“É o momento certo para as empresas portuguesas irem para Cuba”
Há quase quatro anos como Embaixadora de Cuba em Portugal, Johana Tablada faz um balanço do seu mandato que termina após o Verão. As mais-valias de Cuba e as possibilidades que existem no intercâmbio em várias áreas económicas foram o foco da entrevista, sem, claro, descurar a indústria do Turismo onde ambos os países dão… Continue reading “É o momento certo para as empresas portuguesas irem para Cuba”
Raquel Relvas Neto
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Há quase quatro anos como Embaixadora de Cuba em Portugal, Johana Tablada faz um balanço do seu mandato que termina após o Verão. As mais-valias de Cuba e as possibilidades que existem no intercâmbio em várias áreas económicas foram o foco da entrevista, sem, claro, descurar a indústria do Turismo onde ambos os países dão cartas.
Em 2017 termina o seu mandato como Embaixadora de Cuba em Portugal. Que balanço faz desta experiência?
Ainda estou a trabalhar muito, todos os dias com a mesma paixão. Tem sido uma experiência maravilhosa, inesquecível, que de alguma forma nunca vai ficar no meu passado, pelo contrário, vai acompanhar-me pelo resto da minha vida.
A nível do Turismo, que é um sector em que esteve bastante activa, que recordações vai levar de Portugal?
Que Portugal é um dos países mais bonitos de todo o mundo. Todas as pessoas que conheço dizem que não podem morrer sem vir a Portugal, é como Cuba, é único. Portugal é um País muito especial e é interessante, tem tudo com que uma pessoa consegue sonhar. É um País que tem sol, que para mim é muito importante, e o mar está sempre à distância de uma ou duas horas para qualquer pessoa. Tem uma gastronomia fantástica, tem paisagens impressionantes com colinas, com montanhas, rios. Tem pessoas maravilhosas e tem beleza até nas coisas mais simples. Os portugueses, não só apanharam a beleza que herdaram dos seus antecessores, mas também, de alguma maneira, foram menos arrogantes do que outros impérios na sua visão do mundo. O que viram lá fora, de alguma forma incorporaram com modéstia, por isso é também um País muito ecléctico, mesmo que seja típico e com muitos sinais tradicionais. Nota-se muito um grande ecleticismo na arquitectura, no património e também com as suas próprias coisas. É um País que tem mudado muito, mas ao mesmo tempo, como qualquer destino favorito, conserva muito bem tudo o que seja a sua história, a sua cultura. Foi verdadeiramente um privilégio. No meu caso, andei muito por Portugal, não precisamente para fazer Turismo, quase sempre foi a trabalhar, mas sempre que tinha oportunidade, por exemplo, quando ia a Trancoso perguntava sempre o que é que deveria ver. Sempre nos meus programas, além das mil reuniões, deixava meia hora ou uma hora para visitar fosse um castelo, um museu.
Sendo o Turismo muito importante para Portugal, mas também para Cuba, que lições ambos os países podem retirar um do outro?
Penso que Cuba e Portugal são países que têm uma grande complementaridade e também podem aproveitar, na sua economia política, as suas vantagens comparativas. Cuba pode encontrar em Portugal a experiência de um País que tem dimensões e populações quase iguais e com reptos parecidos, como por exemplo, a pirâmide da população invertida, como em Cuba temos muitas pessoas acima já da idade de reforma, e a baixa taxa de natalidade. Cuba pode encontrar em Portugal experiências positivas recentes da aposta no desenvolvimento e na inovação. Cuba, como Portugal, tem uma aposta grande no ensino, nas universidades, na ciência, na medicina. Há muito que ver nas áreas de revolução industrial, da tecnologia, do digital, que é a única maneira de países pequenos com pouca população, conseguirem ultrapassar os desafios da economia global com países que têm melhores condições pela sua imensa população. Em áreas como a agro-indústria, energia renovável, moldes, embalagens, indústria têxtil, Cuba tem muito que aprender e estamos a trabalhar muito. Na área do Turismo também. Portugal é um exemplo de Turismo. Nos anos em que estou cá, vi a maneira como Portugal faz o seu marketing de forma inovadora, com um maior uso das redes sociais, de tudo o que são as oportunidades que oferece a era digital. Aí temos muito que avançar e aprender. Felizmente, temos um acordo na área do Turismo, na área do ensino, desporto, cultura… Temos 23 acordos entre os dois países. A plataforma