Entrevista | “O empresário é um sobrevivente e isso é péssimo”
António Marques Vidal, presidente da APECATE, fala sobre os desafios que se impõem à operação das atividades de Animação Turística e dos Eventos e Congressos.
Raquel Relvas Neto
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António Marques Vidal, presidente da APECATE, fala sobre os desafios que se impõem à operação das atividades de Animação Turística e dos Eventos e Congressos.
À porta da época alta, em que a procura por atividades de animação turística também aumenta, que desafios a Associação Portuguesa de Empresas de Congressos Animação Turística e Eventos identifica na operação dessas no país?
Há um desafio na animação turística e não só, inclusive nos eventos também e, de certa maneira, que o Turismo em geral tem e que já vimos a falar há uns bons quatro anos: ordenamento. Portugal não está preparado para as mudanças sociais, económicas e culturais que se estão a passar, quer em termos globais, quer em termos específicos na dimensão do Turismo. E queremos um ordenamento que seja sustentável e não está a ser.
Continuamos a ter uma gestão extremamente setorizada, muitas vezes corporativa e esquecemo-nos que o Turismo tem uma dimensão global, não tem de todo fronteiras, não tem concelhos. Esquecemo-nos que toda a dinâmica social influencia o Turismo e vice-versa, e, portanto, quando tenho decisões extremamente particulares e setorizadas, que até podem parecer uma excelente solução para aquele problema em especifico, podem criar 50/70 entraves. Ou seja, o problema dos empresários da Animação Turística é que interagem muito proximamente com o espaço, que é de todos, e, a partir do momento em que o espaço não tem um pensamento organizacional, criam-se imensos problemas. O empresário é um sobrevivente e isso é péssimo, porque temos imensas licenças e taxas para isto e para aquilo, embora esteja dito na nossa lei que não pode haver taxas, mas estão sempre a criar taxas. Estão sempre a criar problemas.
Basta ver os recentes problemas que estão a acontecer em Sintra, onde uma autarquia fez um erro logo de início que foi criar um regulamento sem consultar os próprios públicos que são alvo desse mesmo regulamento. Quando faço algo sozinho tenho muitas probabilidades de fazer algo que não se adequa e, seguindo as regras democráticas e legais, nós contestámos e o juiz deu-nos razão. Quando a autarquia e as forças políticas, que apoiam essa decisão, dizem que o problema de Sintra é que foi apresentada uma providência cautelar, estão a enganar as pessoas. Isso é demagogia. O problema de Sintra é não querer trabalhar com os operadores e encontrar uma solução sustentável para essa mesma decisão. Devia-se pensar no bem comum. Sintra tem um excesso de carga, estamos todos de acordo; é necessário regular e reorganizar, estamos todos de acordo; não estamos é de acordo quanto à forma e esta tem de ser refletida e sustentável, quer na parte ambiental, social e económica. Depois, vão buscar um argumento, que é um argumento extremamente importante e que mais uma vez deve ser pensado quando pensamos no ordenamento, que é a questão da segurança, meramente com o objetivo de travar uma atividade económica. Não lhes preocupou a segurança para nada, só para travar aquela atividade económica por uma mera vingança. Para nós, isso não faz sentido porque estamos a desviar-nos da questão. A democracia existe e a participação existe e é essencial que todos oiçam o problema real.
A APECATE, neste caso concreto, muito antes do problema aparecer, pediu uma audiência à Câmara [de Sintra], que reuniu connosco e que disse que, basicamente, não quer saber. Estamos mal servidos nesse caso em específico. Infelizmente, não é o único. Temos problemas nas praias, nos espaços urbanos, nos espaços rurais, porque não há exatamente uma visão democrática do que deve ser o ordenamento e continuamos aqui a criar problemas. Devíamos ter o ordenamento minimamente estruturado e consistente. Depois de resolvida essa parte, temos o segundo problema que existe para os empresários da animação turística: a qualificação. Ainda temos muitos operadores que prestam serviços em vez de oferecer produtos. Isto é uma questão de qualificação, é sair de um mero serviço para ser realmente um operador turístico que oferece um produto.
Depois, tendo essas duas etapas feitas, é a questão da captação dos clientes e da venda para dar subsistência à atividade.
Esta questão de Sintra tem a ver com o acesso dos tuk tuks e da respetiva regulamentação?
