“Não venham chamar isto de privatização”
Tomaz Metello, CEO da EuroAtlantic Airways, fala sobre os projectos da companhia
e do interesse em voar para o Irão. O responsável critica ainda o processo de privatização da TAP e diz não compreender como é que o Estado fica com a responsabilidade sobre a dívida da companhia.
Publituris
10.ª edição do “Vê Portugal” aposta nos desafios futuros das ERT e na paz para o turismo
ARAC reúne em assembleia geral para discutir plano de atividades e orçamento para 2024
Agência Abreu aposta em viagens premium de enoturismo
Savills aponta para aumento do volume de investimento em hotéis europeus face a 2023
Negócios no setor das viagens e turismo caíram 14,9%
Macau facilita entrada de portugueses com passagem automática na fronteira
easyJet corta voos para Israel até outubro
W Algarve tem novo diretor-geral
Nações Unidas discutem papel do turismo para o desenvolvimento sustentável
Quinta de S. Sebastião abre portas ao Enoturismo
Em 2014, a EuroAtlantic Airways (EAA) registou resultados positivos líquidos a rondar os cinco milhões de euros, um crescimento de 35% face ao exercício de 2013. Em 2015, esse crescimento irá manter-se?
O ano de 2015 é um ano de investimento na troca de aviões mais antigos por aviões mais modernos e, com isso, perdemos sempre uma série de meses, porque não podemos comercializar o produto, na medida em que não está na nossa posse. Se atingirmos o mesmo resultado em 2015 será bastante positivo para a empresa, porque efectivamente trabalhámos com menos aviões durante todo o ano. Ainda assim, destaco o grande sucesso que tivemos em 2015: fomos a companhia com mais aviões durante a peregrinação do Hajj. Pela primeira vez, uma companhia privada portuguesa teve seis aviões no Hajj (cinco B767-300ER e um B777-200ER). Paralelamente, iniciámos no final de 2014, voos regulares para a Guiné-Bissau (dois voos por semana).
Justamente sobre estas ligações à Guiné-Bissau, qual o balanço que faz desta operação?
Estávamos para iniciar o voo da Guiné-Bissau há cerca de três anos. Tentámos fazer um voo directo para a Guiné-Bissau e, depois, tentámos também a possibilidade de fazer a Guiné-Bissau com São Tomé e Príncipe. Apenas este ano conseguimos voar para a Guiné-Bissau, porque o governo da Guiné-Bissau, que tomou posse, contactou-nos para fazermos um voo semanal.
Como a procura era bastante elevada, já que éramos a única companhia a operar a rota, decidimos não só manter esse voo que tínhamos em parceria com o governo, como duplicar a ligação. Temos agora dois voos por semana e estamos bastante satisfeitos. Temos em carteira uma série de ideias para desenvolver mais aquela parte de África.
Em Novembro de 2014, anunciaram que a EAA foi designada para operar a rota Portugal-Irão. Em que fase está este processo?
É uma luta que temos desde o início para aproximar os dois governos. Foi a EAA que dinamizou a aproximação de Portugal com o Irão e vice-versa. Após dois anos de batalha, conseguimos reunir os dois países e fez-se um acordo aéreo entre Portugal e o Irão. Fomos a única companhia aérea presente e fomos indigitados para operar esta rota.
O que acontece é que não queremos operar esta rota individualmente, mas com empresas locais, nomeadamente com a Iran Air, que foi designada também para operar Lisboa-Irão. Devido às sanções da comunidade internacional para o Irão, não conseguimos operar esta rota, porque as companhias de seguro não fazem coberturas. As próprias companhias de seguro iranianas gostariam de cobrir as nossas responsabilidades. No entanto, as companhias de seguro iranianas não são aceites na aviação civil, nem na EASA (European Aviation Safety Agency).
Creio que a partir de Janeiro essas sanções serão levantadas, pelo menos para a área da aviação. Mas estamos a tentar que, mesmo antes das sanções serem levantadas, conseguir avançar com as rotas. O Irão tem 72 aeroportos internos e cerca de 80 milhões de pessoas. Portanto, o potencial lá é extraordinário.
