Lisboa-Cabo Norte-Lisboa: 50 anos de uma grande viagem, por Vasco Callixto
Recorde a viagem do primeiro automóvel de matrícula portuguesa no ponto mais setentrional da Europa.

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Há 50 anos, ir de automóvel do país mais ocidental da Europa até ao ponto mais setentrional do continente – então uma remota e lendária parcela da terra europeia – foi, sem dúvida, uma certa aventura. Mas fui e voltei, com minha mulher e os dois filhos. E o quarteto português teve honras de notícia e fotografia em primeira página no jornal dessa região árctica do norte da Noruega, cuja maior atracção é o imponente Cabo Norte, a 6.710 km de Lisboa, via Paris, Hamburgo, Gotemburgo, Oslo, Narvik e Hammerfest, a cidade mais setentrional do mundo.
A esta viagem, acrescem duas particularidades. Conduzi o primeiro automóvel montado em Portugal que atravessou o Círculo Polar Árctico e levei ao Cabo Norte o primeiro automóvel de matrícula portuguesa, um Opel Kadett. Tanto assim que o North Cape Auto Club me distinguiu como primeiro membro de Portugal, com o nº 482. Posteriormente, terá havido outro automobilista português a emparceirar comigo? Entretanto, meio século volvido, desse Automóvel Club dos confins da Europa, parece já não haver notícia. Mas eu… ainda “cá” estou! Com 89 em vez dos distantes 39. E felizmente continuo a conduzir e a gostar de conduzir. Ia outra vez ao Cabo Norte de automóvel … se me deixassem ir!
Por sinal, voltei ao Cabo Norte, sim, há sete anos, mas por via marítima, a bordo do nosso resistente “Funchal”. Claro está, vivi uma segunda vez o fascínio, a magia e a atracção daquela região e fui encontrar um Cabo Norte bem diferente, adaptado aos dias de hoje e ao muitíssimo maior número de pessoas que ali afluem, vindas de todas as partes do mundo e utilizando os mais diversos meios de transporte, com predominância das auto-caravanas. Mas a aventura que constituiu a viagem de 1964 sobrepõe-se, como é óbvio, à viagem por via marítima. Aliás, as duas viagens estão relatadas em livros, a de há 50 anos em “Viagem às Terras do Sol da Meia-Noite” (a reeditar este ano) e em “Viagens no Atlântico”.
Partindo de Lisboa no dia 12 de Junho, ao décimo dia de viagem tomámos o pequeno almoço na Alemanha, almoçámos na Dinamarca e jantámos na Suécia, desembarcando do ferry em Gotemburgo, quando ainda se circulava pela esquerda na Suécia. E uma vez em Oslo, de novo a circular pela direita, seguiu-se a extraordinária “subida” da Noruega, no sentido Sul-Norte, por uma estrada nacional com o nº 50, com mais de 2.000 km de extensão, primeiro deficientemente alcatroada, para nos debatermos depois com um lamacento macadame. E com a agravante de a chuva nos perseguir quase todos os dias. Porém, esta “Rota do Árctico”, frequentemente “cortada” por travessias em ferry, ultrapassando-se assim os fiordes, permitiu-nos conhecer uma Europa bem diferente, plena de ineditismo, a começar pela eternização do dia e a completa ausência da noite. E, por outro lado, revelaram-se-nos paisagens deveras fascinantes e pequenas povoações e populações marcadamente nórdicas.
Ao 15º dia de viagem cruzámos o Círculo Polar Árctico. Quando alcançámos esta “fronteira” da Zona Frígida do Norte, sentimos, mais ainda, que estávamos num bem diferente mundo europeu, que nem parecia europeu. Por sinal, a chuva aumentara, caía em fortes bátegas, como forte era também o vento. E a temperatura fixava-se nos 8 graus positivos, em pleno Verão. Mesmo assim, eu e os meus, como muitos outros, não deixámos de festejar, e de assinalar, a chegada a tão mítico local. Mas faltavam ainda mais de 1.000 km para chegar ao Cabo Norte.
Os fiordes fazem parte da paisagem árctica. Mas é depois do Círculo Polar que os mais pronunciados fiordes aparecem. Há 50 anos, a principal característica desta “Rota do Árctico” era a existência de grande número de ferryboats, que a complementavam. Por exemplo, em 290 km tivemos quatro travessias em ferry. Em Narvik, cidade que ressurgira dos escombros causados pelos bombardeamentos durante a Segunda Guerra Mundial, viajámos no primeiro teleférico construído na Escandinávia e, das alturas, contemplámos inigualáveis panorâmicas, avistando ao longe as ilhas Lofoten, onde o “Funchal” me levaria em 2007.