Para já, não deve ser um problema de tuk tuks. Para nós, é um problema das viaturas afetas à atividade de animação turística, que são tuk tuks, carros antigos, carrinhas até nove lugares, carrinhas que estão a dar apoio a percursos de bicicleta ou a pé, é toda uma diversidade. Centralizou-se nos tuk tuks, porque estão numa fase que chama mais a atenção e que, de certa maneira, tomaram algumas atitudes menos concertadas, mais agressivas e isso provoca alarme social. O que reforça mais a questão de, depois de resolvermos o ordenamento, resolvermos a qualificação e, nomeadamente, o que é um prestador de serviço.
É muito simples, qualquer operador de animação turística tem de cumprir a lei. É óbvio que um operador de animação turística não pode apanhar clientes no meio da rua. Isso é serviço público, é serviço dos táxis e dos Uber, não é serviço da animação turística. Basta simplesmente cumprir o que está na lei. Mas temos, efectivamente, de querer cumprir a lei e qualificar as pessoas e tirar o problema dos tuk tuks. Os tuk tuks são uma parte da animação turística, existem e, para mim, têm direito a existir, têm é de cumprir regras.
É verdade que se tem de regular o acesso a Sintra ou o acesso à baixa de Lisboa. Tem que se trabalhar as motorizações (em Lisboa já está praticamente resolvido), em Sintra já existe muito, mas há soluções técnicas que permitem a eletrificação e, portanto, começar a fazer a mudança da motorização, que tem de ser progressiva dando capacidade aos empresários de prepararem investimentos e depois qualificar, porque é verdade que há muito mau serviço prestado por alguns operadores.
Soluções
Para resolver estes desafios, nomeadamente do Ordenamento, qual é a sugestão da APECATE?
Julgo que de uma vez por todas, e isso é uma obrigação do Estado, embora a APECATE o ande a fazer dentro das suas competências e das suas limitações, devia-se criar a obrigatoriedade de todas as leis e regulamentos serem discutidos com as associações do setor. É impensável que dentro do Ambiente se continuem a fazer leis e projetos sem consultar quem vai usufruir. É impensável que se faça um regulamento para uma praia e não se tenha consultado [as associações do setor]. Em concreto, no Algarve, neste momento, vão fazer-se concursos que visam a renovação das concessões dos apoios de praia em que definiram como critério tratar todas as praias do Algarve por igual, o que é o primeiro erro. Segundo erro, introduziram critérios decisivos, ambientais, um que, por exemplo, tenta combater as atividades motorizadas que na sua essência têm algum sentido, mas na prática não posso tratar a Praia Verde da mesma forma que a praia de Albufeira. Tem de se perceber o que é Albufeira, quem é que habita em Albufeira, quem são os turistas que chegam a Albufeira. Não posso dar a esse turista o mesmo que dou ao turista que procura uma praia qualquer em Tavira ou numa ilha da Ria Formosa, que são turistas completamente diferentes. Se na Ria Formosa faz todo o sentido que o critério seja o que privilegie as canoas, ou o stand-up paddel, a vela, tudo o que não seja motorizado, depois chegamos a Albufeira e é completamente diferente. Numa altura em que andamos a sofrer com o Brexit, com dificuldade em continuar a captar mercados específicos, que são mercados que consomem uma coisa, mas depois chegam cá e dou-lhes uma canoa para andar. Voltam para Inglaterra e dizem que Portugal nunca mais, Algarve nunca mais pensar. O Estado tem que ter juízo, está a interferir com milhões, quer os milhões que estamos a gastar na captação de clientes, apesar do Brexit, quer na sustentabilidade económica de uma série de empresas e de famílias que vivem daquele negócio.
Defende uma comunicação mais transparente entre as várias entidades?
