Parece um conto de fadas mas pode tornar-se um filme de terror
Leia o artigo de opinião de Emmanuel Barreto, economista pela London School of Economics.
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O autor é economista pela London School of Economics e tem mais de 20 anos de experiência no desenvolvimento turístico-hoteleiro, 15 dos quais passados nas Nações Unidas e conta com trabalhos em mais de 50 países.
Emmanuel Barreto é hoje Director da Eurofin Hospitality, uma empresa de consultoria suíça especializada nas áreas de turismo e hotelaria. Na sua vida profissional, trabalhou para a África do Sul no período que antecedeu o Campeonato do Mundo de 2010. Aproveitando as férias passadas recentemente no Brasil, Emmanuel fez uma análise da situação turística do país um ano antes do Campeonato do Mundo de Futebol de 2014.
O autor viajou durante o mês de julho com a família (mulher e dois filhos de 3 e 7 anos). Tem nacionalidade brasileira, bem como os filhos, que têm dupla nacionalidade em virtude de a mãe ser francesa. Nessa viagem passaram por Recife, Porto de Galinhas, Juiz de Fora, Rio de Janeiro e Ilha Grande, e Emmanuel esteve ainda, por motivos profissionais, em Brasília e São Paulo. Por essa ocasião, Emmanuel encontrou e conversou com muitos profissionais do ramo. A família deparou-se com muitas belezas tropicais típicas do país e variados prazeres, da culinária à cultura. No entanto, encontrou igualmente inúmeras falhas, que fazem com que o Brasil, com tamanha oferta turística, acolha apenas 5 milhões de turistas estrangeiros – Portugal recebeu em 2012 cerca de 7.7 milhões de hóspedes estrangeiros – enquanto o México recebe 25 milhões. O potencial do turismo no Brasil é duas vezes maior que o do México dada a dimensão e diversidade de um país continente. A comparação com o México é muito importante, pois ambos são países concorrentes no mercado turístico internacional e possuem várias características similares. No entanto, no México o turismo representa directamente mais de 12% do PIB nacional e é considerado o terceiro maior sector empregador. Por este motivo, tem o interesse e apoio do governo, além de atrair grandes investimentos tanto de empreendedores locais como internacionais. Existem várias facilidades no México tanto a nível de atractividade ao investimento quanto ao fácil acesso por parte do turista a informações e à oferta turística existente. O governo mexicano tem vindo a impulsionar o turismo através do desenvolvimento de estratégias a nível nacional, regional e municipal. Estas estratégias baseiam-se no desenvolvimento específico de cadeias de valor, tais como o turismo médico, o turismo de aventura, o turismo de conferências ou de negócios, ou o simples turismo de lazer de sol e praia.
Em comparação com o México, o turismo no Brasil representa direta e indirectamente 3% do PIB nacional. Não é considerado um setor empregador, tem tido um apoio limitado dos governos federal e estadual e quase inexistente quando se trata de governos municipais (salvo algumas exceções). Recentemente, através dos Programas de Aceleração do Crescimento (“PAC”) , constata-se um apoio maior do governo federal no desenvolvimento do turismo, mas apenas devido ao Campeonato do Mundo de Futebol, que ajudou a colocar a oferta hoteleira e as limitações nas infraestruturas do país em relevo. Infelizmente, será somente após o evento que as limitações nos serviços serão finalmente visualizadas. Uma falha devida à falta de verdadeiras estratégias para o desenvolvimento turístico, que no país não passam de campanhas de Marketing. Estas estratégias deveriam ser um instrumento realista para identificar as limitações existentes nas cadeias de valor e um forte fator para melhorar a oferta turística brasileira. Um estrangeiro que deseje visitar o país ou que já se encontre em território nacional depara-se com dificuldades na aquisição de serviços básicos locais. Por exemplo, o simples facto de comprar passagens aéreas ou de autocarro através da Internet é simplesmente impossível por não ser portador de CPF (cadastro de pessoas físicas, mesmo que este entenda o português, dado que as páginas em língua inglesa são escassas. Imaginem que até há bem pouco tempo, era necessário ter CPF até para comprar um cartão de telemóvel no Brasil. Hoje em dia este problema de comunicação foi ultrapassado, mas o Brasil mantém os obstáculos na utilização de códigos interurbanos entre operadoras. Nunca se sabe os indicativos dos números a marcar para se efectuar uma simples chamada telefónica. As facilidades de comunicação revolucionaram indubitavelmente o turismo internacional. A Internet deu mais poder de decisão ao cliente e ajudou na promoção de muitas pequenas empresas. O Brasil infelizmente ainda não usufruiu plenamente desta revolução, devido não só à má qualidade da Internet no país, mas também a outros serviços comerciais que deveriam garantir o seu bom funcionamento. O pagamento de uma reserva numa pousada através de cartão de crédito, por exemplo, requer um certo nível de segurança que não é facilmente oferecido por empresas locais e, por vezes, os cartões emitidos no exterior não são aceites. Pergunto: com tantos organismos governamentais de apoio, por que razão algumas destas falhas ainda não foram corrigidas?