Poderíamos, eventualmente, operar como empresa individual, mas comercialmente não é interessante, o interessante é trabalharmos com empresas locais em code-share ou com joint ventures. Concluindo, continuamos a lutar, esperamos que muito em breve tenhamos a oportunidade de começar a operar para o Irão. Se o fizermos, o céu é o limite, porque há um potencial extraordinário para rotas, não só para Lisboa, mas para o turismo português. Porque as tarifas que eles pagam para ir a Cape Town, por exemplo, são sete ou oito vezes maiores, do que uma ida ao Brasil ou a Cuba com os nossos operadores. Ultimamente, as nossas autoridades, nomeadamente, o AICEP e o Turismo de Portugal estão a tentar organizar algumas visitas ao Irão, mas, na minha opinião, não estamos a ser suficientemente agressivos. Pelo potencial que tem, o Irão merecia da parte das autoridades um investimento maior. Em relação aos vistos, por exemplo, se começarmos a rota Teerão-Lisboa, a nossa embaixada em Teerão vai ter problemas enormes na medida em que aparecerão milhares de passageiros em simultâneo e a embaixada não terá capacidade para resolver este problema e ninguém, que eu saiba, pensou nisto.
Do Médio Oriente para África
O Governo português aprovou em Janeiro de 2015 um Acordo sobre Transporte Aéreo entre Portugal e a Guiné Equatorial. Teriam interesse em voar para a Guiné Equatorial?
A Guiné Equatorial é um país pelo qual sempre nos interessámos. Na altura do ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, chegámos a levar cerca de 150 empresários numa visita breve à Guiné Equatorial. Fizemos um pedido oficial há dois anos para operar esta rota e ainda estamos a aguardar a resposta da Guiné Equatorial. Nesta altura, não estamos focados neste destino, na medida em que não houve reacção positiva. Vamos ver se a Guiné Equatorial responderá, mas vai depender do timing da resposta. Em aviação não podemos esperar.
Esperamos que, muito em breve, tenhamos a oportunidade de começar a operar para o Irão. Se o fizermos, o céu é o limite, porque há um potencial extraordinário para rotas
A Sonhando passou de cerca de dois milhões de facturação para oito milhões em dois anos. Se não tivéssemos o passivo deixado pelo anterior director-geral, a empresa estava hoje a dar muito dinheiro.
Em que outros destinos de África a EAA tem interesse?
Temos um business plan para essa parte de África, mas nesta altura não vamos divulgar.
E em Cabo Verde, onde os TACV estão actualmente com uma situação financeira delicada?
Como disse anteriormente, o desenvolvimento de rotas para qualquer destino tem que ter uma parceria e nós temos um acordo firmado com os TACV com cerca de três anos, em que nesse acordo está prevista uma troca de rotas e de aviões. Apesar desse acordo existir e de termos excelentes relações com o presidente, o acordo foi só parcialmente efectuado, na medida em que eles utilizam algumas vezes os nossos aviões. Infelizmente, para ambas as partes, o acordo não foi ainda desenvolvido na sua totalidade. Posso dizer que as relações são fantásticas, o presidente dos TACV disse recentemente que, se não fossemos nós, já teriam fechado as portas. Isto quer dizer que, realmente, as relações são óptimas. Mas para o acordo ser aplicado na íntegra ainda existe muito a percorrer.
Respondendo concretamente à pergunta, desde que haja uma parceria objectiva com empresas locais, nós avançamos. Cabo Verde, certamente, é um destino em África que é bastante apetecível para qualquer empresa aérea. Como estamos a desenvolver aquela parte de África poderia ser interessante, mas vamos aguardar. Os TACV têm objectivos muito claros para o futuro, inclusivamente privatizar a empresa, já pediram uma análise para ver o valor da companhia.
Em Maio de 2014, a EAA regularizou um pedido ao INAC para a exploração de rotas entre Lisboa e o Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro). Mantêm essa intenção?
