“Não me preocupava nada não ter tido cargos no Turismo”
Leia o Conversas à Mesa, publicado na edição de 27 de Junho de 2014 com João Cotrim de Figueiredo, que anunciou a sua saída do cargo de presidente do Turismo de Portugal
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Leia o Conversas à Mesa, publicado na edição de 27 de Junho de 2014 com João Cotrim de Figueiredo, que anunciou a sua saída do cargo de presidente do Turismo de Portugal
João Cotrim Figueiredo é um gestor de topo e chegou a presidente do Turismo de Portugal há oito meses, com um currículo invejável nas áreas de Corporate Finance e de Gestão de empresas. É avesso a entrevistas pessoais e não se conhecem entrevistas sobre o seu percurso profissional e pessoal. Mas nem por isso deixou de responder a todas as perguntas que lhe fiz. A conversa fluiu durante hora e meia sobre um percurso profissional recheado de desafios.
João Cotrim de Figueiredo nasceu em Lisboa, a 24 de Junho de 1961. Mas, como o pai nasceu no Rio de Janeiro, tem dupla-nacionalidade e é luso-brasileiro. É o segundo de três filhos e o único rapaz. Tanto ele como as irmãs estudaram na Escola Alemã de Lisboa.
Na primária tinham aulas em alemão, de manhã, e à tarde em português. Notou bastante cedo, porque tinha primos e amigos que estudavam noutras escolas, que na Escola Alemã, havia “uma combinação mais equilibrada entre a parte educativa, desportiva e cultural”. Praticou várias modalidades, como futebol, voleibol e râguebi. A partir do sexto ano teve uma educação idêntica à que havia na Alemanha, com mais três disciplinas: Português; História e Geografia de Portugal; e Físico-química. “Somente estas disciplinas eram em português”, lembra. João Cotrim de Figueiredo admite que nunca estudou muito. “Quando gostava da disciplina, aprendia naturalmente, porque estava atento nas aulas”. Gostava de História, Geografia e Matemática. Embora tenha tido dificuldades com o próprio alemão, não havia nada em que fosse mau.
Em casa, teve uma educação liberal. A mãe era dirigente da função pública no Porto de Lisboa, e o pai, um liberal, gestor e, mais tarde, empresário, incentivava-o intelectualmente, enquanto a mãe ficava encarregue dos afectos.
Já em criança, João Cotrim de Figueiredo recorda-se “de achar graça a gerir empresas”, por influência das conversas dos pais com amigos. A Escola Alemã era das poucas, na altura, que tinha 12 anos de escolaridade. “[…] No final do 12o. ano, havia um exame igual ao que se fazia na Alemanha. Na prática saí com um certificado europeu, em 1979, bem antes da entrada na União Europeia”.
João Cotrim de Figueiredo não entrou logo para a universidade. O pai sempre o incentivou a trabalhar nas férias para ganhar experiência. Fez coisas tão diferentes como trabalhar num Centro Comercial, na Av. de Roma, propriedade da Seguradora Império. Trabalhou em várias lojas, desde livrarias a uma loja de pronto-a-vestir. Recorda-se da senhora que lhe perguntou onde estavam as camisolas de mousse. Ele, que não fazia ideia do que seriam camisolas de mousse, respondeu: “Mousse é tudo isto”, apontando para tudo. Escusado será dizer que a senhora não gostou da resposta. Trabalhou, também, a vender cabides porta-a-porta. O avô tinha uma negócio ligado às madeiras e que também fazia cabides. Foi vender cabides porta-a-porta, aos 15 anos, para a Av. Almirante Reis. Numa dessas vezes, chegado à Praça da Figueira ao Braz&Braz, concluiu, sem grande esforço, uma encomenda. Na altura, de milhares de contos. “Fiquei nas nuvens, mas semanas mais tarde, soube que o negócio já estava encaminhado. Fiquei furioso com o meu pai”, conta.
