O lugar das mulheres é… onde elas quiserem!
Leia a opinião por Por Ana Jacinto, secretária-geral da Associação da Hotelaria, restauração e Similares de Portugal.
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Como refere Américo Nunes (dirigente sindical) num dos seus trabalhos, foi apenas no ano de 1911 que se defendeu pela primeira vez que as mulheres também tinham direito ao dia de descanso semanal na Restauração e Hotelaria. Três anos mais tarde existe registo de uma carta redigida por uma empregada de hotel a perguntar se a associação dos trabalhadores aceitava mulheres como sócias, mas não há prova de resposta positiva. E em 1916, quando no Porto abre um café com mulheres a servir à mesa, a associação de classe (dos trabalhadores) contesta o facto e o apoio que recebe dos trabalhadores é imenso.
Em Novembro de 1936, o então secretário de Estado proíbe a admissão de mulheres nas mesas, bares e cozinhas dos hotéis e esta proibição teve como fundamento formal os trabalhos destas secções serem trabalhos mais pesados e pouco apropriados para as mulheres. Mas como sabemos, os trabalhos de rouparia, lavandaria, engomadoria, arrumação e limpeza de quartos são igualmente pesados, e não eram proibidos. O que estava subjacente era a ideologia da inferioridade da mulher relativamente ao homem, e de que a vocação destas era serem mães e ficarem em casa a cuidar dos filhos.
Teve também importância nesta medida, a “prepotência interesseira” dos homens, considerando que os melhores lugares, os mais bem remunerados, deveriam pertencer aos homens. Aos chefes de família. Aliás, na direção, portaria e na receção dos hotéis, onde estavam alguns dos lugares melhor remunerados, as mulheres também não tinham lugar. Eram lugares exclusivos dos homens. Embora a proibição formal aqui não tenha existido.
Com o passar dos tempos, e com a mudança, leia-se, evolução, de mentalidades, as mulheres foram começando a desempenhar outras tarefas, até que acabaram por conquistar todas as categorias e hoje são uma presença constante nos nossos restaurantes e hotéis, em todas as profissões, ao ponto da maior parte de nós jurar que a presença da mulher na restauração e hotelaria é tão antiga quanto a própria restauração e hotelaria.
Mas mesmo depois de todos estes avanços, ainda hoje continuamos a assistir a uma estranha ausência numa das categorias mais valorizadas do Turismo: a profissão de chef, da denominada “alta cozinha”, e isto acontece sem qualquer razão lógica aparente… aliás contra aquela que seria a lógica, dado o número de mulheres que trabalham nas nossas cozinhas… digo eu.
Mas não se pense que esta é uma realidade tipicamente nossa. Em 2018, das 57 estrelas Michelin atribuídas, apenas duas foram para chefs mulheres. Em Portugal, ainda nenhuma chef foi premiada. Em toda a história desta distinção, menos de 5% foram estrelas atribuídas a chefs mulheres. Se pensarmos na qualidade que temos, se pensarmos no grande exemplo que tem sido a Chef Justa Nobre ou a Chef Mimi, entre outras, dá que pensar…
E a razão não reside no facto de não haver mulheres chefs, também não é falta de talento e não é pela falta de disponibilidade ou pela dureza do trabalho porque, nesta perspetiva, trabalhar numa copa não é em nada diferente, senão mais duro. Também o argumento dos filhos está a começar de deixar de ser argumento, uma vez que as mulheres, cada vez mais, têm vindo a conseguir equilibrar a sua vida pessoal com a profissional, especialmente no que toca aos filhos, com divisão das responsabilidades parentais.
Assim, temos mulheres chefs em quantidade, em qualidade, competentes, igualmente dedicadas e criativas, o que nos leva a questionar qual a razão pela qual não temos hoje em Portugal, como nunca tivemos, cozinheiras distinguidas mediaticamente, com o protagonismo e glamour que muitos dos chefs do género masculino hoje têm.
Ser chef é um lugar de chefia, e exige ser líder e ter autoridade natural, características que tradicional, e erradamente, são associadas aos homens, podendo estar aqui uma eventual razão.
Tudo analisado, e sem me arrogar a qualquer estudo de base científica, não posso deixar de concluir que ainda continuamos a assistir a um certo tipo de discriminação nesta matéria, ou dito de outra forma mais eufemística, alguma falta de igualdade de oportunidades.
Dirão alguns que podemos, à semelhança do que já acontece para empresas públicas e cotadas em bolsa, determinar quotas ou, como gostam de lhe chamar “representação equilibrada” entre mulheres e homens. Sou, naturalmente, contra sistemas de imposição de género, seja ele qual for, e seja em que área for, como acontece nos sistemas de quotas, uma vez que este pressupõe que o acesso não é feito pelo mérito mas apenas por se discriminar positivamente um determinado género. Num mundo ideal, estas não teriam, sequer, sentido para existir. Vamos então mudar mentalidades para que não exista essa necessidade.
Mas o mundo muda a uma velocidade estonteante e acredito que vamos sentir, cada vez mais, um maior respeito e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido pelas mulheres no setor, não só na cozinha, como em muitas outras profissões do Turismo, sendo que, o longo caminho de dignificação e valorização que ainda temos de trilhar, no que diz respeito em particular ao Serviço de Sala e Atendimento, será uma oportunidade ímpar para aproveitar as competências das mulheres, pois como sabemos, hoje já são elas que apresentam um maior número de qualificações e certificações.
A propósito deste tema, a Comissão Europeia afirmou já que está provado que as empresas que têm mais mulheres em lugares de topo têm um desempenho muito superior àquelas que têm menos mulheres. Aumentar o número de mulheres nas empresas tem vantagens não só do ponto de vista económico, mas também na sociedade como um todo. Já há argumentos…é chegada a hora de conhecermos, e reconhecermos, as nossas chefs. Pode ser que a próxima gala do Guia Michelin Espanha & Portugal, em Lisboa, nos traga boas novas. O lugar das mulheres é…onde elas quiserem!
*Por Ana Jacinto, secretária-geral da Associação da Hotelaria, restauração e Similares de Portugal (AHRESP)
Artigo publicado na edição de 22 de Junho do Publituris.