O acordo aéreo entre Portugal e o Brasil permite que duas companhias aéreas operem entre os dois países (duas companhias aéreas portuguesas e duas companhias aéreas brasileiras). Acontece que, na altura, a SATA pediu para operar para Salvador e o INAC não autorizou o nosso pedido, dizendo que já havia duas companhias aéreas a operar para o Brasil. Entretanto, houve uma mudança na presidência da ANAC (antes INAC) e há transformações na companhia de bandeira. Portanto, vamos outra vez à luta para eventualmente conseguirmos ter voos regulares para o Brasil. Vamos aguardar, porque agora há muita coisa a acontecer em Portugal em termos de aviação.
Novidades da Frota
Quais são as novidades na frota da EAA em 2015 e 2016?
Temos como objectivo comprar metade da nossa frota, acontece que como temos 23 anos, os aviões que comprámos não são novos. Este ano de 2015 e em 2016 estamos a renovar a frota. Decidimos trocar três aviões nossos por aviões mais modernos. E posso dizer que vamos gastar cerca 15 milhões de dólares (14 milhões de euros) num interior completamente novo: cadeiras novas e um sistema de entretenimento novo. Vamos aumentar para nove aviões e estamos a negociar uma 10ª aeronave, um B777-200ER que vai entrar a partir de Março de 2016.
Sonhando
Com a reestruturação da Sonhando e a entrada em 2013 de um novo director-geral, José Manuel Antunes, qual é o desempenho actual do operador?
Houve uma gestão danosa da Sonhando, foi preciso reestruturar a empresa. Fizemos um trabalho bastante grande e convidámos o José Manuel Antunes, uma pessoa com muita experiência e conhecimento. A Sonhando passou de cerca de dois milhões de facturação para oito milhões em dois anos (de 2013 a 2015), quatro vezes mais. Se não tivéssemos o passivo deixado pelo anterior director-geral, a empresa estava hoje a dar muito dinheiro. Acontece que, hoje, a empresa está a libertar meios para pagar o passivo e a manter a estrutura actual. Julgo que, em relação à fatia de mercado, em termos de Cuba, deve ser agora o maior player do mercado em Portugal. Saberemos os números exactos no final do ano. Tivemos charters para Malta, Funchal e Porto Santo, além de manter uma bandeira bastante importante ainda no Brasil, não com charters como antigamente, mas em voos lugares.
Em 2016 quais são as perspectivas?
Em 2016, a previsão é que o operador tenha crescimentos mais ou menos da mesma ordem, não será de quatro vezes mais, mas de duas vezes mais em relação a 2015.
Vão reforçar a operação para Cuba?
Para já temos Varadero e Cayo Coco, eventualmente poderá surgir um voo charter com ligação a Havana. A longo prazo, estudaremos se valerá a pena voos regulares para Havana, depois do levantamento das sanções.
TAP e mercado
Actualmente a EAA não tem voos charter para médio curso. Qual a razão?
Não acredito nas companhias charter de médio curso, a menos que tenham uma integração vertical, como a Thomas Cook ou a TUI, em que há um operador, companhia aérea e hotéis. Já tivemos operação charter de médio curso e tivemos muitos pedidos para toda a Europa de operadores espanhóis e portugueses, mas a rentabilidade dos voos e os valores que pretendiam não nos aliciou. Mas é um assunto que podemos analisar, talvez com outro tipo de aviões. Temos de ser objectivos: o produto charter de médio curso tem a duração de três meses, como tal não se consegue rentabilizar ou pelo menos não perder dinheiro com o avião. Não é uma estratégia que me interesse seguir, a não ser que vá buscar aviões muito baratos e que tenha a oportunidade de colocar esses aviões no Hemisfério Sul. Trabalho no nosso Hemisfério durante o Verão e depois coloco os aviões no Hemisfério Sul, como já fiz anteriormente.
Como vê esta nova fase da TAP?
Para já, não entendo se a TAP está privada ou não.
“Se dissesse no caderno de encargos que a dívida era para ser assumida pelo Governo no caso
de correr mal, se calhar eu também concorria
à privatização.”