Desse tempo a vender cabides recorda as lições que retirou. “Ainda acho que a arte da venda é central, não só às actividades económicas, mas, em boa parte, à forma como gerimos a nossa vida. A venda não é mais que um processo de convencimento de levar outros a aderir a uma ideia que é nossa. Percebi que tinha de ter a capacidade de me colocar no lugar dos outros e perceber qual o argumento que era importante para cada uma das pessoas”. Dessas várias experiências, surgiu-lhe o gosto pelas actividades comerciais e pela actividade económica em geral. “Quando saí da Escola não tive grandes dúvidas que ia fazer Economia. Uma das coisas que o meu pai me mandou fazer então foi sair novamente do país – , já tinha estado no estrangeiro a trabalhar, em Hamburgo, aos 16 anos”.
Foi trabalhar para Londres no dia em que fez 18 anos. Gostou tanto da cidade que voltar não lhe parecia uma opção. Resolveu informar-se sobre como estudar em Inglaterra. Recebeu uma boa e má notícia. O diploma alemão abria as portas, mas João Cotrim de Figueiredo era estrangeiro e as propinas eram “uma fortuna”. Plano? “Precisava de trabalhar ao mesmo tempo que estudava”. Já estava a trabalhar numa empresa grega de navegação, onde o pai tinha contactos. Fazia gestão da frota, por telex, para o resto do mundo. Em Inglaterra, as primeiras escolhas foram Cambribge e Oxford, mas aí não era fácil arranjar um emprego. Acabou por seguir a terceira escolha que, vista agora, devia ter sido a primeira, diz. London School of Economics and Political Science. “O reitor na altura era Ralf Gustav Dahrendorf, um alemão discípulo do filósofo Karl Popper, grande pensador do liberalismo moderno, cujas obras eu já tinha começado a ler”, recorda. Na universidade disse que queria candidatar-se a uma bolsa,ao que a resposta foi: “Mostra que tens notas”. Ao fim do primeiro semestre já tinha uma bolsa de estudo. Foi largando o part-time e dedicou-se somente às actividades da escola, como o trabalho na biblioteca.
Entre a decisão de estudar em Londres e ser admitido demorou um ano. Nesse ano, voltou a Portugal onde continuou a trabalhar e a estudar. Foi para o Técnico estudar Engenharia, à noite.
Regressou a Londres onde esteve mais quatro anos. “A vivência em Londres foi extraordinária”, lembra. Começou por viver numa casa, propriedade de uma antiga ex-actriz e agente de actores, o que levou a que maior parte dos co-hóspedes fossem artistas; depois numa residência onde “também havia artistas, de outro tipo”, brinca; e, por último, num apartamento com um colega grego.
Regresso a Portugal
No final dos estudos em Londres, João Cotrim de Figueiredo queria regressar a Portugal, mas continuava sem um diploma português. “Para todos os efeitos sou um estrangeiro”, pensou. Tinha aberto o MBA da Universidade Nova há pouco tempo e João Cotrim de Figueiredo concorreu. “Entrei sem qualquer experiência. Quando fiz o GMAT, tive uma nota alta, não sei se foi por isso que me admitiram”, afirma.
Concluiu o MBA, mas ainda faltava o serviço militar. Quando tentou resolver a situação, em 1985, estava dado como refractário.Justificou a ausência e fez a tropa. Antes apareceram propostas de emprego e uma delas agradou-lhe particularmente. Era a sociedade financeira MDM, cujas iniciais correspondiam a Mello, Deutsche Bank e Morgan Garanty Trust. Gostou das pessoas, mas não só.
Agradava-lhe o facto de se tratar do sector financeiro corporate e a ligação ao Grupo Mello, à americana de John P Morgan, e para o Deutche Bank, tinha a vantagem de falar alemão. Mas faltava-lhe ir à tropa. Garantiu à MDM que conseguiria começar a trabalhar em quatro meses. Fez a recruta e foi à Junta Médica e disseram-lhe: “O senhor está inapto”. João Cotrim de Figueiredo não poderia ter ficado mais contente com esta informação.