para trabalhar é bastante sólida, temos visitas de alto nível, um relacionamento que julgo estar no melhor momento de sempre, pela vontade dos dois países. No caso de Portugal com Cuba, considero que há muito que se pode aprender. Temos de ver as experiências importantes que tem Cuba e que podem ser partilhadas na área de Turismo de Saúde, que para Portugal é hoje uma prioridade. Cuba tem um caminho avançado nesta área, porque temos indicadores de saúde que colocam Cuba entre os melhores países do mundo, tanto no índice de desenvolvimento humano, como nos indicadores das Nações Unidas, da Organização Mundial de Saúde. Cuba é o primeiro país a eliminar a desnutrição infantil na América Latina e a transmissão de SIDA. Cuba é muito conhecida em Portugal pela área da fisioterapia e reabilitação. Essas são áreas que julgo que podemos aproveitar e que Portugal também pode trabalhar mais com especialistas cubanos e fazer parcerias. Cuba tem um grande desenvolvimento na área da biotecnologia e tem alguns produtos que são únicos no mundo e direccionam-se a doenças que em Portugal são importantes, como a diabetes, para o qual temos o melhor produto do mundo para o tratamento do pé diabético, já está registado e vende-se em 60 países. Cuba tem vacinas para o cancro em momentos já avançados, que consegue deter e prolongar a vida dos doentes. Cuba tem exportações que ultrapassam os 200 milhões de euros em área biotecnológica e farmacêutica. Aí Portugal também tem grandes avanços e penso que, juntos, podem complementar-se. Por isso, falo de vantagens comparativas e aí Portugal está à nossa frente na agro-indústria, moldes, etc. Portugal é um País desenvolvido, mas também Cuba, mesmo na sua condição, tem importantes experiências em muitas áreas de como fazer muito com pouco. Esta partilha de experiências pode ter um benefício positivo para os dois países.
Já se está a reflectir?
O comércio entre os dois países cresceu em 40% em 2016. No Turismo, Cuba é um destino favorito para os portugueses. Nas últimas feiras de Turismo, Cuba está praticamente entre os três primeiros destinos mais procurados para férias em 2017 dos portugueses. Também já batemos o recorde de quatro milhões de turistas internacionais. No ano passado tivemos 4,1 milhões de turistas e este ano, 15 dias antes de iniciar a Feira de Turismo de Cuba, que aconteceu no início de Maio, atingimos já os primeiros dois milhões de visitantes num tempo recorde.
Intercâmbio
Recentemente, a secretária de Estado do Turismo de Portugal esteve em Cuba e assinou um protocolo com o ministro do Turismo de Cuba. No que consistiu este protocolo?
Aproveito para dizer que vamos ter agora a visita do ministro de Turismo de Cuba no dia 3 e 4 de Junho para uma feira. Quanto ao acordo, estabelece caminhos para cooperar em múltiplas áreas, incluindo, por exemplo, intercâmbios entre as escolas de formação de Turismo. Chefes ou estudantes de gastronomia de Cuba e de Portugal que podem ir aprender a cozinha tradicional dos dois países. Também temos temas de cooperação e reabilitação, pois Cuba é um país que, como Portugal, tem um grande património, não são mil anos de história, mas são 500 o que para a nossa região é bastante e temos mais de 15 cidades com mais de 500 anos de história, bem conservadas, algumas únicas. Quando houve a moda na América Latina de retirar os edifícios históricos para fazer arranha-céus, nós fizemos o contrário, começámos a reabilitar os nossos edifícios históricos que têm uma grande riqueza. Cuba foi a última colónia do império espanhol. Por isso, tudo o que seja arquitectura colonial, sejam praças, igrejas, tivemos um século mais de construções. Isso é facilmente visível quando se chega a Cuba e se vai a Santiago de Cuba, a Trinidad, Pinar del Rio. Há muita coisa para ver. Até nas vilas mais pequenas consegue-se ver uma magia, mas isto é também acompanhado pela hospitalidade cubana. Somos um povo também como o português, muito hospitaleiro, culto, sofisticado e ao mesmo tempo alegre, carinhoso. Os portugueses são mais modestos do que nós. Julgo verdadeiramente que é um povo excepcional e extraordinário. Quando pergunto às pessoas que vão a Cuba, às nossas praias preciosas que são mais de 600, não há ninguém que não mencione algo que aconteceu com elas, pelo contacto permanente com o povo cubano. E também temos este relacionamento histórico, os cubanos gostam de Portugal e os portugueses de Cuba.