Não entende porquê?
Tentei abrir uma companhia no Brasil e fui recusado, porque só podia ter 20% do capital. Fui recusado nos EUA, porque não podia ter a maioria do capital. Agora deparamo-nos com uma situação: há um português que dá a cara no consórcio Gateway, em que ele tem, de facto, a maioria do capital, mas o sócio tem 75% dos dividendos. Ponto número dois: nunca vi uma empresa ser privatizada em que, se algo correr mal, o Estado é que dá garantia. Se isto não for verdade, é importante que seja clarificado. Garanto que qualquer banco me daria o dinheiro que quisesse se tivesse o Estado a dar-me garantias. É uma questão de concorrência e ética. Mas mais importante ainda é definir o que se pretende em Portugal para o transporte aéreo. Pretende-se uma companhia única ou pretende-se o desenvolvimento do transporte aéreo que poderá produzir bastante para o PIB nacional e para a criação de emprego?
Se me pergunta se estou de acordo ou não com a privatização da TAP? Estou de acordo com a privatização, porque era impossível ao Estado investir na companhia. Agora, estou de acordo que a TAP seja privatizada, desde que haja um accionista de referência que ponha dinheiro na companhia. Não é isto que se soube agora [Edição do Expresso de 21 de Novembro], que se algo falhar, o Governo paga a dívida. Esta é uma situação desastrosa e que tem de ser muito brevemente esclarecida, para o bem do País, da companhia aérea e das companhias privadas como nós, que estamos em concorrência directa em alguns mercados e não temos essa benesse. É uma situação completamente anormal em qualquer parte do mundo. Já escrevi às entidades competentes a pedir esclarecimentos, porque então fecho a companhia e vão 400/500 pessoas para o desemprego e entrego os aviões.
Portanto, considero que a companhia tem de ser privatizada, mas por alguém que ponha dinheiro. Seja Efromovich ou outra pessoa qualquer. Se dissesse no caderno de encargos que a dívida era para ser assumida pelo Governo no caso de correr mal, se calhar eu também concorria à privatização. Houve aqui uma criatividade neste processo, feita não sabemos por quem, que na minha opinião vai contra tudo e todos. Não venham chamar isto de privatização.
A ser verdade o que está escrito no Expresso do dia 21 de Novembro, acho que é um escândalo para todos: para a Comunidade Europeia, para o Governo, para o País, para os trabalhadores e para as companhias aéreas. Enquanto empresa privada, nunca recebi um tostão de subsídios, nem da ANA, quando era do Estado. Veja-se o caso dos nossos aviões: tenho um modelo de negócio em que os aviões têm de esperar no aeroporto para depois operar para outras companhias. Acontece que, agora os aviões vão para o Porto, porque como a TAP está a engordar e nós não temos capacidade de estar no aeroporto de Lisboa. O Governo abriu um terminal só para as low cost e nós estamos aqui há 23 anos. Digam o que querem? Tem de haver uma definição concreta da política aérea portuguesa e a minha decisão pode ser até fechar.
Como é que tem sido a relação com a ANA privatizada?
Temos uma boa relação, mas tem de haver controlo, na medida em que eles têm o monopólio total. Desse ponto de vista, estamos em consonância com outras empresas, principalmente estrangeiras, a tentar monitorizar os aumentos que querem impor e que decorrem do facto de ser uma empresa privada, que quer rentabilizar o seu negócio. Para já, não temos grandes problemas, a não ser aquele problema de 2009 – em que chegámos a colocar alguns aviões em França-, e agora caminhamos para a mesma situação, na medida em que não há controlo, a TAP engordou, as low cost estão cá. E as empresas portuguesas? Pagam milhões de impostos, falo da minha empresa, é a única empresa portuguesa que paga milhões de impostos hoje em dia. Só peço aos Governos que vêm por aí que não me peçam mais impostos para pagar por todos estes casos. ¶
Não acredito nas companhias charter de médio curso, a menos que tenham uma integração vertical, como a Thomas Cook ou a TUI, em que há um operador, companhia aérea e hotéis