Começou a trabalhar na MDM, em 1985. “Encontrei um dream team. Além dos directores, como o José Matoso e o Jaime Almeida, – até hoje é uma das minhas inspirações, pela qualidade humana e profissional, – na equipa tinha a Alexandra Fonseca, Clara Bragança, o Rui Horta e Costa, o Artur Silva Fernandes, o António Vasconcelos, António Bernardo, João Brião Sanches, Joaquim Barata Correia. Era uma fornada de gente a fazer aquilo que na altura não havia: o mercado de capitais”, recorda. Nos finais de 1987, os três accionistas acharam que o projecto precisava de maior unidade, e o Deutsche Bank comprou a totalidade do capital. “O processo foi complicado para muitas das pessoas, porque foram ‘namoradas’ por qualquer um dos accionistas. Ao mesmo tempo surgiu um convite do Citibank, que estava a criar de raiz o seu departamento de mercado de capitais e corporate finance”. Aceitou. “Criaram-se de raiz uma serie de coisas, como um departamento de corporate finance, que na própria estrutura do banco não se conhecia. Recebíamos emails, a questionar o que estávamos a fazer. Íamos às conferências internacionais explicar o que estávamos a fazer. Aqui podiam fazer-se coisas que não se podiam na América. A verdade é que eram operações rentáveis para as empresas e para o banco”, lembra. Entretanto, o Citibank abriu um concurso interno para atribuição de uma bolsa a quem quisesse candidatar-se a obtenção de uma licença de corretagem, com o compromisso que essa licença de corretor oficial era posta ao serviço do banco para criar uma sociedade de corretagem. João Cotrim de Figueiredo passou o exame, mas o Citibank já não quis avançar. “Tinha o diploma de corretor oficial e pus-me em campo para saber como podia capitalizar isso, mas curiosamente nunca quis ser corretor. Apareceram duas coisas: o interesse do Finibanco e do Grupo Mello em voltar a lançar uma sociedade financeira de raiz. O Finibanco valorizava a parte de corretagem e o Mello valorizava a minha experiência de corporate finance. Decidi vender a licença a um e abraçar o projecto Incofina do Grupo Jorge Mello, onde a lógica era fazer o desenvolvimento industrial com componente financeira”. Mais tarde, o grupo BCP compra a Incofina. “Na altura, o Manuel Alfredo de Mello, por quem tenho grande estima, disse-me para ficar com o BCP, ou para ir trabalhar com eles na Nutrinveste”, recorda. “Sempre achei que a parte que me interessava nas empresas era fazer acontecer coisas, do lado financeiro, viabilizá-las. A questão agora era passar para o outro lado. Era estratégia pura industrial, 34 empresas de todo o tipo, em todas as situações. Arrumar aquilo era fascinante, mas não era uma opção fácil. Senti que já estava a demasiado tempo a fazer uma coisa que era um bocadinho frustrante, ou seja planear as operações e depois alguém as fazia. Senti que me fazia falta por as mãos na massa. Desde 1992 até agora nunca mais estive do lado financeiro das operações. Recentemente, já depois de entrar no Turismo, senti que era uma área em que me sinto muito à vontade, tendo que estruturar as componentes de investimento, inserção de fundos comunitários”.
Porquê esta multiplicidade de experiências? “Não é que me canse das coisas, tenho necessidade de acrescentar mais ao currículo. Tenho um currículo tão multifacetado em coisas grandes, pequenas, a ganhar dinheiro, a perder, no sector financeiro, nos serviços, na indústria, com portugueses, com estrangeiros, em dificuldades, com desafogo”, refere.
