Análise | Estarão os viajantes mais resilientes às crises?
O mundo já passou por diferentes crises que impactaram o turismo em vários destinos. Desde atos terroristas a epidemias e desastres naturais. Como o setor enfrentou essas crises?
Carina Monteiro
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“Resposta às crises – está preparado e resiliente para salvaguardar as pessoas e os destinos?”. Parece irónico, mas não é. É o título de um estudo publicado em outubro de 2019, pelo World Travel & Tourism Council (WTTC) em colaboração com o Global Rescue, dois meses antes do início do surto da COVID-19 na China. O relatório, além de abordar as várias crises ocorridas no planeta, tenta apontar caminhos para mitigar com a prontidão possível o impacto destas. Mas o que estamos a viver agora não tem precedentes com nada que ocorreu no passado. O Publituris ouviu vários consultores e economistas e o sentimento é comum: esta não é uma crise semelhante à crise financeira de 2008 e, nesta fase, em que ainda se combate a pandemia, é muito difícil fazer previsões. O próprio primeiro-ministro, António Costa, já disse que é “irrealista” apresentar, neste momento, um programa de relançamento da economia. “Neste momento trata-se de salvar vidas, na área da saúde, e salvar empregos, rendimento e empresas, na área da economia”, prevendo que somente em junho se possa avaliar danos sofridos e perspetivar um “novo futuro para a nossa economia”. As recomendações do relatório do WTTC apontam, claramente, para um envolvimento do Estado na resolução destas crises: “As implicações das crises exigem cada vez mais que os governos se envolvam com o setor privado para melhorar os planos de preparação, gestão e recuperação das crises. A gestão eficaz de uma crise requer a ativação rápida de um plano de emergência, bem como uma comunicação rápida, precisa e transparente”.
Tempo de recuperação
O turismo é responsável por 10,4% do PIB global e por um em cada 10 empregos no planeta, tendo registado um crescimento de 5,500% de chegadas internacionais entre 1950 e 2018. Como tal, é um dos setores com mais interesse em garantir a segurança nas viagens e mitigar o impacto de crises.
Neste estudo é analisado o impacto de 90 crises ocorridas entre 2001 e 2018 nas chegadas e gastos de turistas no destino, bem como o tempo de recuperação. As crises estão divididas por motivação e/ou origem: terrorismo, instabilidade política, desastres naturais e epidemias. Em mais de 90% dos exemplos analisados neste relatório verifica-se um impacto significativo no destino. Mas a boa notícia é que, dos dados recolhidos, é possível notar que tem havido uma diminuição do tempo médio de recuperação das crises de 26 meses (2001) para 10 meses (2018). O relatório justifica esta tendência com uma pesquisa da TripAdvisor que indica que os viajantes estão mais resilientes aos choques, especialmente quando estão familiarizados com um destino.
Das quatro categorias analisadas, os incidentes relacionados com o terrorismo são os que têm o menor impacto económico nas chegadas e gastos de turistas, e o tempo de recuperação mais curto. Por outro lado, o tempo de recuperação mais longo verifica-se nas crises relacionadas com instabilidade política (22 meses em média). No entanto, o WTTC sublinha que destinos percecionados como sociedades seguras, como o Reino Unido, são mais resilientes ao terrorismo.
Analisando a crise financeira de 2008, esta teve um forte impacto sobre o turismo global e nacional no ano seguinte. Em 2009, além da crise económica global, o mundo enfrentava uma contração do crédito, um aumento do desemprego, além da pandemia da Gripe A. Em Portugal, as dormidas em 2009 registaram uma quebra de 6%. Foi preciso esperar um ano para voltar aos resultados positivos. A hotelaria nacional terminou o ano de 2010 com crescimento de dormidas de 2,9%, uma de taxa de ocupação de 38,4%, mais 0,3% que em 2009. Quanto ao RevPAR, foi de 28,6 euros, mais 11,6% que no período homólogo.
Jorge Catarino, na altura diretor do departamento de Hotelaria da Cushman & Wakefield, no artigo de opinião que escreveu para o Publituris intitulado: ‘Os efeitos das crises no Turismo e na Hotelaria’, perspetivava: “Em 2009 continuará, naturalmente, a existir procura no mercado, mas esta manifestar-se-á de forma diferente, pois famílias e empresas estarão a procurar economizar mais que antes. É previsível, portanto, que haja um relativo ‘downgrade’ da procura turística e uma maior preferência por pacotes e hotéis em regime de tudo incluído, sem quaisquer surpresas ou custos adicionais escondidos. Será provável uma diminuição das distâncias percorridas em viagem, crescendo o turismo interno e de curta distância. Por último, os consumidores tenderão a reservar mais tarde e os hoteleiros dificuldades acrescidas em fazer previsões”.