Tem que, pelo menos, haver diálogo. Outro critério foi o preço mais barato. Pergunto: estamos a falar de Turismo, de Economia ou estamos a falar de questões sociais? Então um critério onde a decisão é o operador turístico que fizer o preço mais barato ao cliente e que não pode alterar nos próximos dez anos a não ser à taxa de inflação? Isto é Economia? Estamos à procura do turista que cria valor, que investe em qualidade ou do turista que vem para aqui porque isto é tudo muito barato e faz o que quer? Não pode ser. Foi um dos critérios decisivos para as praias do Algarve. É claro que a praia tem de ser de todos e tem de dar acesso a todos, agora o que posso e tenho obrigação de fazer enquanto Estado é introduzir benesses sociais, possibilitanto que as pessoas também partilhem aquelas atividades. Agora o turista não tem que estar a ser financiado, o turista tem que financiar. Isto foi feito e anda a prejudicar Portugal e ninguém diz nada. Fazem o que querem e depois nada acontece. Colocava como obrigatório ouvir as entidades, registar claramente, discutir com o setor. Isto tem de ser muito claro para as pessoas, não podem continuar a fazer as coisas escondidos nos gabinetes. Não, temos que ver o que acontece e ter a obrigatoriedade de consultar as forças vivas, as entidades que estão diretamente implicadas. Depois também deve haver uma concertação nacional, sobretudo com o que vai acontecer agora por decisão da Assembleia da República e do Governo, em que as autarquias vão ficar com mais poderes. É uma decisão sobre a qual não vou opinar, mas considero que devia ser uma obrigação que as autarquias tivessem de seguir uma série de indicações de unidade nacional. Vou dar um exemplo que aconteceu com uma empresa que teve um projeto de um evento para fazer em 30 praias, o projeto é exatamente igual. No entanto, teve de fazer 30 projetos diferentes, pagou 30 taxas diferentes e teve de fazer 30 requisitos diferentes. Isto não faz sentido.
Ou seja, o Simplex não está a funcionar?
Não funcionou, no poder local e em muita parte do Estado. O Simplex no Turismo atuou e muito bem, foi uma das melhores medidas e julgo que a competitividade do Turismo, entre outras coisas, se deve muito ao Simplex, mas depois saímos daqui e é preciso o carimbo. Entramos no país do carimbo. Depois temos entidades, nomeadamente as entidades que fazem a gestão e a fiscalização das praias, que não funcionam no sentido da construção, funcionam só no sentido da punição. Também não é solução. É necessário mudar mentalidades do aparelho de Estado, a começar pelas autarquias e terminando no resto.
Futuro
Além de todos estes desafios, houve também um que foi o crescimento do Turismo em Portugal e, consequentemente, das empresas de Animação Turística. Com alguns indicadores a apontar um decréscimo no número de turistas, como fica a sustentabilidade atividade? Vai existir um processo de filtragem e algumas empresas vão encerrar?
Julgo que ainda não vai acontecer, mas no futuro, irá acontecer. Os mercados tendem a estabilizar, o que acredito também é que existe uma renovação do tipo de empresa. Há seis anos, ninguém sabia o que era um tuk tuk, entretanto apareceram imensas empresas e agora também já há muitas menos. Começou a haver mais concentração. Se no início os tuk tuks era muito de micro empresas, com uma, duas viaturas, que serviram para a sua auto-sustentação, apareceu na altura da crise e foi um bom meio social, hoje em dia já começa a haver empresas maiores. Mas aquilo que se falou prende-se com a questão que lhe disse: não há, hoje em dia, efetivamente, um excesso de turistas, há cargas excessivas em locais específicos. Por isso voltamos a falar que é necessário voltar a criar um modelo de ordenamento e de gestão. Tudo o resto não é novo, é preciso descentralizar e criar novos pontos de interesse, isso tem vindo a ser feito. Por exemplo, o Turismo de Natureza está a voltar. Como é lógico, a Natureza em si mesma tem uma carga muito importante e as empresas sabem, porque estas não abusam. E é preciso perceber aqui que a Animação Turística é muito diferente da hotelaria, da restauração, embora devam e tenham de estar intimamente ligados, porque um produto turístico não existe sem uma destas três componentes. Em termos da animação, como é óbvio, as cidades têm de se reajustar, reorganizar para uma nova vivência, para turistas diferentes, porque o próprio turista mudou muito. A maneira como o turista chega ao seu destino e quer aquilo que quer também é muito diferente. Como disse, aparecem as empresas mais tradicionais e aparecem também outras, agora tem que haver um plano organizacional para a cidade, tem que haver um plano de gestão, havendo isso as empresas adaptam-se.