Além dos intercâmbios entre escolas, que mais prevê o acordo?
Temos mais projectos com empresas portuguesas apresentados em Cuba. Neste momento, Cuba tem um ‘boom’ de Turismo e há um processo de investimento muito forte. Temos 64 mil quartos e queremos ultrapassar rapidamente este número, além também dos quartos privados, hostels. Cuba tem uma abertura económica para o que são as formas de propriedade não estatal e isso também se estende ao Turismo, gastronomia. As unidades de quatro e cinco estrelas, que representam 60% da planta hoteleira cubana, estão também a ser submetidas a um forte investimento para aumentar e renovar. Aí há empresas portuguesas, como o Grupo Pestana e outras três, que têm apresentado projectos para licitações e concursos que têm lugar em Cuba, ao que esperamos que não passe muito tempo para termos não só os Pestana, em Cayo Coco, mas também ter outros hotéis portugueses em Havana e noutras áreas do país.
Com o reatar das relações de Cuba com os Estados Unidos da América, houve um arrefecimento do investimento português no destino, até porque as empresas norte-americanas têm maior capacidade financeira…
Na verdade, as empresas norte-americanas ainda não podem investir em Cuba, ainda temos o bloqueio. Com o presidente Obama avançámos, temos 24 acordos, tivemos a renovação das relações diplomáticas, troca de visitas, uma comissão bilateral e um trabalho e algumas janelas na área económica, mas mínimas. Por exemplo, na área das telecomunicações, fizemos contratos para roaming; na área do Turismo, também algumas janelas para as companhias aéreas e isso foi importante, porque tínhamos voos charters e agora temos voos comerciais regulares das principais companhias aéreas dos EUA. Estamos a falar de mais de 100 voos semanais, que, felizmente, também podem ser utilizados pelos passageiros europeus. Antigamente, quando eram charters, um turista de Portugal não podia chegar a Cuba via Miami ou via Nova Iorque, hoje pode. Ainda não é permitido o Turismo dos EUA para Cuba. Se o bloqueio for levantado vamos ter muitas mais possibilidades, não só para empresas dos EUA, que hoje não podem investir nem comercializar com Cuba, mas também para empresas europeias, porque o bloqueio tem um efeito extra-territorial e castiga, de alguma maneira também, as empresas estrangeiras ou torna-se muito mais difícil o investimento em Cuba, porque têm de proteger-se a todo o momento das restrições extra-territoriais. Por exemplo, as transacções de qualquer empresa portuguesa que tenha relações com Cuba não podem ser feitas em dólares norte-americanos, porque se perdem, ficam congeladas em Wall Street. Não podem ser feitas por um banco correspondente dos EUA em Portugal, porque também está proibido. É o maior sistema de sanções unilaterais que afecta também a União Europeia. Nós temos uma boa notícia, que é o acordo que foi assinado em Dezembro entre Cuba e a União Europeia, que julgo que vai abrir [o diálogo político e cooperação], quando for ratificado por cada país e penso que vamos conseguir, e é do interesse das duas partes. Em Portugal, não tenho nenhum sinal que seja um problema, pelo contrário, Portugal foi um dos países que mais contribuiu no seio da UE para impulsionar este acordo com Cuba e somos muito gratos por isso. Assim como ao parlamento português que teve o voto unânime para pedir o fim do bloqueio que em algum momento chegará. Vamos continuar a apresentar as nossas resoluções nas Nações Unidas. Por enquanto, considero que há maneiras do investimento português chegar a Cuba ainda que com o bloqueio e que, com todo o devido conhecimento legal das aceitações, já estar a chegar. Mesmo com o bloqueio, há muito boas notícias para nós e mesmo para a Europa. Há um outro lado que é o privilégio de entrar em Cuba sem ter que enfrentar a concorrência dos EUA. Isso é uma oportunidade que tem um impacto muito grande em Portugal e que fez com que a Câmara de Comércio Portugal-Cuba crescesse de 12 empresas para 87. Muitas delas em negociações com Cuba, seja para investimento, para comércio, para estabelecer uma fábrica. É o único país da América Latina, em que uma empresa, seja de moldes ou de celulose, não vai ter de competir com o mercado mais agressivo da nossa região. Isso tem um lado, que é o mesmo que acontece com a agricultura, em que temos muito para fazer, e aí Portugal pode ter um papel importante, com benefícios para as duas partes, em transferência de experiências e de tecnologia, e também para os empresários de Portugal poderem ganhar dinheiro. Cuba também é um ponto que, pela sua localização, é estratégico. Por exemplo, Havana é a única capital da América Latina que tem embaixadas de todos os países das Caraíbas. E o porto do Mariel, que é o único porto de águas profundas e o mais importante da nossa região. Havana pode transformar-se numa plataforma para as empresas portuguesas redistribuírem produtos que por exemplo uma fábrica consiga ter no Mariel, não só para o mercado cubano que é de 11 milhões de habitantes e que importa 12 mil milhões de euros só em alimentos, o que é muito, mas também exportar para a nossa região, porque Cuba está muito bem integrada com a América Latina, com acordos benéficos que têm excepção de juros como muitos países da nossa região, não só das Caraíbas.