Para norte de Narvik entrámos verdadeiramente na Lapónia. Os lapões, com os seus trajos característicos e garridos, e os seus inseparáveis rebanhos de renas, passaram a fazer parte do “quotidiano” da nossa caminhada para o Norte. Entretanto, a partir da cidade de Alta, internámo-nos nas montanhas cobertas de neve, que vinha mesmo até à estrada. As paisagens continuavam sempre a revelar-se admiráveis de fascínio e de estranha e enigmática beleza.
Um desvio à já bem conhecida estrada nacional nº 50 levou-nos a conhecer Hammerfest, muito orgulhosamente considerada a cidade mais setentrional do mundo. Situa-se numa ilha, apertada entre uma alta montanha e um mar semeado de outras parcelas das fascinantes terras árcticas.
O Cabo Norte já então estava perto. E como esse “fim” da Europa se situa numa ilha, no modesto povoado de Russenes houve que embarcar num ferry para alcançar essa ilha, numa viagem que se prolongou por cerca de 4 horas, sempre com terra à vista. Nos anos que se seguiram, não só a estrada foi avançando e a duração da travessia em ferry diminuindo, como acabou por ser construído um túnel, que agora permite chegar à ilha do Cabo Norte (Magerøya) ao volante.
No dia 1 de Julho de 1964 – faz agora 50 anos – o quarteto de estradistas portugueses chegou ao ponto mais setentrional da Europa; estava alcançado o objectivo. E terminara a primeira parte de uma longa jornada, com o primeiro “P” de Portugal no Cabo Norte, onde a terra europeia acaba e o gélido oceano árctico começa. Viveu-se então, em toda a sua plenitude, o maravilhoso espectáculo do Sol da meia-noite. Mas o Cabo Norte é também um local de capital importância geográfica, que entendo não poder deixar nenhum visitante indiferente; é uma atracção permanente.
Quando desembarcámos em Honningsvåg, a primeira povoação da ilha onde se situa o Cabo Norte, eram 21 horas; faltavam apenas 30 km. Percorremo-los por uma estrada estreita e de pedregoso macadame, sujeita a portagem. Encontrámo-nos por fim no majestoso promontório do “fim” da Europa. E pensámos que o Pólo Norte estava a uma distância de 2000 km, tantos como os que tínhamos percorrido desde Oslo. Mas “desistimos”… de ir ao Pólo Norte!
Há 50 anos, era um altivo poste metálico, encimado por um “N”, o símbolo do Cabo Norte. Já havia um restaurante, onde funcionava uma estação de correios muito especial e eram vendidos os “certificados” de visita ao local. Destacavam-se dois monumentos, um ao rei Óscar II e outro ao rei Luís Filipe de França, recordando visitas reais. Mesmo com um vento a soprar em rajadas fortes e um frio de respeito, apesar do sol, permanecemos no Cabo Norte até quase às 2 horas de uma soalheira madrugada. No dia seguinte, em Honningsvåg, foi o director do Turismo local, o então jovem Knut Jensen (hoje um conhecido realizador cinematográfico norueguês) que me distinguiu como sócio honorário do já citado North Cape Auto Club. E chegara a hora do regresso.
Voltámos a Portugal pela Finlândia e Suécia, com um percurso de 6.802 km, via Helsínquia, Estocolmo, Copenhague, Lübeck e Estrasburgo. Despedimo-nos com saudade da Noruega. E na Finlândia voltámos a atravessar o Círculo Polar Árctico, agora em sentido inverso. Para “ver como era”, fomos mesmo até à fronteira da União Soviética. Em Helsínquia, o recentemente formado grupo “Amigos de Portugal” recebeu-nos da melhor forma, como fraternalmente nos recebeu em Estocolmo o jornalista e ainda hoje bom amigo César Faustino, então delegado do turismo português na Escandinávia. Guarda-Coimbra-Lisboa foi a última etapa de uma viagem maravilhosa, que nos levara a conhecer uma Europa desconhecida.
Concluirei com um apontamento, a propósito da que considerei uma Europa desconhecida. Com efeito, alguns nossos avós, afinal, também foram ao Cabo Norte. Terão sido por certo clientes de uma agência de viagens situada na Rua da Prata, em Lisboa, que em 1911 anunciava “Viagens de recreio ao Cabo Norte”. Deveras surpreendente.