Quando se tomam decisões é sempre para proibir. É a primeira palavra que oiço em Portugal e isto sempre com base em chavões que valem muito e que não valem nada. O primeiro é a segurança. À custa da segurança proíbem-se não sei quantas coisas. É não perceber efetivamente o que quer dizer segurança. E muito mais do que segurança, quem fala de segurança tem de falar de uma coisa que se chama gestão de risco. Pergunto quem são essas pessoas que tomam decisões e que percebem o que é gestão de risco. Porque a segurança é uma mentira, o que existe sempre é um nível de insegurança e aumenta e diminui de acordo com as atitudes, os comportamentos, as decisões que tomamos. Não podemos falar que Portugal é um país seguro, podemos falar que Portugal é um país com um nível de insegurança muito mais reduzido do que outros países. Um técnico percebe isto, um cidadão comum não porque só falam em segurança, mas era obrigação do técnico perceber e inverter isso de uma maneira que se tornasse sustentada.
Tirando o chavão da segurança, outra é a qualidade. E a qualidade não se faz proibindo, faz-se qualificando. Se proibir, nunca vou ter qualidade, tenho é de qualificar e perceber como é que qualifico.
Estas são as questões, se conseguirmos dar a volta a isto, vamos continuar a ser um país muito forte no Turismo, porque a nossa maneira de ser e de estar, a nossa história e gastronomia, tudo isso já existe e não vamos destruí-las. Se resolvermos todos estes problemas, penso que vamos continuar a ser um país a ganhar troféus do Melhor Destino do Mundo muitas vezes, mas é preciso parar para refletir e realmente abordar estas questões.
Dentro dos subsetores que existem na Animação Turística, desde os parques de aventura, operadores de turismo cultural, operadores marítimo-turístico, operadores de turismo natureza, existem alguns desafios que são mais urgentes nestas sub-áreas?
Sim. Um setor que tem um enorme potencial e que está altamente constrangido ainda é o marítimo-turístico. Há um potencial enorme no mar, nas atividades de praia e de mar e que está altamente constrangido ainda por muitos regulamentos e leis, por muitas autoridades a mandar e que é um caminho.
Outra questão é, claramente, a dos parques naturais. Portugal é um país onde ainda temos um muito bom nível da Natureza, mas os parques em Portugal têm caraterísticas muito diferentes dos parques do outro lado do mundo, porque são feitos em cima de muita área particular, com muita atividade. Há coisas que têm de ser revistas. A gestão desses mesmos parques, como é distanciada das pessoas que vivem nesses parques, leva a que hajam conflitos de utilização. O Turismo, como disse há pouco, pode ser altamente sustentado e acrescentar valor, porque logicamente, o que todos procuramos é ter menos turistas e mais valor. Isso é que é a tal margem que possibilita ter serviços com mais qualidade, com mais integração de questões naturais. Julgo que aí também tem que ser feito um trabalho consistente, embora, volte a dizer a que questão do mar, e muita coisa está felizmente a ser feita, muita coisa falta ainda fazer. E agora esta mudança das autarquias que vão passar a ter a gestão das praias.
Não lhe traz boas perspetivas?
Nem boas, nem más. Considero que é uma oportunidade porque é uma mudança e qualquer mudança pode ser uma oportunidade ou um desastre. Faço é os alertas. Já tenho alguns indicadores que apontam que em certos sítios vai, efectivamente, correr melhor, mas em outros sítios já está a correr pior. Pode ser uma nova maneira de estar. Agora não podemos continuar a ter uma gestão das praias feita com leis avulsas e muitos interesses. Vou colocar uma questão paralela: Sabe com quantas entidades oficiais a animação turística, no seu global, tem que se dar? Dez. Como é que temos de trabalhar com dez entidades que mandam, põem e dispõem, que não falam umas com as outras, que fazem leis umas por cima das outras. Há aqui uma necessidade de articular, de congregar e de, efetivamente, perceberem o que é que implica uma coisa e outra. Porque, de facto, há bons e maus empresários em todo o lado. Os bons empresários são pessoas conscientes, têm a noção que se dermos cabo do património, da natureza, do nosso espaço, nomeadamente espaço urbano, vão abaixo, morrem. Nenhum empresário quer morrer, quer continuar com o seu projeto. Agora vai dar-me exemplos de muitos empresários, os chamados empresários paraquedistas, que existem e o Turismo também os tem. Posso dizer que houve uma classe de empresários que também já estão a ir, que a certa altura tinham alojamento local, Uber, tuk tuk e táxi. Faz parte, é um direito que têm, mas já estão a mudar de negócio. Mas os outros não, querem fazer coisas e a maior parte dos empresários quer cumprir, essa é que é a grande questão. Quando começa a querer cumprir, fica num caos. E não chegámos à questão dos IVA’s. Um empresário da animação turística tem o IVA normal a 23%, mas em algumas situações, como desportivas, pode ter a 6%, é um caos. Perguntando às próprias Finanças, uns dizem umas coisas, outros dizem outras.
