Digitalização do Turismo permite “acesso a um vasto manancial de dados sobre os consumidores”
Pedro Deus, Advisory Partner da PwC, explica o que é a digitalização da economia e onde é que este conceito entra nas empresas turísticas.
Raquel Relvas Neto
Hóspedes e dormidas continuam a subir em fevereiro
Nova Edição: RoadShow das Viagens em imagens, Málaga, entrevista SATA, Sun Princess e dossier Animação Turística
Empresários açorianos unem-se contra a sazonalidade e pedem “plano efetivo e adequado aos desafios”
Edição Digital: RoadShow das Viagens em imagens, Málaga, entrevista SATA, Sun Princess e dossier Animação Turística
Ryanair compra mil toneladas de SAF à Shell
Francisco Calheiros mantém-se à frente da CTP por mais três anos
MotoGP aumenta compras no Algarve com destaque para o consumo estrangeiro
Four Seasons lança linha de iates de luxo em 2026
Delta considerada companhia aérea mais valiosa do mundo
TAAG aumenta comissões para agências de viagens para 6%
A digitalização da economia tem sido uma das medidas recomendadas para as empresas adotarem neste período conturbado e pós-crise. Apesar da tecnologia já estar presente no Turismo há muitos anos e de diferentes formas, de que maneira se pode tirar maior partido desta? E que soluções existem no mercado? Que resultados podem as empresas e as de Turismo, em particular, retirar da implementação de novas soluções tecnológicas?
O Publituris pediu ao Pedro Deus, Advisory Partner da PwC, para nos explicar melhor do que se tratam todos estes conceitos e onde pode entrar a digitalização no Turismo.
Do que se trata o conceito de digitalização da economia?
A recente disponibilização de diferentes tecnologias disruptivas como o blockchain, sensorização e internet of things (IoT), realidade virtual, computação cognitiva, inteligência artificial (AI), apenas para enumerar algumas, criou as condições para que muitos dos processos que até agora exigiam recursos físicos e analógicos, possam ser transferidos para ecossistemas digitais, tendo como principal objetivo o aumento da eficiência, controlo e economia de recursos.
Este movimento permite às empresas aumentar a integração digital dos seus processos internos e estender esta integração aos parceiros externos na cadeia de valor. Isto significa que uma empresa pode interligar (e automatizar) os diferentes fluxos de informação necessários ao funcionamento do seu negócio, incluindo funções de controlo e decisão.
Simultaneamente, a democratização de muitas destas tecnologias promove a criação de novos modelos de negócios, parcialmente ou exclusivamente digitais (e.g. plataformas de alojamento; streaming de áudio e vídeo; fintechs), que tiram benefício do aumento das competências digitais da população para, rapidamente e através de uma relação direta, estabelecerem uma grande base de clientes.
Devem as empresas olhar para este momento como um tempo de sobrevivência, mas também como um tempo de reformulação do seu modelo de negócio?
Repentinamente, e sem grande aviso, todos fomos afetados na forma como trabalhávamos diariamente, e muitos viram-se na contingência de ter que trabalhar a partir de casa, afastados do seu local de trabalho, dos seus colegas, impedidos de correr de reunião para reunião, ou de participar em almoços de trabalho intermináveis.
Apesar de tudo, alguns sectores de atividade tentam manter a normalidade possível por forma a garantir a disponibilidade de bens e serviços essenciais, procurando lidar com os constrangimentos associados às quebras nas cadeias logísticas e à disponibilidade de pessoal num momento em que a liberdade de circulação é mais limitada. Muitos negócios, porém, não tiveram qualquer hipótese de se defender de um evento tão inesperado como devastador e muito dificilmente ou com terríveis consequências conseguirão sobreviver.
Não sabemos quanto tempo esta crise vai demorar e toda a extensão dos seus efeitos, a breve e a longo prazo, mas estou convencido que muito irá mudar assim que este estado de confinamento social começar a ser levantado. Desde logo, vamos perceber que as cadeias logísticas têm de ser repensadas, porque não é aceitável que a produção de grande parte dos bens que hoje consumimos, sejam estes essenciais ou não, esteja concentrada em apenas uma região do globo e, por conseguinte, o seu fornecimento a toda a população mundial possa ser comprometido por um evento semelhante. Por outro lado, a maneira como encaramos o trabalho, nomeadamente na sua componente física, vai ser diferente. Muitos de nós vão chegar à conclusão que é perfeitamente possível desempenhar as mesmas tarefas remotamente, a partir de casa ou de outro local, com uma óbvia vantagem na redução de tempo e custo despendidos em transportes, mas também na própria organização do espaço de trabalho.