Esta resposta passaria pela entidade responsável por melhorar o conhecimento e a capacidade de empresas nacionais, bem como pelo tipo de melhorias que seriam necessárias efetuar. Infelizmente, o processo ainda é bastante reativo e depende da ação do setor privado. Entretanto, algumas destas falhas contribuem negativamente à perceção do cliente relativamente a um estabelecimento. No caso da hotelaria, sem um sistema claro de classificação, um estrangeiro não poderá avaliar o nível de qualidade de uma pousada. Com a proliferação destas formas de acolhimento, é de estranhar que não exista ainda uma norma de classificação. Há um grande risco para o consumidor com relação ao produto, mas um risco ainda maior para o país quanto à respetiva imagem depois do Campeonato do Mundo, virão as Olimpíadas e o que mais se poderá seguir?
A imagem é o que um destino turístico tem de mais valioso e o Brasil já é alvo no exterior de uma imagem negativa devido à violência e à falta de segurança nacional. Ao chegarmos a Recife às 20:30, depois de um voo internacional, tínhamos reservado um carro alugado com cadeiras para crianças e um GPS. As cadeiras não existiam e foi-me dada cópia de uma resolução (n° 277 de 28 de maio de 2008) do CONTRAN (código de trânsito Brasileiro), que indicava que a cadeira para criança não era obrigatória.
Claro que em português, e sem qualquer tradução para outra língua. Para mais informações, não havia uma única pessoa em qualquer dos balcões de aluguer de viaturas que falasse o mínimo de Inglês. Além disso, o GPS estava desatualizado e foi extremamente complicado estar numa cidade desconhecida e de noite. O GPS mandava entrar em ruas que não existiam e chegou mesmo a direcionar-me para locais não alcatroados. Por sorte, falo a língua local e pude assim ir pedindo indicações a algumas pessoas até conseguir chegar são e salvo ao meu destino final. Imaginem um turista estrangeiro que se deparasse com esta situação. Com o GPS, poderia ir parar a uma parte da cidade onde não seria suposto, ser vítima de assalto e até mesmo de um assassinato. Pergunto: como fica a imagem do país lá fora e de quem seria a responsabilidade por tal incidente?
Publicidade enganosa é também um factor importante na deterioração da imagem de um destino. Tentei comprar passagens aéreas pela Internet e, mesmo sendo possuidor de CPF e de cartão de crédito nacional, nunca consegui obter a passagem mais barata. O sistema indicava-me erro no sistema ou cartão de crédito inválido. Quando visitei pessoalmente ou telefonei para agências, o preço era cinco vezes superior e o valor mais barato já não existia (mas em casa, na Internet, estava lá). Acabei por desistir de viajar de avião. Outro exemplo de publicidade enganosa foi na nossa ida para Ilha Grande. Na Internet, os serviços para a travessia entre Angra dos Reis e a Vila de Abraão eram oferecidos por meio de barcos comuns ou, se quisesse viajar mais rápido, teria de utilizar um Catamarã, que seria também mais caro. Como estávamos com crianças, optámos pelo Catamarã. Na hora do embarque, para nossa surpresa, o translado era feito através de uma velha Escuna (tipo de veleiro) e ao perguntar onde estava o Catamarã fui informado de que este tinha sido alugado por tempo indeterminado pela Petrobras. Pergunto: onde está a seriedade do povo brasileiro e qual será a perceção do estrangeiro em relação ao país e ao seu empresariado? Mas o empresariado brasileiro também sofre muito para manter um bom nível de qualidade do serviço ao cliente. Apesar de uma boa oferta em termos de formação profissional universitária nas áreas de turismo e hotelaria, o nível das qualificações é bastante baixo. Uma empresa é obrigada a desenvolver as aptidões do empregado através do trabalho e muitas oferecem cursos complementares para os capacitarem para o serviço. Por exemplo, na maioria dos restaurantes do país, o número de empregados por mesa é muito superior ao encontrado no México ou em qualquer outro destino turístico semelhante. Se tal se traduzisse em qualidade de serviço seria ótimo, mas infelizmente não é o caso. O