Com todos estes desafios identificados pela APECATE, como vê a recetividade do Estado, neste caso da Secretaria de Estado do Turismo?
Com os três últimos Governos tivemos sempre uma excelente linha de comunicação com a respetiva Secretaria de Estado. Cada uma delas, de acordo com as suas políticas, investiu mais numas áreas do que em outras. Como é lógico, nunca estamos contentes. Mas posso dizer, claramente, que tivemos excelentes relações com os três, somos ouvidos, nem sempre conseguimos que eles se mobilizem para resolver as nossas questões, mas em geral, os três últimos secretários de Estado do Turismo fizeram um excelente trabalho em prol do Turismo. Agora, em prol de algumas questões específicas, nomeadamente a nível de ordenamento, cada vez se torna mais grave e consideramos que deviam também investir mais, pois julgo que é necessário apanhar este problema de frente. A atual Secretaria de Estado [do Turismo], e o Turismo de Portugal, têm feito um excelente trabalho na promoção de Portugal, na captação de novos mercados, na abertura ao mundo, e todos estamos a beneficiar disso. Agora, na questão fundamental desta questão específica que está a começar a ser um problema, e com esta passagem de competências para as autarquias que vai ainda avolumar mais o problema, julgamos que é altura de também fazer um esforço maior. É necessário haver uma maior preocupação com essa parte.
Eventos e Congressos
No vosso congresso, que decorreu no início do ano na ilha do Faial, falaram da necessidade de um registo de empresas desta área. É um dos desafios na área dos Eventos e Congressos? E a questão do IVA?
A questão do IVA afeta-nos a todos dos eventos, congressos e animação turística. Uns mais do que os outros. A questão do IVA em comparação com os nossos vizinhos espanhóis põe-se mais nos congressos. Nos eventos, não é só a questão do IVA, é que quando há um grande evento, os nossos amigos espanhóis mobilizam-se em termos de entidades oficiais, das empresas, temos as empresas de animação turística, as autarquias, todos juntos a concorrerem como um bloco. Cá, se quero captar um evento, faço o esforço todo. Isto não é só responsabilidade do Governo, é responsabilidade de uma cultura dos empresários portugueses que ainda não perceberam que têm que se unir para fazerem blocos fortes para conseguir captar [eventos, congressos]. A guerra passa por aí. Por exemplo, Lisboa continua sem ter um centro de congressos para grandes eventos, uma parte é responsabilidade do Governo, mas a outra parte é dos empresários que não se unem. Não estou muito por dentro, mas a última noticia que li, vale o que vale, é que a Câmara de Lisboa andava com um diferendo com a Associação Industrial de Lisboa, porque não conseguem chegar a acordo sobre o local onde vão fazer o centro de congressos. Julgo que há alturas em que há valores que falam mais alto. Não é às entidades que compete. Muitas vezes a mudança de mentalidade dos próprios empresários é que é determinante. Temos, por um lado, a capacidade de resolução de problemas, criatividade, as agências portuguesas de eventos são das mais criativas do mundo. Cada vez vez que fazemos um micro ou grande evento fazemos bem, mas depois falta-lhes esta capacidade de saber trabalhar em parceria. Considero que esse é o grande desafio para o setor dos eventos na sua dimensão comercial. Falta saber e aprender a trabalhar em parceria, não só com as entidades oficiais e estas connosco, como também entre os próprios empresários.
Resolvendo essa questão, surge ainda a questão em que julgo que é urgente haver uma maneira de saber o que é isto dos eventos. Temos uma definição minimamente acordada do que devem ser os eventos, e é muito importante porque tenho que saber quanto vale o setor. Ouço o poder político dizer que a hotelaria vale isto, a restauração aquilo, a animação turística isto e os eventos? Não sabem. É algo em que a Secretaria de Estado não nos deu abertura. Consideramos que o registo é uma maneira simples de começarmos a ter acesso [a esta informação]. Diz-se que com o INE se sabe, mas não se sabe porque os nossos CAE são múltiplos. É uma medida simples, que nos ia dar uma noção de setor, que nos ia dar dados para fazermos uma gestão mais organizada e realista. Por outro lado, as próprias empresas de congressos e eventos começavam também a perceber quem é o seu setor. E uma coisa leva à outra, como é que se qualifica o setor, como é que se definem mercados, como é que se juntam para ganharem os tais concursos. Consideramos que é benéfico, porque os eventos são um setor extremamente competente, mas muito disperso.