Os modelos de negócios devem ser amplamente repensados no sentido de reduzir a sua dependência de uma forte presença humana, fisicamente concentrada
Para que tudo isto seja possível, os modelos de negócios devem ser amplamente repensados no sentido de reduzir a sua dependência de uma forte presença humana, fisicamente concentrada, e optando, cada vez mais, em processos distribuídos, assentes nas mais recentes tecnologias digitais e que promovam um equilíbrio adequado entre a eficiência proporcionada pelos recursos tecnológicos e as competências de julgamento e análise que o ser humano ainda inigualáveis.
Nesse sentido, que papel assumirá a digitalização no negócio das empresas no futuro?
A digitalização vai ser, certamente, a base de desenvolvimento dos negócios no futuro. Já não é possível pensar num negócio que não envolva qualquer instrumento digital. Na verdade, desde o pequeno restaurante ou hostel que já está presente nas plataformas eletrónicas de reserva ou que comunica com os seus clientes por email e regulariza os seus impostos através da internet, até ao à companhia aérea ou cadeia de hotéis que têm os seus próprios sistemas de reserva integrados com as plataformas globais, ou mesmo o casino online que desenvolve a sua atividade exclusivamente na Internet, a digitalização é cada vez mais omnipresente na relação que os agentes económicos estabelecem com os seus clientes e parceiros.
Os campeões digitais, empresas que tiram partido da introdução das tecnologias emergentes nos seus processos de negócio, integram verdadeiros ecossistemas digitais ao nível das soluções, operações, tecnologia e pessoas para oferecer aos seus clientes soluções competitivas e abrangentes. Ao desenvolverem um conceito de ecossistema integrado, frequentemente promovem a participação de fornecedores, clientes e outros parceiros, sempre com o objetivo de criar relações de proximidade e cumplicidade e, dessa forma, gerar informação que permita melhorar as caraterísticas da sua oferta e, simultaneamente, introduzir melhorias nos ecossistemas de operações, tecnologia e pessoas. Desta forma, o modelo tende a gerar um valor superior à soma das suas partes.
A digitalização está na base destes ecossistemas, cada vez mais abertos, e contribui para a sua integração e alargamento permanente. Com efeito, muitas das novas tecnologias que estão agora disponíveis para a grande maioria das empresas agilizam significativamente as capacidades de comunicação, colaboração e automação ao longo de toda a cadeia de valor.
Em concreto, o que significa apostar na digitalização do negócio?
De forma muito resumida, apostar na digitalização do negócio significa explorar as tecnologias digitais disponíveis, desde as mais generalizadas até às mais disruptivas, sempre que estas contribuam para criar ou ampliar vantagens competitivas comparativamente ao modelo existente. Entre as vantagens competitivas que se pretendem atingir destacam-se a rapidez/eficiência, a disponibilidade, o custo, a experiência do cliente ou a qualidade.
Em limite, alguns modelos de negócio apenas poderão existir num modelo puramente virtual porque não são tecnicamente ou economicamente viáveis num ambiente analógico.
O Turismo apresenta, no entanto, uma característica distintiva que potencia o aproveitamento das novas tecnologias no alargamento e interligação da cadeia de valor: o acesso a um vasto manancial de dados sobre os consumidores
No caso do Turismo, que é um serviço de pessoas, onde deve entrar a digitalização?
Partindo de uma oferta de serviços que muito dificilmente poderão ser digitalizados, o setor do Turismo apresenta, no entanto, uma característica distintiva que potencia o aproveitamento das novas tecnologias no alargamento e interligação da cadeia de valor: o acesso a um vasto manancial de dados sobre os consumidores.
A tecnologia oferece a capacidade de analisar estes dados, saber mais sobre cada cliente e, por sua vez, criar ofertas personalizadas que possibilitam o estabelecimento de uma ligação mais duradoura entre a empresa e o seu cliente e, naturalmente, a geração adicional de receita. O expoente máximo desta abordagem, que muito partido tirou da disseminação global da internet e das redes sociais, esteve na origem e contribuiu para o rápido crescimento de vários campeões digitais no setor como o Airbnb, Skyscanner, Booking.com ou Expedia, cujo sucesso fulminante alterou de forma indelével o próprio setor.
Apesar do forte investimento realizado por alguns dos principais agentes do setor, ainda existem alguns obstáculos para que a tecnologia se generalize e produza os resultados que todos esperam dela. Com efeito, alguns setores, como os serviços financeiros, têm uma capacidade de atração de investimento tecnológico muito superior. Por outro lado, o Turismo ainda tem que evoluir muito no desenvolvimento de aplicações, modelos e algoritmos que consigam extrair o máximo de valor possível dos dados disponíveis, tirando cada vez maior partido da digitalização da economia.