Agora, o consultor é mais cauteloso em fazer previsões: “Embora paralelos possam ser sempre estabelecidos com crises anteriores, a verdade é que esta crise é bastante atípica por afetar uma dimensão crítica da humanidade, a saúde e bem-estar, de forma excecionalmente rápida e verdadeiramente global. Na verdade, ninguém está completamente a salvo e à crise sanitária seguir-se-á a crise económica e a social, cujas durações e impactos totais são ainda uma incógnita. Efetivamente, nunca tinha ocorrido uma paragem tão brusca das atividades do Turismo & Viagens, a nível global, com fecho de fonteiras e rotas aéreas, por tempo indeterminado. Sim, trata-se de uma crise sem precedentes, sendo muito difícil fazer previsões”.
Recomendações
O relatório da WTTC avisa que o maior risco muitas vezes não é a crise em si, mas a preparação, a gestão e a resposta. “Historicamente, tem havido uma falta de coordenação entre os diferentes ministérios e o setor do turismo”, escreve a WTTC. Governos que reconheçam que o setor do turismo faz parte da solução para uma crise económica têm tendência a desenvolver políticas e mensagens coordenadas de apoio ao setor. Neste sentido, a primeira recomendação da WTTC é construir “coligações baseadas na confiança” e criar planos de emergência, que podem começar por uma simples discussão de como os vários ‘stakeholders’ responderão em diferentes cenários de crise. Um exemplo é o Reino Unido, em que o governo desenvolveu com a Associação das Agências de Viagens e Operadores Turísticos (ABTA) um grupo de trabalho, depois dos ataques terroristas na Tunísia em 2015, que resultou na criação de planos para diferentes cenários de crise, bem como a gestão de uma resposta da indústria do turismo a uma crise específica.
Depois é necessário comunicar de forma “certa e transparente”. As autoridades devem tomar a dianteira da comunicação e responder rapidamente, dando instruções, sendo consistentes, acessíveis e expressando empatia. É importante ser-se honesto quanto à informação conhecida e sobre o que ainda se desconhece face à crise. Por exemplo, apesar da epidemia do Ébola, entre 2013 e 2016, ter afetado particularmente três países africanos: Libéria, Guiné e Serra Leoa, o problema foi percecionado como um problema de todo o continente africano. Como consequência a associação de Hotéis da Tanzânia reportou uma quebra de 30% a 40% de negócio em 2014.
Por outro lado, Miami foi capaz, através de uma comunicação eficaz, manter o turismo, informando os turistas de que o surto do vírus Zika estava limitado a determinados locais. A comunicação também é fundamental para “convidar os turistas a regressar ao destino”, com uma mensagem que informe o turista que o destino passou de uma fase de gestão da crise para a recuperação. Mostrar-lhe que é seguro regressar e, ao mesmo tempo, que ele próprio desempenha um papel no apoio à recuperação. Um exemplo é a Coreia do Sul que enfrentou em 2015 o surto do Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS). O surto teve um impacto significativo no setor do turismo, com cerca de 54 mil cancelamentos de viagens para o país. O governo sul-coreano reconheceu e pediu desculpas oficialmente pelas suas fragilidades na contenção da doença, tanto na preparação quanto na administração da crise, integrando essa aprendizagem nos seus planos de emergência e reformando o sistema de saúde. Uma comunicação e uma estratégia de marketing eficazes podem ser a chave para informar os viajantes quando um destino está pronto para receber turistas e incentivá-los a regressar. “Na era hiper-visual em que vivemos hoje em dia, fotos e vídeos para mostrar que um destino ou uma empresa estão prontos e ansiosos para receber turistas podem desempenhar um papel importante na ilustração da recuperação”.
A WTTC deixa ainda outra recomendação: “Compreender as motivações de viagem dos turistas é fundamental na fase de recuperação. Os destinos devem trabalhar para identificar quais os segmentos de mercado que terão uma recuperação mais rápida, depois de uma crise, e focarem-se nesses mercados em primeiro lugar. Por exemplo, depois o terramoto de 2015 no Nepal, o segmento de viagens de aventura recuperou muito rapidamente, dada a alta tolerância deste grupo ao risco. Nesse contexto, a diversificação de segmentos de turismo por destino pode ajudar a mitigar o impacto de uma crise”.
Artigo publicado na edição 1414 do Publituris, de 27 de março