Tendo em conta a importância e apoio financeiro que o Governo dá a um único evento que Portugal vai receber nos próximos dez anos, qual é a opinião da APECATE sobre este apoio e que impacto tem na operação de outros eventos?
A decisão de apoiar um evento e de não apoiar outro, é uma decisão política, compete a quem está no Governo. Há outras maneiras, certamente há. Há outras estratégias, certamente há. Julgo que cabe a quem de direito decidir. Posso sempre colocar muitas questões, agora há uma questão de base: é importante ter eventos de visibilidade mundial em Portugal? Sim. Porque é importante continuar a marcar mundialmente a agenda. Aliás, uma das grandes revoluções que aconteceu nestes últimos 12 anos, foi que saímos daquela promoção tradicional, da feira, para apostarmos no digital e com muito êxito, mas depois também tivemos eventos como a Expo98 ou o Euro 2004, que foram notícia mundialmente. Como já dizia alguém, a dificuldade é eles aterrarem em Portugal, depois de estarem cá um dia ou outro, já percebiam o que é isto e voltariam. Nessa lógica, se tinha que ser com a Web Summit ou com qualquer outro evento, não vou discutir. Julgo que é importante que produza notícias mundialmente. Numa lógica de mercado, o mercado do digital e da web está em grande crescimento e preponderante, portanto, um evento nessa área também não me parece que seja mau. É óbvio que gostava que o Estado apoiasse, mesmo a própria APECATE já teve alguns eventos de dimensão mundial e teve os apoios que teve, se queria ter tido mais? Claramente que sim. Existe uma verba, alguém para decidir, é votado, está lá, decide, não questiono muito.
Espero que continue a ser um evento marcante para os próximos dez anos, que isso é que é importante, porque senão não devia ser tantos anos. Julgo que é importante preparar para depois se poder rentabilizar, para não acontecer o que sucedeu com o Euro 2004, em que temos alguns estádios que não têm utilidade. Houve aí, claramente, um erro de planeamento. Se nos próximos dez anos, criarmos infra-estruturas e conseguirmos ir captando outros grandes eventos que sirvam para nos situar nesse nível de negócio, acho que sim.
Ao nível de hotelaria já não há alojamento para aquela data, agora também não concordo que se vão fazer alojamentos de propósito para dar resposta, isso é um erro. O que temos é que criar uma melhor mobilidade e ir beneficiando as áreas adjacentes. Se estiver alojado em Fátima e chegar numa hora a Lisboa, é ótimo. Se me meter num comboio e sair no Parque das Nações, estou dentro do congresso, isso é ótimo. Os comboios têm é de funcionar. Julgo que é importante ter estes eventos desde que não seja uma festa, desde que sejam projetos que criem a chamada sustentabilidade, que tenham o efeito de onda para além do próprio evento em si, que provoque desenvolvimento. Se for só para fazer o evento, mandar uns foguetes, por favor não.
Que iniciativas se podiam concretizar para ajudar a dinamizar o setor dos congressos?
Continuo a achar que o setor precisa de identidade, precisa de saber quem é, o que é que faz e precisa de ter mais candidaturas concertadas. Aí, o modelo ainda é uma associação ou uma empresa que vai sozinha captar o congresso, faz tudo sozinha. Isso, julgo, é uma fragilidade. Considero que a grande aposta é exatamente dar valor ao setor para começarmos a fazer candidaturas mais fortes, porque é um bom mercado e estamos bem posicionados. Outra questão era pensar a mobilidade para tornar, por exemplo Viseu, um bom destino de congressos internacionais. Não o é porque ao nível de acessibilidade só há auto-estrada e pouco mais, não há transportes, não há interfaces, não há ligações. É este tipo de concertação que é necessário para nos tornarmos imbatíveis em relação a destinos como Barcelona, como Valência, como Paris, porque temos armas para o ser.