É portanto um bom momento para as empresas portuguesas investirem em Cuba?
É o momento certo para as empresas portuguesas irem para Cuba, sem dúvida.
Ao nível do Turismo, temos o Grupo Pestana…
Temos a euroAtlantic que voa para Cuba e há praticamente o interesse de três ou quatro outras empresas do Turismo que estão a avançar em negociações para hotéis, seja para gerir, seja para investir. Há empresas também que querem dar serviços de autocarros, rent-a-car. Há pessoas também que querem ter um restaurante português em Cuba. Julgo que nos próximos anos vamos ter mais visibilidade.
Futuro
Que desejos é que tem para o Turismo em Cuba?
Desejo que o Turismo continue a ser a locomotora de uma indústria sem fumo, que, se bem gerida, é sustentável. Desejo que Cuba continue a ter na sua estratégia o que hoje faz de Cuba um destino único, que é a preservação dos seus recursos. Por exemplo, a barreira de coral de Cuba, segundo a CNN e o National Geographic, é a melhor preservada no mundo, precisamente porque tem um uso discreto, cuidadoso. Temos leis ambientais fortes. Não temos empreendimentos de 20 pisos em cima das praias de Cuba que tiram o sol como noutros destinos. Para mim, é importante que Cuba consiga avançar e ter mais turistas, que continue a ser uma actividade multiplicadora e que, de alguma maneira, impulsione outras, crie emprego e permita também um relacionamento bonito com o resto do mundo. É isso que desejo para o Turismo de Cuba e que consigamos preservar o que Cuba tem também de identidade que não é estereotipada, que não está feita para o consumo do turista, mas precisamente o contrário, que o turista chegue a ver em Cuba o que não encontra noutros lugares. Isso é um desafio.
Espera que o seu trabalho seja continuado pelo seu sucessor?
Não tenho dúvidas. Somos assim, Cuba tem um serviço exterior que, como o português, é muito profissional e que trabalha também com muita paixão. Temos uma equipa que fica mesmo com a minha saída, todos são excelentes diplomatas. Cuba Sempre enviou bons embaixadores. Se chegámos até aqui, e essa é a minha aspiração, o próximo embaixador vai levar as nossas relações mais adiante e ainda há muita coisa para fazer em múltiplas áreas, não é um trabalho acabado, nunca acaba. Creio que se reinventa a cada dia e tem de ser continuado, reinventado. Penso que é assim que se trabalha, com carinho pelos nossos países mas também com um amor profundo pelos nossos destinos.
Que funções vai exercer a seguir?
Penso que vou voltar a trabalhar no Ministério dos Negócios Estrangeiros, ainda não tenho confirmação em qual área. Nunca vou esquecer Portugal, sou uma melhor pessoa depois de passar por aqui.
Vai regressar de férias a Portugal?
Sem dúvida, quando tiver oportunidade voltarei. Tive aqui os meus filhos, que vão embora com grandes amigos numa idade em que os amigos já fazem parte da vida – a adolescência -, felizmente hoje a Internet em Cuba também está muito avançada, já não é um fenómeno raro, pelo contrário, é massivo. Penso que eles vão continuar a seguir o futebol de Portugal, a falar com os amigos e a acompanhar o destino de um País que todos amamos e que desejamos que continue uma evolução cada vez mais positiva.¶