TVI e Turismo de Portugal
Depois de uma experiência de seis meses na Privado Holding, em 2009, segue-se a TVI, em 2010. “Um dia recebo uma chamada do Fernando Neves de Almeida, tenho aqui uma coisa gira, que é mesmo a tua cara: “Queres substituir o Moniz? Não conhecendo a maneira como aquilo estava organizado, achei que era para fazer a parte de programação e disse que não. Depois percebi e voltei a encontrar o meu primeiro chefe, o Jaime Almeida, tendo sido esse um dos argumentos para achar que era uma boa ideia”, conta. “Orgulho-me muito do que fiz. Encontrei a TVI órfã do Moniz, fiz muitos amigos, num mundo diferente dos outros. Em muitos sentidos, este é mais glamoroso, mas não é isso que o faz diferente, tem muitos egos, mas não acho, que também seja isso que o distingue, a academia, por exemplo, também tem muitos egos. A TV é muito epidérmica, tudo se passa a nível dos sentimentos, exigiu uma gestão mais próxima”. A saída coincidiu com a crise grande no accionista espanhol Prisa, que incluiu a alteração da gestão de topo na Media Capital. “Tínhamos uma visão diferente na forma de gerir pessoas. Saio na sequência de questões que têm a ver com o respeito pela cultura, DNA do projecto”.
João Cotrim de Figueiredo não tem pruridos em falar da sua vinda para o Turismo. “Fui desafiado. Tenho uma relação de amizade com António Pires de Lima, que já era anterior a ter trabalhado com ele na Nutrinveste. Sempre mantivemos contactos sobre coisas do dia-a-dia. Falamos de negócios, política, números. Num dos contactos, antes de tomar posse como ministro, comento que tinha uma colaboração com a Confederação de Turismo Português na preparação das reuniões do Conselho Económico e Social. Ele disse-me: “Tu é que eras bom para por à frente do Turismo de Portugal, porque aquilo precisa de uma visão de negócios”. Eu disse-lhe: Tem graça, que o Francisco Calheiros já me tinha dito o mesmo. Passado uma ou duas semanas de tomar posse, liga-me. Digo-lhe já sei o que me vais dizer: A resposta é sim. Ele diz-me: “Não sei é se sabes que tens de passar pelo CreSap”, continua. Respondo: “Ah sim já ouvi falar, está bem, se tem de ser”. Assim foi. João Cotrim de Figueiredo foi escolhido para presidente do Turismo de Portugal, e exigiu à tutela a presença nas entrevistas para a restante equipa. Tinha algumas dúvidas quanto ao cargo, mas também certezas. As dúvidas? “Não saber como é que se gerem as pessoas sem instrumentos: não se pode aumentar, não se pode promover, não se pode contratar, não se pode despedir”, refere. Quanto às seguranças, não ficou receoso por não ter experiência no Turismo. “Não me preocupava nada não ter tido cargos no Turismo. Sei como funciona, alguém que chegue de fora tem de provar. Digo exactamente o que penso. Por vezes, não se criam amigos, mas cria-se algum respeito”.
Família e hobbies
João Cotrim de Figueiredo tem quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas, com idades entre os 12 e os 25 anos. Partilha com os filhos os hobbies relacionados com o desporto, como o ténis e o ski. Além do desporto, tem imensos interesses, “o que é um drama para quem tem pouco tempo livre e agora especialmente”. Começando pelo desporto, mantém uma actividade física regular, corre três vezes por semana, pratica ténis e diz que há-de voltar ao golfe. Para o espírito gosta de ler, ficção e não ficção, de ouvir música, tocar guitarra, mal, e se o som for bom, consegue ouvir qualquer coisa. Gosta de viajar. Faz a maior parte das férias em Portugal. Gosta muito do Alentejo, onde tem um Monte. Gosta de cozinhar, cozinha para amigos e já fez viagens gastronómicas. Também gosta de fotografia. Enquanto profissional, tem uma obsessão por resultados e objectivos. “Não é uma coisa necessariamente boa, porque nem tudo se resume a números”. Deixa amigos nas equipas por onde passa. Mas, avisa, tem mau feitio, não gosta de falta de pontualidade e faltas de educação, intrigas, nem da falta de coragem típica de quem faz coisas pelas costas. O que mudou com a idade? “Os filtros. Tenho mais paciência e sei ver três passos à frente”, conclui.