atendimento é lento e os empregados não são proativos, ficam sempre à espera que os chamemos e nunca verificam se o pedido está pronto (esperam pela campainha da cozinha). Lentidão é algo que também está associado à imagem brasileira, tanto a nível público como privado. Estávamos a organizar um evento em Brasília e ficámos hospedados no que seria o melhor hotel da capital. Tínhamos 50 quartos pré-reservados e pré-pagos, além de termos fornecido a lista dos nomes dos nossos convidados. Chegámos 4 pessoas às 9 horas da manhã numa recepção vazia e sem clientela, mesmo tendo 3 funcionários ao balcão, levaram em média 20 minutos para efectuar o check-in de cada hóspede (sendo 4 minutos a média internacional para um hotel de 4 estrelas). Nos
quartos era comum faltar toalhas de banho, rosto e chão. Os sabonetes só chegaram no segundo dia. Ser incomodado apesar de ter indicado que queria sossego era uma constante e, no final, pediram aos nossos convidados os respectivos cartões de crédito para liquidarem as diárias dos respetivos quartos. As falhas nos processos e procedimentos são problemas corriqueiros na hotelaria brasileira, tanto em termos de acompanhamento como em termos de compreensão, caso existam. A hotelaria brasileira não está totalmente profissionalizada e recorrer a escritórios especializados não é nada frequente. O financiamento para a construção de hotéis é escasso, pois o interesse dos investidores está na construção de edifícios residenciais e/ou comerciais. Estes têm grande procura, tal como a hotelaria, mas são mais rentáveis e de fácil venda no mercado local. Os novos hotéis são, na sua grande maioria, financiados com o apoio de bancos públicos ou por construtoras. As construtoras, por sua vez, não têm interesse em manter estes ativos nas respetivas carteiras, que se dissipam no mercado em venda em unitário. Isso gerou um modelo de negócio designado por condo-hotel, o que não ajuda no desenvolvimento da hotelaria brasileira. A grande quantidade de condohotéis no futuro será um grande desafio imobiliário. Mas não é só a hotelaria que não é suficientemente profissionalizada. O baixo nível de profissionalização do turismo no Brasil é encontrado em toda a cadeia de valor. Em Ilha Grande, por exemplo, todos os passeios de barco oferecem os mesmos destinos. Os barcos não obrigam o uso de salva-vidas e não possuem seguro contra acidentes, nem tão pouco é comunicada uma regra básica de preservação da natureza aos que se encontram a bordo. A sensibilização para a criação e inovação de produtos é inexistente, fazendo com que determinados destinos fiquem exageradamente sobrelotados e, consequentemente, o meio ambiente destruído pela utilização turística descontrolada. Este fenómeno verifica-se tanto em Ilha Grande como em Porto de Galinhas, onde as pessoas transitam livremente sobre os recifes. O Brasil é um país de dimensão continental, rico em minerais, onde tudo o que se planta dá frutos, com uma população considerável e tem vindo a adquirir um poder de compra importante. Pelo seu tamanho e poder económico, o país tende a estar virado para dentro e a focar-se em consumidores nacionais. No entanto, no mundo atual em que até o chefe da Organização Mundial do Comércio é um brasileiro, é necessário olhar para fora se o país ambicionar um crescimento contínuo e sustentável. O processo de internacionalização brasileiro é recente, mas para o futuro carece de peritos que conheçam não só o país mas também o resto do mundo.
Assim será possível ajudar construtivamente o turismo brasileiro na internacionalização sem perder as suas características culturais e tradições locais. Seja por falta de estratégias ou por má qualificação de pessoal, por falta de classificação de pousadas ou por criação de produtos diferenciados, ou por um baixo financiamento do sector hoteleiro, o turismo no Brasil continua a ser um grande negócio para o futuro. No entanto, a visão nacional, terá de associar-se ao conhecimento internacional para poder concretizar o potencial actual da indústria turística brasileira.
Emmanuel Barreto ([email protected])