago. Tem de ter uma margem digna. É fundamental que aprendamos a dignificar a profissão e valorizar o serviço que a agência de viagens dá aos clientes. Para isso temos de respeitar as margens que temos negociadas para as agências com os fornecedores e acabar com os descontos tão alegres e com o crédito às empresas, porque não vai haver tesouraria nem capacidade para aguentarmos.
Leia a entrevista completa aqui.